Uma das mais conhecidas metáforas para exemplificar a intransigência e a arbitrariedade é a do garoto que, como dono da bola, a leva embora justamente quando seu time perde. Ele prefere encerrar o jogo do que admitir e conviver com a derrota. Típico exemplo de mau perdedor. Infelizmente, exemplos como esse não se limitam às atividades recreativas, alcançando as relações entre o Fisco e os contribuintes.
Nos referimos à recém editada Lei 13.670/2018 que, dentre inúmeras alterações, modifica o artigo 74, § 3.º, inciso VII, da Lei n.º 9.430/96, ao determinar que o crédito informado em declaração de compensação, cuja análise de liquidez e certeza venha a estar sob procedimento de fiscalização, não poderá mais ser objeto de compensação.
Melhor explicando: os contribuintes que se veem diante de exigência ilegal e/ou inconstitucional têm o direito constitucional de ingressar judicialmente para afastá-la. Invariavelmente obtêm êxito em suas demandas e, em possuindo valores a recuperar, poderão habilitar seus créditos perante a Receita Federal do Brasil e, na sequência, apresentar a chamada declaração de compensação, meio pelo qual utilizarão os valores indevidamente recolhidos para a quitação de outros tributos federais vincendos.
Após a apresentação da declaração de compensação, as autoridades fiscais têm resguardado o direito, em até 5 anos, de indeferir a compensação ou expressamente homologá-la, sendo que, se nada fizerem dentro desse prazo, a compensação do contribuinte será tacitamente homologada e os débitos compensados serão considerados extintos.
Essa sistemática, se não é perfeita, vem se mostrando bastante adequada ao longo de mais de vinte anos, permitindo que os contribuintes monetizem créditos já reconhecidos pelo poder judiciário, sem retirar das autoridades fiscais o direito/dever de verificar a coerência entre o procedimento do contribuinte e aquilo que lhe foi reconhecido judicialmente.
Com a alteração introduzida pela Lei 13.670/2018, todavia, as autoridades estarão legitimadas a agir da mesma forma que o garoto dono da bola: a seu exclusivo critério poderão ‘paralisar o jogo’, ao determinar que o mero início do procedimento de fiscalização do crédito – algo que já lhe era assegurado pela legislação anterior – suspenderá futuras compensações indefinidamente.
Sem falar que não há qualquer menção na nova lei à possibilidade de interrupção da prescrição para a recuperação do crédito, enquanto perdurar (indefinidamente) a fiscalização instaurada.
Por outro lado, a sanção ao contribuinte que desafiar a nova proibição é extremamente gravosa: caso proceda à compensação após o início do procedimento de fiscalização, a mesma (compensação) será considerada não declarada, com imposição de multa de 75% sobre o valor do débito, ficando vedada ao contribuinte a apresentação de manifestação de inconformidade. Nessas circunstâncias, a exigência do débito será imediata, inclusive com o ajuizamento de execução fiscal.
Fica claro que esse novo procedimento subverte o instituto da compensação historicamente previsto em lei: as autoridades impedem a compensação antes mesmo dela ser efetuada e, o que é pior, antes de qualquer indício de que o procedimento conteria vício.
Sem falar que se trata de procedimento extremamente eficaz às autoridades para controlarem as saídas e entradas de caixa, pois, ao permitir-lhes interromper compensações futuras, obrigam o contribuinte a pagar em dinheiro tributos a vencer, ainda que possuam créditos legítimos, reconhecidos judicialmente.
Trata-se de evidente manobra para as autoridades controlarem, a seu bel prazer, os níveis de arrecadação de tributos, pois, na eventualidade de muitas declarações de compensação virem a ser apresentadas, basta que instaurem procedimento de fiscalização em relação aos créditos a serem compensados, interrompendo tais procedimentos por prazo indeterminado.
Algo bastante conveniente, considerando algumas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal em favor dos contribuintes, caso, dentre outras, da que reconheceu a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo dos PIS/Cofins e que seguramente significará expressiva recuperação de tributos.
Como consequência, o poder judiciário novamente deverá ser movimentado para disciplinar o mau perdedor, forçando os contribuintes a buscar novas liminares e sentenças, que lhe façam valer direitos já anteriormente reconhecidos e que afastem inquestionável arbitrariedade cometida pelas autoridades fiscais.
Fonte: O Estado de S. Paulo – 16/11/2018
Glaucia Lauletta Frascino e Marcio Abbondanza Morad*
*Glaucia Lauletta Frascino e Marcio Abbondanza Morad são, respectivamente, sócia e advogado do escritório Mattos Filho