Faltam muitos detalhes ainda de plano de imposto corporativo, que ainda precisa obter o apoio do G-20 e, finalmente, de mais de 130 países na OCDE.
O acordo fiscal firmado pelas maiores economias desenvolvidos nesse fim de semana é a primeira prova substancial de restabelecimento da cooperação internacional desde que o presidente Joe Biden recolocou os EUA à mesa de negociações. Mesmos assim, ainda há um longo caminho a percorrer antes de ele ser implementado.
“Este é o ponto de partida”, disse o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire. “nos próximos meses vamos lutar para assegurar que esse imposto corporativo mínimo seja o maior possível.”
O acordo visa fechar brechas que as multinacionais exploram para reduzir sua conta de impostos e fará com que elas paguem mais nos países em que operam.
Os ministros do G-7 apoiaram uma taxa global mínima de pelo menos 15%. Acertaram também que os países deverão ter o direito de taxar uma certa proporção dos lucros das maiores e mais lucrativas multinacionais nos locais onde esses lucros são gerados.
No entanto, muita coisa ficou para ser decidida em negociações globais mais amplas, que reúnem 139 países na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O primeiro obstáculo que o acordo do G-7 enfrentará é conseguir o apoio dos países do G-20, que se reunirão em Veneza no mês que vem.
A OCDE estima que as propostas poderão gerar um adicional de US$ 50 bilhões a US$ 80 bilhões por ano em receitas fiscais, mas o valor que de fato será arrecadado dependerá de detalhes técnicos do eventual acordo global.
Dois fatores terão um impacto importante: a taxa em que o imposto de renda mínimo será estabelecido e se os países que implementarem o mínimo poderão arrecadá-lo sobre as receitas geradas em países que não aderirem ao acordo. A escala do impacto geral é especialmente sensível a esse segundo ponto, conhecido nas negociações como mistura jurisdicional (“jurisdictional blending”) ou impostos adicionais país a país (“country to country top-ups”).
Organizações não governamentais criticaram a alíquota de 15% do proposto imposto de renda mínimo, que para elas é muito baixo. O centro de estudos britânico IPPR disse que “ela não será suficiente para acabar com o nivelamento por baixo” da taxação corporativa.
Mas Gabriel Zucman, economista da Universidade da Califórnia (Berkeley), conhecido por seu trabalho sobre paraísos fiscais, disse no Twitter que o acordo é “histórico, inadequado e promissor” – porque, embora 15% seja muito pouco, não houve obstáculos para se chegar a uma taxa maior.
A taxa mínima “reduz os incentivos para as multinacionais contabilizarem lucros em paraísos fiscais”, disse ele, acrescentando que, para a mordida mínima, “é essencial que ela seja numa base país a país”, uma vez que, de outra forma, as companhias poderiam usar paraísos fiscais para compensar taxas maiores que 15% estabelecidas em outros lugares.
Ministros e autoridades do G-7 se esforçaram para enfatizar que o acordo firmado não significa que o mundo chegou um acordo para mudanças na tributação internacional, quanto mais que o plano acabará sendo bem-sucedido. Em vez disso, eles disseram se tratar de uma tentativa ambiciosa para dar um ímpeto às discussões globais.
Isso foi admitido por outros países. O ministro das Finanças da Irlanda, Paschal Donohoe, juntou-se aos ministros do G-7 em Londres, embora tenha defendido a alíquota de 12,5% de seu país. Após o anúncio ele tuitou: “Estou ansioso para me envolver nas discussões na OCDE… Um eventual acordo terá de atender as necessidades dos pequenos e grandes países, desenvolvidos e em desenvolvimento”.
As discussões globais precisam conciliar as prioridades de competição dos países em dois elementos, conhecidos como “pilares”. Um deles, o mais importante para países como Reino Unido, França e Itália, tenta assegurar que as maiores empresas do mundo – especialmente as gigantes digitais americanas Facebook, Google e Apple- paguem mais impostos em seus países mesmo que tenham pouca presença física neles.
Rishi Sunak, ministro das Finanças do Reino Unido, disse que o acordo do G-7 assegura que “as empresas certas pagarão os impostos certos nos lugares certos”, uma referência a esse pilar.
Por outro lado, Janet Yellen, secretária do Tesouro dos EUA, concentrando-se no outro pilar: um imposto global mínimo de “ao menos 15%”. Isso geraria mais receitas para o governo dos EUA.
O primeiro pilar exige um acordo global e uma lei nos EUA que teria de ser aprovada pelo Congresso. Já o segundo – que segundo estimativa da OCDE levantaria a maior parte das receitas adicionais – poderia ser implementado unilateralmente, mas funcionaria melhor se muitos países aderissem.
O pilar um enfrenta forte oposição em Washington. França, Itália e Reino Unido se recusam a abolir seus próprios impostos digitais enquanto os EUA não aprovarem uma lei sobre isso. A ministra das Finanças do Canadá, Chrystia Freeland, disse que seu país também pretende prosseguir com a implementação de um imposto digital.
Além dessas questões de princípio, há muitas dúvidas técnicas não respondidas e que poderão fazer uma grande diferença nos efeitos práticos de um eventual acordo – incluindo quais companhias cairiam dentro de seu âmbito de aplicação e como definir a base tributária. “Embora a alíquota seja importante, a disputa deverá continuar quanto à base tributária. Isso pode ser complicado”, disse Rita de la Feria, professora de legislação tributária da Universidade de Leeds.
Questionada sobre como venderia o acordo para os congressistas americanos, Janet Yellen disse que ele “proporcionará um grau de certeza às corporações nos EUA e globais, sobre o ambiente em que elas estarão operando, ambiente que vem se mostrando muito instável”. E ela elogiou a “retomada do multilateralismo”.
A portas fechadas, alguns ministros disseram que a urgência de se chegar a um acordo no G-7 foi para deixar claro que os países ricos ainda importam, para mostrar ao mundo que o século 21 não será dominado pelas regras estabelecidas pela China.
O Ocidente está tentando retomar o controle da agenda global, firmando acordos em áreas políticas contenciosas, após os quatro anos do governo Trump em que isso foi impossível, disseram ministros, tanto abertamente quanto a portas fechadas.
“O que vi nessa reunião do G-7 foi uma grande colaboração e um desejo de coordenar e enfrentar uma gama muito maior de problemas mundiais”, disse Yellen.
Valor Econômico – Por Chris Giles e Delphine Strauss – Financial Times, de Londres
07/06/2021