A aplicação da alíquota zero não depende exclusivamente da disponibilização dos recursos, sendo suficiente que o respectivo contrato tenha sido assinado. Em meio às primeiras medidas tributárias tomadas no âmbito federal com relação à pandemia, o Decreto nº 10.305/2020 reduziu a zero a alíquota do IOF incidente sobre operações de crédito “contratadas” entre 3 de abril e 3 de julho de 2020. Após sucessivas alterações regulamentares, tal redução beneficiou operações “contratadas” entre 3 de abril e 26 de novembro, bem como entre 15 de dezembro e 31 de dezembro de 2020. Afinal, o que deve ser compreendida como operação “contratada” para fins de aplicação da alíquota zero do IOF? A assinatura do contrato ou a disponibilização dos recursos?
Embora medida importante para atenuar alguns dos impactos econômicos da pandemia, o emprego do termo “contratada” implicou dúvidas e tratamentos não uniformes por instituições financeiras, responsáveis pela retenção de eventual IOF devido na operação de crédito
A aplicação da alíquota zero de IOF não depende exclusivamente da disponibilização dos recursos
A nosso ver, existem duas formas de compreender esse tema, ambas igualmente válidas e não excludentes entre si, ainda que conduzam a efeitos práticos distintos. A primeira associa “contratação” à data de assinatura do respectivo instrumento contratual. A segunda, por sua vez, relaciona “contratação” à efetiva disponibilização dos recursos (operação de crédito propriamente dita).
Na primeira abordagem, o benefício da alíquota zero de IOF seria aplicável a qualquer operação de crédito cujo contrato que a respalda tenha sido assinado entre as datas mencionadas acima. Por consequência, um contrato assinado em outubro de 2020, por exemplo, atrairia a aplicação de alíquota zero ainda que os recursos sejam transferidos disponibilizados ao tomador apenas em 2021.
O descasamento entre a data de abertura do crédito e a da operação de crédito em si pode ocorrer por inúmeras razões, como, por exemplo, a necessidade de cumprimento de condições suspensivas estabelecidas pela instituição financeira. Em outras palavras, o contrato assinado disciplina os períodos em que recursos serão liberados, mas não configura, por si só, operação de crédito. Isso não significa que, incentivados pela redução a zero da alíquota do IOF, tenha o tomador decidido pela contratação da operação de crédito que ainda será materializada.
Não há dúvida que a mera abertura de linha de crédito não dispara a incidência do IOF, que somente será devido na entrega ou disponibilização dos recursos ao tomador. Do ponto de vista jurídico, não poderia ser diferente: o contrato de mútuo ostenta natureza real, ou seja, depende da entrega da coisa mutuada para se aperfeiçoar. A relação jurídica subjacente ao crédito depende de algo além da mera assinatura: a própria transferência dos recursos financeiros.
Qual a implicação prática dessa segunda abordagem? O fato de um contrato de abertura de crédito ter sido assinado antes de abril de 2020, por exemplo, não seria relevante para definir a alíquota de IOF aplicável. Seria necessário verificar quando cada parcela dos recursos foi efetivamente liberada; as liberações que tiverem ocorrido no período mencionado acima caracterizariam operação de crédito sujeita à alíquota zero do imposto. Nesse sentido, ainda que um contrato fosse assinado, por exemplo, em 2019, o benefício não seria afastado em relação aos mútuos concretizados entre 3 de abril e 26 de novembro ou entre 15 de dezembro e 31 de dezembro de 2020. Tanto é assim que a regulamentação previa a aplicação do benefício aos casos de prorrogação, renovação, novação, composição, consolidação, confissão de dívida, ou até mesmo para saldos devedores em aberto nos períodos incentivados.
No entanto, essas considerações não parecem comprometer, por completo, a primeira abordagem, de que a aplicação da alíquota zero depende da data da assinatura do instrumento contratual, por duas razões principais. A primeira delas, porque há evidências, na legislação do IOF, da utilização do termo “contratada” como sinônimo de estabelecimento das condições que regerão a relação creditícia, bastando, para tanto, o acordo de vontades manifestado pela assinatura das partes no contrato preliminar.
A segunda delas, a finalidade da redução da alíquota no contexto da pandemia do covid-19 e a motivação precípua de contratação de operações com a finalidade de captação de recursos para lidar com o enfrentamento das consequências econômicas negativas que perduram e aumentam a cada dia. Com isso, seria igualmente válido sustentar que a aplicação da alíquota zero não depende exclusivamente da disponibilização dos recursos entre 3 de abril e 26 de novembro ou entre 15 de dezembro e 31 de dezembro de 2020, sendo suficiente que o respectivo contrato tenha sido assinado em tais períodos.
Mesmo decorrendo das sutilezas de um termo, o desafio existe: as previsões incluídas no Regulamento do IOF não são precisas e parecem conduzir a duas abordagens bem distintas, ainda que ambas pareçam sustentáveis. E não parece haver saída simples nem mesmo pela famigerada “interpretação literal” do artigo 111 do Código Tribunal Nacional (CTN), que, ao contrário, confirmaria a validade de ambas as abordagens mencionadas.
O barateamento do crédito em meio à pandemia é iniciativa louvável, e a sua finalidade deve orientar a interpretação que conclua pela aplicação da alíquota zero tanto aos contratos assinados quanto às operações de crédito propriamente ditas que tenham ocorrido no período incentivado. É a única leitura que nos parece fazer sentido para além da filigrana gramatical: prestigia a finalidade do incentivo e a leitura sistemática da legislação tributária relacionada ao IOF, daí porque deve ser suficiente, inclusive, à recuperação de eventual tributo indevidamente retido.
Por Diego Miguita e Diogo Olm Ferreira
Diego Miguita e Diogo Olm Ferreira são, respectivamente, mestrando em Direito Tributário pela USP, com MBA em Gestão Tributária pela Fipecafi, e sócio de VBSO Advogados; e mestrando em Direito Tributário pela USP e advogado de VBSO Advogados.
Fonte: Valor Econômico – Por Diego Miguita e Diogo Olm Ferreira, 10/05/2021.