Com o advento da Emenda Constitucional nº 87 e do Convênio ICMS 93/2015 que deliberaram sobre as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte, localizado em outra unidade federada, tem-se verificado a instauração de um novo litígio motivado pela divergência dos Fiscos no tocante à exigência do Diferencial de Alíquota (Difal) em operações presenciais – aquelas nas quais o consumidor final domiciliado em outro Estado retira a mercadoria no estabelecimento físico do varejista, de forma própria ou através de frete por ele contratado.
Esta dissonância tem levado a um exponencial aumento do número de fiscalizações e consequentes autuações por determinadas unidades da federação que exigem dos comerciantes valores de ICMS a título de Difal, com base no entendimento de que seu fato gerador se dá pela simples compra realizada por contribuinte de outra unidade da federação, independente de a mercadoria ser retirada presencialmente no estabelecimento do vendedor.
Estados como Espírito Santo, Minas Gerais e Maranhão, além do Distrito Federal, têm engendrado fiscalizações direcionadas a este assunto, maximizando o número de auditorias junto a varejistas de outros estados.
Os maiores prejudicados são os varejistas que vendem mercadorias a consumidores de outras unidades da federação na modalidade FOB
A comercialização de veículos zero km, é um exemplo emblemático que demonstra o quão corriqueira é esta situação. Pelo fato de determinadas marcas automotivas possuírem representações em poucas unidades da federação, é muito comum aos consumidores destes bens se deslocarem até estabelecimentos comerciais localizados em outros Estados não só para efetivar a compra como também a retirada do veículo, de forma própria ou por meio de frete contratado.
No Espírito Santo, por exemplo, foi editado o Parecer de Orientação Interna nº 70/2018, determinando aos fiscais capixabas que enquadrem como operações interestaduais sujeitas à incidência do Difal todas as vendas direcionadas a adquirentes não contribuintes com domicílio em seu território, mesmo que entrega do produto se dê no Estado de origem do vendedor. Importante denotar que o parecer tenta justificar disposição constante do artigo 534-Z-Z-Z-H do RICMS/ES.
Em contraposição a este entendimento, Estados como São Paulo e Rio Grande do Sul esclarecem expressamente tanto em suas legislações quanto em pareceres emitidos pelas áreas de consultoria tributária de suas Secretarias de Fazenda, que tais operações são internas e, portanto, não sujeitas, a incidência de Difal, conforme comprova exemplificativamente o artigo 52, §3º do RICMS/SP: “São internas, para fins do disposto neste artigo, as operações com mercadorias entregues a consumidor final não contribuinte do imposto no território deste Estado, independentemente do seu domicílio ou da sua eventual inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS de outra unidade federada”.
Instaurou-se, portanto, uma nova modalidade de guerra fiscal entre os Estados, tendo como maior prejudicado os varejistas que vendam mercadorias a consumidores de outras unidades da federação na modalidade FOB.
Em Estados nos quais a exigência do imposto é pautada apenas em interpretação do Fisco local, sem expressa previsão normativa, alguns dos autos de infração já têm sido revistos pelos tribunais administrativos, sob o argumento de que a retirada da mercadoria no local da venda caracteriza a operação como interna, impossibilitando a exigência do Difal instituído pela Emenda Constitucional nº 87.
Nesta linha, em julgamento realizado recentemente pelo Conselho de Contribuintes de Minas Gerais no PTA 01.000948850-26 (acórdão nº 23.037/18/3ª), o voto condutor consignou de forma clara que a ocorrência do fato gerador do Difal deve levar em consideração o local da entrega da mercadoria e não apenas o domicílio do adquirente.
Como bem pontua a decisão, “acaso se adote a tese fiscal, haveria um descompasso enorme na aplicação objetiva da nova sistemática do ICMS/DIFAL, pois os pequenos lojistas deveriam perquirir o domicílio fiscal de cada um de seus compradores e, só então, lançar a nota fiscal com o recolhimento do ICMS/DIFAL para o consumidor final, não contribuinte do imposto”.
O mesmo julgador bem esclareceu que o “fato gerador do ICMS é a operação que causa a circulação e não esta, logo, o tributo pertence à pessoa política (estado ou Distrito Federal) onde a operação mercantil se realizou, ainda que o destinatário da mercadoria esteja localizado em outra unidade Federada, ou mesmo, no exterior”.
Explicitou que “o intuito de implementação do novo ICMS/DIFAL foi o de evitar a perda de receita tributária para os estados destinatários das mercadorias adquiridas por meio de e-commerce, isto é, venda não-presencial e uma concentração de renda nos estados remetentes, mais industrializados e com um melhor sistema de distribuição de vendas”.
Não restam dúvidas, portanto, acerca do surgimento de um novo embate entre Fiscos estaduais e contribuintes, que em curto espaço de tempo deverá ser levado ao crivo do Poder Judiciário.
Por Alessandro Borges
Alessandro Borges é sócio da área tributária de Benício Advogados Associados.
Fonte : Valor-18/03/2019