Em épocas de virada de ano, é comum ver as pessoas iniciando um processo de reflexão e de retomada sobre os pontos de mudança ocorridos durante o ano, sejam eles positivos ou negativos.
Esse processo também pode e deve ser aplicado para o Direito e as mudanças legislativas e jurisprudenciais ocorridas durante um ano.
No que se refere ao Direito Tributário especificamente, entre as diversas alterações presenciadas no ano de 2019 (e foram muitas), ressalta-se os imensos avanços em matéria da chamada ‘compensação cruzada’, introduzidos pela Lei 13.670/2018 e pela Instrução Normativa RFB 1.810/2018, que há muito era desejada por todos os contribuintes.
Isso porque, até a edição da Lei 11.457/07, a apuração, a fiscalização e a cobrança das contribuições previdenciárias destinadas ao Instituto Nacional do Seguro Social e às outras entidades e fundos (i.e. Sesc/Senac, Sesi/Senai, Sebrae, Incra e FNDE) — apesar de incontestavelmente se tratarem de tributos federais — estavam a cargo exclusivo do citado órgão de Previdência Social.
Contudo, após a edição da referida lei, a competência em questão foi destinada à Secretaria da Receita Federal do Brasil, dando origem à chamada “super Receita”, o que já trouxe imensos avanços para os contribuintes, como, por exemplo, a unificação da Certidão Negativa de Débitos (CND) e da Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa (CPD/EN), que antes obrigava todos os contribuintes a passarem pelo trâmite de dois procedimentos distintos de obtenção/renovação, um deles perante a Receita Federal do Brasil e outro perante a Previdência Social.
Por conta desses acontecimentos, mais precisamente com a unificação das certidões, criou-se um sentimento de esperança entre os contribuintes acerca da possibilidade de efetivação da chamada “compensação cruzada”, que nada mais é do que o aproveitamento de créditos/débitos de contribuições previdenciárias para compensação de créditos/débitos de outros tributos federais, e vice-versa.
Afinal, se estamos tratando de tributos federais recolhidos aos cofres públicos de um mesmo ente federado (União Federal), apurados, fiscalizados e cobrados por um mesmo órgão público (Receita Federal do Brasil), porque manter a vedação de compensação entre eles? Haveria algum sentido ou motivo justo para tanto?
Nesse contexto, após mais de 10 anos da edição de uma lei que unificou o regime de apuração e cobrança de tributos no âmbito federal, coube ao legislador ordinário e à Receita Federal do Brasil a edição da Lei 13.670/2018 e da IN 1.810/2018, a partir das quais os regimes jurídicos de compensação foram unificados, de maneira que passou a ser permitida a aludida “compensação cruzada”, desde que atendidas certas e complexas condições especificadas nas referidas normas.
Inegáveis avanços foram introduzidos a partir desse novo texto, e sobre isso não há discussão, uma vez que, pela redação, a interpretação é que o contribuinte poderá efetuar compensações de forma irrestrita para tributos federais apurados, declarados e recolhidos a partir da utilização do e-social.
Contudo, ainda existem alguns pontos que requerem esclarecimentos, como as compensações de créditos/débitos apurados antes da utilização do e-social (recolhidos em GFIP ou GPS — antigos instrumentos de declaração e recolhimento de contribuições previdenciárias, respectivamente) com créditos/débitos dos demais tributos administrados pela Receita Federal concernente a período de apuração anterior à utilização do e-social para sua apuração (além de outras situações específicas).
Em nossa análise, nos parece claro que tais vedações são fundamentadas em uma questão única e exclusivamente sistêmica, isto é, apenas para tornar mais simples para o fisco a conferência e homologação da utilização desses créditos em compensações futuras, o que não nos parece estar em sintonia com alguns princípios de suma importância no direito tributário, que confeririam maior segurança jurídica aos contribuintes.
Diante disso, em nossa reflexão de final do ano de 2019 e em nossa projeção do ano de 2020, alguns momentos foram reservados às vedações criadas pelas citadas normas à chamada “compensação cruzada”, que ainda subsistem em nosso ordenamento jurídico e nos fazem cogitar sobre pontos a serem levados ao exame do Poder Judiciário, visando garantir o aproveitamento de créditos apurados de forma regular pelos contribuintes, de forma mais isonômica e justa.
Por Rodrigo Blum e Marcello Pedroso
Rodrigo Blum é advogado da área tributária do Demarest Advogados.
Marcello Pedroso é sócio da área tributária do Demarest Advogados.
Revista Consultor Jurídico, 17 de janeiro de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-jan-17/opiniao-evolucao-compensacao-cruzada-esperancas-2020