Em um evento promovido pela London School of Economics na Inglaterra em maio deste ano, a apresentação de um dos panelistas, Marc Morgan Milá, repercutiu bastante na mídia brasileira. O economista teria afirmado que a tributação sobre as heranças no Brasil era muito baixa e que o país deveria aumentar a tributação sobre heranças.
A tributação de heranças no Brasil ocorre por meio do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). O tributo releva da competência dos Estados membros, nos termos do artigo 155, I, “a”, da Constituição Federal. Ainda, de acordo com o art. 155, §1º, IV da Constituição, compete ao Senado Federal fixar as alíquotas máximas do tributo.
Conforme estabelecido, o Senado Federal editou a Resolução nº 9, de 5 de maio de 1992. Esta resolução fixou a alíquota máxima do ITCMD em 8%, cabendo a cada Estado membro regulamentar o tributo. Igualmente, permitiu que o imposto tivesse alíquota progressiva em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente viesse a receber.
Causa dúvida se não seria mais adequado aumentar a tributação sobre a herança e reduzir sobre o consumo
Não obstante a alíquota máxima estar fixada em 8% e haver permissão para que a alíquota do imposto seja gradual, parte significativa dos Estados-membros ainda cobra o imposto a alíquotas inferiores e, por vezes, fixas. São Paulo cobra ITCMD à alíquota única de 4%. Minas Gerais também aplica uma alíquota fixa, porém, de 5%.
Recentemente, observou-se um movimento dos Estados membros para aumentar as alíquotas de ITCMD. O Ceará aumentou a alíquota máxima de ITCMD para 8% a partir de 2016. Rio de Janeiro também adotou o teto de 8% a partir de janeiro/2018. Atualmente, ao menos 9 dos 27 estados membros (incluindo o Distrito Federal) tributam o ITCMD à alíquota máxima.
Mesmo com o aumento da alíquota máxima, esse percentual é ainda inferior ao de alguns dos principais países do mundo, suscitando dúvidas quanto às possíveis razões para a baixa tributação das heranças no país, bem como se não seria mais adequado, do ponto de vista da justiça fiscal, aumentar a tributação sobre a herança e reduzir a tributação sobre o consumo.
Na Inglaterra, por exemplo, a alíquota padrão do tributo é de 40%. Entretanto, existe uma série de situações que mitigam essa tributação. Em regra, o tributo só incide quando o patrimônio deixado for superior a 325 mil libras esterlinas. Além disso, o tributo não incide quando a integralidade do patrimônio for deixada para esposa ou parceiro.
Nos Estados Unidos, a herança é tributada em nível federal podendo o ser também em nível estadual. Os valores de isenção são consideravelmente elevados. Em nível federal, a isenção é de aproximadamente 11 milhões de dólares. Normalmente, as alíquotas são progressivas. Em nível federal, a alíquota máxima é de 40%, enquanto que em nível estadual pode chegar a 20%.
A França possui um sistema bastante peculiar. As alíquotas do tributo variam conforme o grau de parentesco do “de cujus” com o herdeiro. Quanto mais próximo o parentesco, menor a tributação. Por exemplo, os filhos sujeitam-se à alíquota que varia de 5% a 45% dependendo do valor herdado. Por sua vez, os parentes acima de quarto grau estão sujeitas a alíquota fixa de 60%.
Essa diferença significativa de alíquotas entre países como a França, os Estados Unidos e Reino Unido em comparação com o Brasil parece confirmar a tese levantada pelo economista Marc Morgan Milá de que a tributação sobre heranças em nosso país é, de fato, bastante reduzida.
Para se ter uma ideia, de acordo com o relatório da Receita Federal sobre a carga tributária, em 2016, foram arrecadados a título de ITCMD R$ 7,2 bilhões. Embora elevado, esse valor representa apenas 0,36% do total da carga tributária. Esse relatório, entretanto, não diferencia os valores recolhidos em razão de doação e de herança. Portanto, o valor da arrecadação com a tributação das heranças é ainda menor.
Mas, se é verdade que as alíquotas do ITCMD brasileiro são bastante inferiores às alíquotas de outros países, o mesmo não parece ocorrer com a base de incidência desse tributo. No Estado de São Paulo, são isentos de ITCMD os imóveis residenciais de valor inferior a aproximadamente R$ 127 mil, bem assim as aplicações financeiras de até R$ 25,7 mil.
Conclui-se, portanto, que o imposto sobre heranças no país centra-se em uma estrutura composta por alíquotas relativamente baixas e uma base de incidência ampla, com limites de isenção do tributo bastante reduzidos, especialmente se compararmos os nossos limites de isenção com aqueles de outros países como o dos Estados Unidos.
Enfim, a questão que fica é se, por uma questão de justiça fiscal, não seria mais adequado a elevação das alíquotas do ITCMD por parte dos Estados membros, correlata com a redução da base de incidência por meio do aumento das faixas de isenção, para que o aumento recaia, sobretudo, sobre a parcela mais rica da população.
Por Phelippe Toledo Pires de Oliveira
Phelippe Toledo Pires de Oliveira é procurador da Fazenda Nacional, mestre em Direito Tributário pela Universidade de Paris I Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo
Fonte : Valor-31/07/2018