O referido documento, a pretexto de elucidar a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 574.706 PR, afirma que a exclusão do ICMS da base de cálculo da Cofins e do PIS estaria restrita apenas aos valores a recolher, o que implicaria distinção entre o valor faturado (ou destacado) e aquele efetivamente recolhido.
De pronto se deve destacar que o Estatuto da Advocacia (EOAB, Lei 8.906, de 4.7.1994) afirma de maneira peremptória que é atividade privativa da advocacia a atividade de consultoria, assessoria e direção jurídica (artigo 1º, incisos I e II). Por sua vez, o Código de Processo Civil, em seu artigo 141, prescreve com todas as letras que “o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte”.
Em assim sendo, e estando habilitado para tanto, basta cotejar a tese firmada no julgamento do RE 574.706 PR que foi no sentido de que “o ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”, com o pedido deduzido pela empresa em seu mandado de segurança (“concedida a segurança pretendida para garantir a impetrante o direito de excluir da base de cálculo do PIS e da COFINS os valores correspondentes ao ICMS”) para se perceber que o entendimento contido na SC 13/Cosit e na posterior nota de esclarecimento são insubsistentes.
Pode-se sustentar em sentido contrário à conclusão acima (o que se admite apenas como retórica), mas não se pode recusar a assertiva de que tanto o pedido formulado quanto a tese aprovada no julgamento em questão se referem, expressamente, à íntegra do ICMS. E a insubsistência da referida solução de consulta passa também por sua ilegitimidade, uma vez que a advocacia (e, portanto, a atividade de interpretar decisões expedidas pelo Poder Judiciário) é incompatível com as atividades vinculadas às funções de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos (artigo 28, inciso VII, do EAOB), o que deve tornar sem efeitos a SC13/Cosit. Com todo o sentido, portanto, a regra inserta no artigo 26 da Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09), segundo a qual descumprimento de ordem judicial é crime de desobediência, sem prejuízo de eventual desdobramento na forma de crime de responsabilidade.
Colocando-se a questão de forma menos técnica, como a discussão foi sobre a exclusão do ICMS como um todo na base imponível do PIS e da Cofins, mesmo que os votos proferidos tivessem sustentado diferenciação entre créditos, débitos, valores a recolher ou a transportar para os períodos seguintes, isso somente se daria de forma ilustrativa, pois não é permitido ao juiz decidir fora dos limites formulados pelos advogados em suas peças inaugurais ou de resistência, e o que foi posto em discussão está acima bem indicado e delimitado. E o que desbordar, obviamente, tem e terá consequências.
Para ser ainda mais claro, cabe aqui distinguir a ratio decidendi e as questões obiter dictum contidas no acórdão do RE 574.706 PR.
Os argumentos relevantes para a procedência ou não da questão posta em juízo, o tema que é essencial para formação da justificativa procedente ou improcedente, como, por hipótese, (i) “a recepção de determinado conceito jurídico pela Constituição”, ou, ainda, (ii) “os limites impostos pelo sistema jurídico no que tange a observância dos conteúdos consagrados pelos demais ramos do direito”, podem ser considerados como razões de decidir ou ratio decidendi.
Já aquelas considerações não essenciais, ditas apenas de passagem, como no caso em questão (i) “relativas a análise contábil ou escritural do ICMS”, (ii) sobre “os gastos públicos destinados à proteção social”, (iii) ou “complexidade do sistema tributário”, não tendo a mesma relevância, mas desempenhando papel ilustrativo e lateral integram as chamadas observações obiter dictum.
No julgamento do mencionado recurso extraordinário ressaltamos não a margem de segurança dos seis votos favoráveis aos contribuintes e apenas quatro em favor da União, mas que (i) tanto o acórdão (ii) quanto a própria ementa do julgado afirmam de forma peremptória que todo o ICMS não compõe o conceito de faturamento. Para quem não tiver tempo de ler o acórdão, eis o que sintetiza a ementa: “(…) 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento (…). O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”.
Diante destas considerações, recomendamos cautela nos desdobramentos que as autoridades tributárias pretendam a partir da SC 13/Cosit, porque a análise do quanto decidido no julgamento do RE 574.706 PR reclama prévia compreensão não apenas de todo o processo judicial, mas também das normas jurídicas que dão substância ao nosso ordenamento, o que envolve, obrigatoriamente, profissionais devidamente habilitados para tanto, sob pena de agregarmos à restituição reconhecida judicialmente novos valores, agora vinculados a perdas e danos.
Por Walter Carlos Cardoso Henrique
Walter Carlos Cardoso Henrique é advogado, professor de Direito Tributário da PUC-SP, presidente da Comissão de Direito Tributário do MDA e da Comissão Especial de Direito Penal Tributário da OAB-SP, além de representante da OAB-SP junto ao Codecon-SP.
Revista Consultor Jurídico, 29 de novembro de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-nov-29/walter-henrique-sc-13cosit-processos-judiciais-lei-890694