Ao longo de 2019, o Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV Direito SP tem realizado pesquisa voltada à definição do impacto gerado pela exigência de garantia de satisfação do crédito tributário no âmbito judicial, com especial atenção, nesse contexto, para o “problema” da (in)viabilidade da fiança e do seguro-garantia em termos econômicos.
O tema foi enfrentado considerando-se, em princípio, dois grandes blocos processuais – o das demandas exacionais, formado basicamente por execuções fiscais, e o das ações ditas antiexacionais, categoria em que se alojam anulatórias e mandados de segurança, entre outras variáveis.
No primeiro grupo, a prestação de garantia é vista, sabe-se, com certa naturalidade, uma vez normativamente presente no respectivo ciclo procedimental como elemento constante. No segundo, porém, a providência é contingencial, relacionando-se, em síntese, à suspensão da exigibilidade do crédito debatido, efeito que pode ser obtido por outros caminhos – mais comumente identificados, no contencioso judicial, por provimentos provisórios –, tudo a significar que, na prática, a prestação de garantia funcionaria como instrumento verdadeiramente subsidiário, utilizável se e quando frustrado o acesso àquelas outras alternativas.
A investigação levada a cabo se deu no âmbito dos Tribunais Regionais Federais do país e do Superior Tribunal de Justiça, buscando entender, primeiro de tudo, como essa parcela do Poder Judiciário tem tratado as discussões em que o “macrotema” da prestação de garantia opera.
Feita com base em análise qualitativa e quantitativa de 2.339 decisões judiciais do tipo “acórdão”, a pesquisa constatou que, na maioria dos casos examinados, a suspensão de exigibilidade ou a concessão de certidão negativa foi de fato atrelada à disponibilização de algum tipo de garantia, pressupondo-se a ausência dos requisitos autorizadores da concessão de tutela voltada àquele fim; apenas residualmente, lado outro, as decisões proferidas desconsideravam a necessidade de garantia para um daqueles fins (suspensão de exigibilidade ou concessão de certidão), dando a entender que os requisitos autorizadores de provimentos tais como os dos incisos IV e V do Código Tributário Nacional encontrar-se-iam reunidos.
Com esse primeiro cenário definido, uma afirmação nos é/foi possível formular desde logo: prestação de garantia não é questão relevante apenas para os casos de execução fiscal, senão também para as demandas antiexacionais.
A essa constatação uma outra se soma, tão ou mais importante: o Superior Tribunal de Justiça inclina-se fortemente na direção da tese da taxatividade do art. 151 do Código Tributário Nacional, o que sinalizaria, dentre as modalidades de garantia teoricamente possíveis, que a única figura seria admissível para fins de suspensão da exigibilidade – o depósito.
A par dessa constatação, a pesquisa revela a presença de intenso debate sobre a virtual possibilidade de, no lugar do depósito, oficiarem fiança e seguro-garantia, como que numa espécie de abrandamento da literalidade do mencionado art. 151.
Esse tipo de discussão reforçaria o potencial emprego das categorias por último referidas (fiança e seguro) no lugar do depósito, fato implicativo da inclinação de contribuintes em sua direção, dada sua pressuposta menor onerosidade.
Para os casos em que o depósito já foi efetivado, porém, um outro aspecto surge: a necessidade de anuência expressa da Fazenda Pública em relação à movimentação judicial de garantias. Num universo de 606 casos relevantes, encontramos 199 em que a garantia em dinheiro estava sendo discutida em juízo, sendo 66 deles (cerca de 35%) relativos à (im)prescindibilidade da anuência da Fazenda Pública para quaisquer procedimentos envolvendo a oferta, aceitação substituição ou desconstituição de garantias.
Esse estado de coisas atesta que a integração da vontade da Fazenda não é desprezível no comportamento decisório dos tribunais, ponto de especial importância no contexto dos feitos exacionais.
Ainda no que se refere aos processos de execução, há, ainda, um outro aspecto interessante que a pesquisa nos mostra (de forma discreta, mas presente, de todo modo): o impacto do julgamento dos embargos em primeiro grau, momento em que potencialmente se postula a liquidação “antecipada” da garantia prestada sob a forma de fiança e seguro. Aspecto para o qual não se visualiza solução definitiva, é dos que, dentre os detectados, pode vir a ter grande impacto na definição da viabilidade econômica das citadas modalidades.
Com esses pontos associados – sem prejuízo de outros, a se descortinar no decorrer dos trabalhos –, o que se espera definir é, ao fim e ao cabo de tudo, se e em que medida fiança e seguro seguirão sendo formas de garantia econômica-mercadologicamente viáveis, buscando encontrar resposta para pontos que, embora vinculados a conceitos jurídicos, estão diretamente associados, por dependência, a outro(s) plano(s).
PAULO CESAR CONRADO – Professor da FGV Direito SP. Juiz Federal em São Paulo, SP.
TATHIANE PISCITELLI – Professora da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição. Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. Doutora e mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.
JULIANA FURTADO COSTA ARAUJO – Professora do Mestrado Profissional da FGV Direito SP e Procuradora da Fazenda Nacional
CAIO FERRARI DE CASTRO – Mestrando em direito pela Faculdade de Direito da USP. Pesquisador da FGV Direito SP.
GIOVANNA DIAS NEY – Graduanda em Direito Pela Universidade Cruzeiro do Sul. Pesquisadora da FGV Direito SP.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-demanda-por-fianca-e-seguro-garantia-no-processo-tributario-federal-28102019
Fonte: Jota-28/10/2019