Agentes autônomos de investimento, que atuam em parceria com corretoras de valores, têm conseguido na Justiça o direito de aderir ao Simples, ainda que o programa não autorize expressamente a participação da categoria. Há decisões recentes da Justiça Federal de São Paulo e do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro.
Os agentes são remunerados por comissão das corretoras, proporcional ao capital investido pelos clientes. É usual trabalharem em sociedades uniprofissionais que, apesar de serem de pequeno porte, são proibidas pela Receita Federal de entrar no Simples – cuja tributação começa em 6% e chega a 33%, a depender do faturamento.
A tributação das sociedades ocorre normalmente por meio do lucro presumido e a alíquota é de 16,33%. “Esses empreendedores enfrentam uma carga tributária elevada, que dificulta o início de seus negócios”, avalia o advogado Ricardo Treu, do escritório Gameleira, Pelagio, Fabião e Bassani Sociedade de Advogados, que assessora alguns agentes em ações judiciais que corre no Rio.
A Receita Federal veda a adesão dos profissionais por entender que se trata de atividade similar a de entidades financeiras como bancos, corretoras ou distribuidora de títulos e valores mobiliários. A proibição está no artigo 3º, parágrafo 4º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 123, de 2006.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na Instrução Normativa 497, de 2011, definiu, porém, que a atividade dos agentes não se assemelha à desenvolvida por entidades do sistema financeiro. “Diferentemente das corretoras, que são instituições financeiras que têm como atividade a intermediação de operações em Bolsa de Valores, os agentes atuam como intermediários entre os investidores e as corretoras, captando clientes e esclarecendo dúvidas sobre aplicações financeiras”, afirma Treu.
O advogado acrescenta que as atividades dos agentes não são fiscalizadas pelo Banco Central, mas pela CVM, enquanto as corretoras estão sujeitas à regulamentação e fiscalização do Banco Central. Ele defende nas ações que a atividade é similar a de corretor de seguros ou de imóveis, enquadrados no Anexo III previsto pelo artigo 18 da Lei Complementar nº 123.
Em decisão recente, a 3ª Turma Especializada do TRF da 2ª Região julgou que os agentes autônomos podem ser incluídos no Simples, no anexo III, que prevê alíquota de 6% de impostos para empresas com faturamento de até R$ 180 mil ao ano e de até de 33% para empresas com faturamento na faixa de R$ 3,6 milhões.
Para o relator do caso, desembargador federal Marcus Abraham, a administração pública só pode fazer aquilo que é permitido em lei. Ele acrescenta que o rol de atividade proibidas de aderir ao Simples é taxativo “de forma que não há margem discricionária para o Fisco estender a restrição legal”.
O magistrado ressalta ainda que “o agente autônomo atua na captação de clientes para as instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários e não exerce atividades das instituições” (processo nº 00069251320184025101).
A 3ª Turma do TRF da 2ª Região também proferiu decisão semelhante em outro processo. No caso, a primeira instância concedeu a inclusão do agente no Simples, mas determinou que a adesão fosse pelo Anexo IV, que prevê tributação de 18% – o que seria maior do que o valor pago pelo lucro presumido, de 16,33%. Ao analisar o pedido, o relator, desembargador Theophilo Antonio Miguel Filho, entendeu que é pacífico no tribunal a inclusão dos agentes autônomos no anexo III (processo nº 504409-04.2018.4.02.5101).
A Associação Brasileira dos Agentes Autônomos de Investimento também conseguiu decisão favorável à inclusão desses profissionais no Simples. A decisão, de 2017, é da juíza federal Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, da 12ª Vara Cível Federal de São Paulo (processo nº 0012469-67. 2015.4.03.6100).
De acordo com ela, não há qualquer menção na Lei Complementar nº 123 que vede os agentes autônomos no Simples e que o rol de proibição é taxativo. Nesse caso, contudo, a permissão judicial apenas trata da adesão ao Simples, sem especificação de anexo, o que tem gerado a interpretação por parte da Receita de inclusão desses agentes no Anexo V, no qual a tributação pode variar de 15,5% a 30,5%, o que não compensaria a adesão ao Simples.
Por este motivo, o advogado da associação no processo, Adriano Gonzales Silvério, do ASBZ, decidiu recorrer ao TRF de São Paulo. Os agentes autônomos, explica, teriam que ser incluídos no Anexo III, juntamente com corretores de seguros e imóveis. “Só assim os menores conseguiriam uma tributação diferenciada, que o Simples promete”, afirma.
Diante do potencial de crescimento do número de agentes autônomos no Brasil, o volume de demandas similares deve aumentar, como avalia o advogado Pedro Moreira, do CM Advogados. Para ele, seria recomendável que fosse definido o quanto antes e de forma expressa a possibilidade do agente em aderir ao Simples Nacional.
O Fisco, segundo ele, não pode interpretar extensivamente uma norma que restringe direitos do contribuinte, o que incorre em ilegalidade. A discussão, afirma, só será pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ainda não enfrentou o tema.
O advogado Luis Augusto Gomes, do escritório Viseu Advogados, ressalta que as decisões têm como principal entendimento que não há vedação expressa na lei complementar para os agentes autônomos. Ele defende que deveriam ser incluídos no regime de tributação simplificado, como os corretores de seguros ou de imóveis, em respeito ao princípio da isonomia.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.
Valor Econômico – Por Adriana Aguiar – De São Paulo – 3 de fevereiro de 2020