A única garantia de superação do subdesenvolvimento brasileiro reside no dever constitucional de investimento na educação. Como a dominância política sobre os orçamentos públicos sempre se revelou contrária a este propósito, com preferência para gastos com fins eleitoreiros ou outros investimentos imediatistas, impõe-se a vinculação de recursos como mínimo constitucional a ser destinado ao financiamento da educação.
Para evitar reduções, tem-se o piso de custeio proporcional à receita de impostos nas atividades de manutenção e desenvolvimento do ensino, como prescreve o art. 212 da Constituição, com eficácia para todos os entes federados, cuja origem remonta à Constituição de 1934. De fato, o dever de gasto mínimo educacional somente se viu mitigado pelas Constituições de 1937 e 1967. Portanto, em nosso constitucionalismo, esta vinculação afirma-se como verdadeiro direito com proibição de retrocesso.
Este mínimo de financiamento público, por conseguinte, afirma-se como um direito inerente à proteção da dignidade da pessoa humana das futuras gerações, na condição de típica cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da CF), a qual postula efetividade e respeito por qualquer reforma à Constituição.
Ao piso do financiamento educacional somam-se os recursos da contribuição social do salário-educação (art. 212, § 5º), equalização com base em valor mínimo anual de referência por aluno, segundo o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb (art. 60 do ADCT), afora as receitas oriundas do pré-sal (Lei nº 12.858/2013) e até mesmo a meta de aplicação de investimentos na proporção do Produto Interno Bruto (meta 20 do Plano Nacional de Educação, que regulamentou o art. 214, VI da CF).
O art. 214 da nossa Constituição prescreve os deveres do Estado quanto à elaboração de um plano nacional de educação que promova a erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade do ensino, formação para o trabalho e promoção humanística, científica e tecnológica do país. Porém, nada disso será eficiente sem uma aplicação uniforme de recursos.
Deveras, o planejamento público exigirá sempre previsibilidade quanto aos recursos disponíveis, com segurança jurídica permanente para gestores e beneficiários dos serviços de educação, sob pena de vir a ser prejudicado todo o plano educacional de médio e longo prazo. A educação interpõe o futuro como prioridade. Daí a necessidade de certeza jurídica quanto às receitas suficientes para os gastos planejados.
Vale lembrar que as políticas de acesso à educação pública encontram-se constitucionalmente protegidas por garantia de direito subjetivo público assegurado às crianças e aos jovens de quatro a 17 anos, em relação à educação básica obrigatória, como se vê no art. 208, § 1º da Constituição de 1988.
Infelizmente, o horizonte que as gerações presentes e futuras contemplam é de crescente escassez de recursos empregados na educação, claramente insuficientes para atender, com qualidade, todos os jovens e crianças do nosso país. Nas leis orçamentárias da União, a cada ano, os gastos com educação são inferiores aos gastos com juros da dívida pública. Os esforços, por exemplo, para manter e ampliar vagas na escola em horário integral, remunerar e capacitar adequadamente os profissionais de educação, além de investir nos meios que facilitem a aprendizagem dos alunos, são ações dispendiosas que reclamam garantia de custeio e responsabilidade na gestão dos recursos.
Por todos estes motivos, além de inúmeros outros, impõe-se a continuidade da vinculação de receitas de tributos à educação, como condição para cumprir todas as exigências da nossa Constituição Financeira quanto ao desenvolvimento, redução de desigualdades e promoção da justiça e da dignidade da pessoa humana.
Heleno Taveira Torres
Advogado, é professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
NÃO
A destinação do produto da arrecadação dos tributos é uma questão que gera, há muito, intensas discussões entre os especialistas.
A Constituição da República, ao prescrever as condições para o exercício da competência tributária, ou seja, para que os entes instituam tributos, já delineou os limites para a destinação do produto arrecadado com a sua cobrança.
Diante deste cenário, fica evidente que a destinação, para a educação, de recursos obtidos com a cobrança de tributos, embora desejável, não pode implicar violação aos dispositivos constitucionais que disciplinam a matéria. Significa dizer: ainda que a iniciativa seja louvável, uma vez que visa preservar setor importante para a nossa sociedade, não se pode, sob este pretexto, subverter a ordem constitucional, ignorando os enunciados que disciplinam a instituição e cobrança dos tributos e, principalmente, que estabelecem as situações em que o produto da arrecadação pode (ou não) ser utilizado para custear uma despesa específica do ente tributante.
Nunca é demais lembrar: a legitimidade das normas que compõem o ordenamento jurídico em vigor depende, em tudo e por tudo, da estrita observância àquilo que o constituinte determinou. E, no específico caso do sistema tributário, essa condição ganha especial relevância quando se verifica o quanto o texto constitucional é analítico ao tratar dessa matéria.
Daí porque não me parece possível vincular o produto da arrecadação dos tributos à educação em hipóteses não autorizadas constitucionalmente.
Outro ponto, ainda, é igualmente relevante: já existe, na Constituição da República, disposição expressa prevendo a destinação, para o ensino, do produto arrecadado com a cobrança de alguns tributos.
No específico caso dos impostos, embora o constituinte, como regra, tenha vedado a vinculação de suas receitas a órgão, fundo ou despesa, criou algumas exceções, dentre as quais se inclui o custeio de gastos com a manutenção e o desenvolvimento do ensino.
De fato, ao examinar o artigo 212 da Constituição Federal, verifica-se que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios são obrigados a destinarem para a educação uma parcela considerável do valor arrecadado com a cobrança de impostos (não menos do que 18% para a União e 25% para os demais entes):
“Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.”
A vinculação dos valores arrecadados com tributos para subsidiar gastos com a educação já é, portanto, uma imposição do sistema jurídico em vigor.
Neste contexto, e considerando o que dispõe o ordenamento brasileiro, fica claro que, mais do que destinar ao setor educacional o dinheiro arrecadado com a cobrança de outros tributos, seria mais efetivo – e positivo para a sociedade como um todo – a adoção de medidas destinadas a bem gerenciar a aplicação e utilização dos recursos arrecadados.
Afinal, providência dessa natureza resultaria não apenas no incremento dos valores que, por expressa previsão constitucional, devem ser destinados à manutenção e ao custeio do ensino, mas também na ampliação do investimento público em outras áreas igualmente relevantes para o desenvolvimento do país.
Maria Leonor Leite Vieira
Advogada, é professora de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Fonte: OAB/SP – 27/05/2019
http://www.oabsp.org.br/noticias/2019/05/a-vinculacao-de-tributos-para-a-educacao-e-positiva.13001