O Supremo Tribunal Federal deverá julgar na próxima quinta-feira (5/8) um tema importante e com grandes reflexos para os contribuintes: vai definir no Recurso Extraordinário nº 1063187 se pode haver incidência do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) na parcela relativa à correção pela Selic dos valores repetidos/restituídos.
O Fisco sustenta que, em razão da natureza infraconstitucional da matéria, deveria prevalecer o entendimento do Superior Tribunal de Justiça fixado no julgamento do REsp nº 1.138.695/SC, segundo o qual os juros de mora oriundos de depósitos judiciais realizados em demandas que discutem relações jurídico-tributárias, bem como aqueles decorrentes da restituição de indébito tributário, estariam sujeitos à tributação, pois os primeiros teriam natureza remuneratória e os últimos, ainda que possuam natureza indenizatória, constituiriam lucros cessantes e, por isso, representariam acréscimo patrimonial.
O tema tem sido objeto de grande judicialização na Justiça federal. Empresas têm requerido tutela jurisdicional que impeça a Receita Federal de exigir a tributação sobre os valores relativos à atualização monetária e juros de mora na restituição e ressarcimento de créditos tributários (federais), bem como sobre a variação monetária ativa de depósitos judiciais.
Argumentam os contribuintes, com razão, que a correção monetária e os juros de mora, sejam decorrentes da restituição do indébito, sejam do ressarcimento de créditos ou mesmo da incidência em depósitos judiciais, não poderiam ser considerados como acréscimo patrimonial ou ingresso de receita nova, ao passo que que simplesmente recomporiam o patrimônio desfalcado em razão do valor recolhido indevidamente (indébito).
No julgamento do RE nº 855.091/RS, finalizado em 18 de junho passado, o STF ficou a tese de que “não incide imposto de renda sobre juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”.
No referido julgamento, o STF fez uma distinção entre as possíveis naturezas dos juros de mora pagos. Os juros de mora quando têm a natureza de indenização pelos danos emergentes, vale dizer, quando se destinam a compensar aquilo que efetivamente se perdeu, não se amoldam ao conteúdo da materialidade do imposto de renda prevista no artigo 153, III, da Constituição Federal. Contudo, quando tiverem natureza de lucros cessantes, e desde que caracterizado o acréscimo patrimonial, podem, em tese, sofrer a incidência tributária.
Entendendo que os juros de mora pagos em razão do atraso de pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função têm por finalidade a recomposição das efetivas perdas (danos emergentes), considerou o STF que não podem ser tributados pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF).
Se o STF reconhece que sobre os juros de mora devidos em razão no atraso de pagamento de remuneração, quando caracterizem danos emergentes, não pode incidir o IR, pelo fato do valor que representam não configurar acréscimo patrimonial, como justificar que os valores restituídos pelo Fisco, devidamente corrigidos pela inflação e juros de mora se submeteriam a tratamento tributário diferente?
Importante lembrar que nesse julgamento do RE 855091, em seu voto condutor, o relator ministro Dias Toffoli reconheceu que o atraso no pagamento da remuneração faz com o credor se veja obrigado a buscar “meios alternativos ou mesmo heterodoxos, que atraem juros, multas e outros passivos ou mesmo preço mais elevados, para atender às suas necessidades e às de sua família”.
Por meio de dois embargos de declaração, a Fazenda tentou modificar o julgamento, pretendendo tanto o reconhecimento de que os juros moratórios deveriam seguir o mesmo tratamento tributário da verba principal como, alternativamente, a modulação dos efeitos do decido, argumentando que o STJ já havia reconhecido, no REsp 1.227.133 (Tema 470) pela incidência do IR nessa parcela, o que acabou sendo definitivamente rejeitado.
A correção pela inflação não pode ser considerada acréscimo patrimonial, ao passo que simplesmente tem por finalidade recompor o valor de compra da moeda, sem implicar qualquer acréscimo patrimonial, materialidade necessária para a incidência tributária.
Da mesma forma que a pessoa física, quando um empresa precisa depositar judicialmente recursos para suspender a exigibilidade de um tributo ou, pior ainda, se vê obrigada a recolher um tributo inconstitucional para depois pleitear a repetição, também se vê privada de recursos para os fins que lhe são próprios não sendo raro que também seja obrigada a buscar “meios alternativos ou mesmo heterodoxos, que atraem juros, multas e outros passivos ou mesmo preço mais elevados”, para atender às suas necessidades empresariais.
Assim, pela mesma lógica que informa a conclusão do STF no RE 855091 de que os juros de mora dos valores pagos em atraso não podem ser considerados como lucros cessantes, e, portanto, não configuram a materialidade para a cobrança do imposto de renda, os valores restituídos pelo Fisco aos contribuintes, em razão: 1) de um pagamento de um tributo julgado inconstitucional; ou 2) de um depósito judicial compulsório para o fim de suspensão da exigibilidade tributária não poderiam ser considerados como aptos a deflagrar a relação jurídico-tributária.
Se, para argumentar, o STF entender que o tratamento tributário a ser dado aos juros incidentes nos valores depositados judicialmente ou naqueles restituídos pelo Fisco nas ações de repetição de indébito deva ser diferente por ostentarem a natureza remuneratória ou a de lucros cessantes, seria necessário, ao menos, que fosse feita a distinção entre o que corresponde efetivamente à parcela de juros e o que representaria a simples correção monetária do valor depositado ou restituído.
Isso porque a Corte Especial do STJ já definiu que a taxa Selic engloba juros moratórios e correção monetária (EREsp n° 727.842/SP).
Muito embora essa não seja uma matéria pacífica — há o entendimento de que a taxa Selic não seria representativa do índice de correção monetária [1]—, enquanto prevalecer o entendimento do STJ reconhecendo essa dupla finalidade à mencionada taxa o tratamento tributário a lhe ser dispensado não pode desconsiderar a parcela de correção monetária que estaria nela embutida.
Como já foi diversas vezes decidido pelos tribunais, “a correção monetária tem como escopo preservar o poder aquisitivo da moeda diante da sua desvalorização nominal provocada pela inflação” (RE 870.947/SE, relator ministro Luiz Fux, DJe 17/11/2017).
Em razão disso, acaso entenda possível a tributação dos juros nos valores repetidos pelos contribuintes ou levantados quando depositados judicialmente para a suspensão da exigibilidade tributária, deveria o STF, para manter a coerência com a sua própria jurisprudência, reconhecer que não poderia haver a incidência tributária sobre a parcela que reflita a correção monetária dos valores corrigidos pela Selic.
É o que os contribuintes esperam.
[1] ConJur – Edilton Meireles: O uso da taxa Selic na correção monetária
Por Fernando Mendes
Fernando Mendes é advogado, administrador de empresas e sócio no escritório Warde Advogados, foi juiz federal e procurador do Estado de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 4 de agosto de 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-ago-04/mendes-nao-tributacao-correcao-monetaria-juros