A Lei 13.606, de janeiro de 2018, juntamente com a edição do conhecido parcelamento tributário denominado de Programa de Regularização Rural (PRR), trouxe inovações a respeito da tributação da contribuição sobre a produção da atividade rural para produtores pessoas física e jurídica.
Entre as alterações, uma de alta relevância para o setor decorre de veto parcial, o qual foi rejeitado pelo Congresso Nacional.
Trata-se da inovação prevista no parágrafo 12, do artigo 25, da Lei 8.212/91, quanto ao produtor rural pessoa física, com redação idêntica para o produtor rural pessoa jurídica no parágrafo 6º, do artigo 25, da Lei 8.870/94.
Referidos parágrafos 12 e 6º foram inseridos na Lei 13.606/2018, porém, não no primeiro momento, quando da aprovação inicial da legislação e publicação em janeiro de 2018, mas somente em 18 de abril, por força da promulgação e publicação após derrubada do veto parcial pelo Congresso Nacional. De tal sorte que, após finalização do processo legislativo, tais parágrafos começaram a integrar a Lei 13.606/2018, alterando os artigos 25 das leis 8.212/91 e 8.870/94, no tocante ao Funrural.
Dispõe o parágrafo 12, artigo 25, Lei 8.212/91 quanto ao produtor rural pessoa física no tocante ao Funrural que[1]:
“§ 12. Não integra a base de cálculo da contribuição de que trata o caput deste artigo a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e por quem a utilize diretamente com essas finalidades e, no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no País”.
A primeira questão que surge a respeito desse disposto diz respeito à sua vigência, ou seja, a partir de que momento produzirá efeito jurídico? Seria de forma retroativa a partir de janeiro ou quando da publicação da parte vetada a partir de abril de 2018?
Com relação à vigência das leis, conforme a Lei de Introdução às Normas no Direito Brasileiro (LINDB), nos termos do artigo 1º, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”.
Portanto, se a lei publicada estabelecer regra diversa do artigo 1º, da LINDB, é essa previsão que irá prevalecer.
De fato, a Lei 13.606 foi inicialmente publicada em 9 de janeiro de 2018, rezando expressamente no artigo 40, II, que entraria em vigor na data da publicação, salvo hipótese do inciso I, do mesmo artigo que não se aplica ao caso.
Sendo assim, tais parágrafo 12, artigo 25, Lei 8.212/91 e parágrafo 6º, artigo 25, Lei 8.870/94, apesar de somente integrarem a Lei 13.606/2018 posteriormente, por força da derrubada do veto parcial, teriam vigência retroativa a partir de janeiro deste ano? Entendemos que não!
Apesar de, a partir da derrubada do veto e consequente promulgação e publicação, gerar a integração em um único corpo legislativo, vetados e não vetados, da Lei 13.606/2018, tais parágrafos somente devem vigorar na data da publicação deste novo texto legal, isto é, em 18/4/2018, em observância do próprio artigo 40, II, da Lei 13.606/2018, em consonância com o artigo 1º da LINDB. Ademais, não há previsão constitucional para se reconhecer a retroatividade de textos vetados, e, como é sabido, a regra para as leis sob a perspectiva temporal é no sentido da irretroatividade.
A respeito do tema, há antigo e conhecido precedente do Supremo Tribunal Federal:
“MANDADO DE SEGURANÇA. HONORARIOS DE ADVOGADO. INICIO DA VIGENCIA DE PARTE DE LEI CUJO VETO FOI REJEITADO. SEGUNDO DECISÕES RECENTES DE AMBAS AS TURMAS DO STF (RE 81.481, DE 8.8.75; RE 83.015, DE 14.11.75; E RE 84.317, DE 06.4.76), CONTINUA EM VIGOR A SÚMULA 512. QUANDO HÁ VETO PARCIAL, E A PARTE VETADA VEM A SER, POR CAUSA DA REJEIÇÃO DELE, PROMULGADA E PUBLICADA, ELA SE INTEGRA NA LEI QUE DECORREU DO PROJETO. EM VIRTUDE DESSA INTEGRAÇÃO, A ENTRADA EM VIGOR DA PARTE VETADA SEGUE O MESMO CRITÉRIO ESTABELECIDO PARA A VIGENCIA DA LEI A QUE ELA FOI INTEGRADA, CONSIDERADO, POREM, O DIA DE PUBLICAÇÃO DA PARTE VETADA QUE PASSOU A INTEGRAR A LEI, E, NÃO, O DESTA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE.(STF, RE 85950, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 26/11/1976, DJ 31-12-1976 PP-11240 EMENT VOL-01047-05 PP-01241 RTJ VOL-00081-02 PP-00640)
Todavia, quando sustentamos que a vigência se daria a partir da publicação, não seria exatamente o dia 18/4/2018, mas, tecnicamente, o mês de abril. Isso significa dizer que não caberia a tributação do Funrural, como veremos adiante, a partir de 1º de abril de 2018, uma vez que a incidência e apuração das contribuições sobre a receita bruta da atividade rural para pessoa física e jurídica é mensal.
Além da polêmica voltada para a vigência, temos ainda a interpretação a respeito da amplitude dos parágrafos 12, artigo 25, da Lei 8.212/91 e 6º, artigo 25, da Lei 8.870/94. Qual a extensão e amplitude de tais dispositivos quanto à desoneração em tais operações mediante exclusão da base de cálculo do Funrural?
Como premissa, entendemos que tais dispositivos, numa interpretação finalística, visa a exoneração de toda a cadeia produtiva de produção no agronegócio no tocante à atividade de plantio ou reflorestamento, bem como a animal destinada à reprodução ou criação pecuária ou granjeira.
Há, assim, em nossa visão, plena exoneração da cadeia, gerando somente a tributação pelo Funrural da receita bruta da produção agropecuária destinada ao consumo final, como a venda da soja em grãos não destinada ao plantio, produção de sementes ou para produção de ração, óleo, entre outros, como também os animais visando a produção de outros produtos ou mesmo in natura, no caso de abate por frigoríficos.
Portanto, do ponto de vista da criação de animais (pecuária e aves), temos as seguintes hipótese de exclusão da base de cálculo quanto ao Funrural: (i) venda destinada à reprodução ou criação pecuária, quando vendido pelo próprio produtor ou quem utilize diretamente para tais finalidades; (ii) venda para utilização como cobaia para pesquisas científicas pelo próprio produtor ou quem utilize diretamente para tais finalidades.
Desse modo, em nossa opinião a finalidade dessa alteração no texto legal foi exatamente exonerar a cadeia e somente tributar a saída final do produto, no caso de animais (criação pecuária — bois, suínos etc. — ou aves) destinado ao consumo ou como matéria-prima da elaboração de outro produto in natura ou industrializado.
Sendo assim, a lei permite a exclusão da base de Funrural pela pessoa física e jurídica das vendas durante as etapas de reprodução (fêmeas para reprodução, mas também machos, pois a reprodução também depende do macho reprodutor e a lei não faz distinção), como também os bezerros que serão destinados a outro produtor ainda na fase de engorda (criação).
Por outro lado, com relação ao reflorestamento e plantio, temos as seguintes hipótese de exclusão da base de cálculo quanto ao Funrural: (i) venda destinada ao plantio ou reflorestamento pelo produtor rural (ou seja, este produtor é quem produz e vende para alguém utilizar seu produto agrícola para plantio ou reflorestamento); (ii) produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento quando vendido por quem a utilize diretamente com essa finalidade (ou seja, pessoa que não produz a produção rural, mas utiliza para comercialização destinada ao plantio ou reflorestamento).
Nessas duas hipóteses, ao que nos parece, a entidade ou pessoa que vende a produção para plantio ou reflorestamento deve ser registrada no Mapa. Ou seja, não basta querer vender sementes.
Entendemos que, da mesma forma, há de se reconhecer a exoneração do Funrural quando da venda pelo produtor rural para que um terceiro (PF ou PJ) produza semente e daí realize a venda, como o caso das sementeiras, estando tal operação também fora da base de cálculo do Funrural, exonerando inclusive a adquirente da retenção.
As alterações e discussões não param por aí quanto às novidades do Funrural, mas deixarem para outra oportunidade.
[1] Para produtor rural pessoa jurídica, há redação idêntica no parágrafo 6º, do artigo 25, da Lei 8.870/94: “§ 6º Não integra a base de cálculo da contribuição de que trata o caput deste artigo a produção rural destinada ao plantio ou reflorestamento, nem o produto animal destinado à reprodução ou criação pecuária ou granjeira e à utilização como cobaia para fins de pesquisas científicas, quando vendido pelo próprio produtor e por quem a utilize diretamente com essas finalidades e, no caso de produto vegetal, por pessoa ou entidade registrada no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que se dedique ao comércio de sementes e mudas no País”.
Por Fábio Pallaretti Calcini
Fábio Pallaretti Calcini é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.
Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2018.
https://www.conjur.com.br/2018-jul-13/direito-agronegocio-desoneracao-funrural-cadeia-agronegocio