Subvenção de ICMS: para especialistas, maiores problemas podem vir a partir de 2025
24/01/2025
Tributaristas avaliam que, quando empresas começarem a aproveitar os créditos fiscais, poderá haver um novo contencioso envolvendo o tema
Por mais que o tema das subvenções de ICMS tenha dado uma “esfriada” ao longo de 2024 após a edição de novas regras de tributação, especialistas apontam alguns problemas da nova legislação, prevendo que os principais percalços podem vir em 2025, quando as empresas começarão a aproveitar os créditos fiscais. Eventuais questionamentos por parte do fisco podem gerar um novo contencioso, que será analisado primeiramente pela esfera administrativa para depois chegar ao Judiciário.
Por ora, os problemas têm sido relacionados à habilitação e ao cálculo do crédito fiscal. Ainda, há uma divergência de entendimentos em relação ao tratamento a ser dado aos créditos presumidos, com contribuintes indo à Justiça com base no argumento de que a tributação desses incentivos não seria válida.
As principais críticas às novas regras dizem respeito ao descasamento entre o valor da tributação e do crédito fiscal a ser apurado, sendo o segundo necessariamente inferior ao primeiro. Ainda, há um descompasso em relação ao momento da tributação e o de aproveitamento dos créditos. Especialistas, porém, apontam que não há muito o que fazer, já que esses pontos são inerentes à nova legislação.
O JOTA não identificou projetos de lei relevantes que possam alterar o cenário. Entretanto, é possível que o Judiciário se debruce sobre as novas regras ou sobre temas relacionados.
Desafios para a habilitação e o cálculo do crédito fiscal
Um ano após a promulgação da Lei das Subvenções (Lei 14.789/2023), que criou um crédito fiscal sobre os incentivos de ICMS, as empresas enfrentam desafios para garantir o benefício. Advogados ouvidos pelo JOTA afirmam que parte dos contribuintes ainda aposta no resultado de ações que ajuizaram para manter o regime anterior, que autorizava o abatimento desses dos incentivos da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins. Outra parte enfrenta os primeiros desafios no processo de habilitação na Receita Federal, fase essencial para que elas possam receber o crédito fiscal. O valor do crédito fiscal que as empresas vão receber será calculado por elas mesmas e incluído na Escrituração Contábil Fiscal (ECF), que deverá ser entregue até julho de 2025. Advogados explicaram que, no mês seguinte à entrega, elas já poderão aproveitar esses créditos.
O artigo 3º da Lei 14.789/2023 define que, para ser beneficiária do crédito fiscal de subvenção, a empresa deverá se habilitar na Receita Federal. Segundo esse dispositivo, são requisitos para a concessão da habilitação à pessoa jurídica: I) ser beneficiária de subvenção para investimento concedida por ente federativo; II) haver ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo anterior à implantação ou à expansão do empreendimento econômico; e III) haver ato concessivo da subvenção editado pelo ente federativo que estabeleça expressamente as condições e as contrapartidas a serem observadas pela pessoa jurídica relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico.
O advogado Caio Nader Quintella, titular da Nader Quintella Advogado e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), salienta que a Lei 14.789/2023 significou “um grande revés” aos contribuintes. “O aproveitamento [das subvenções] saiu da sistemática de uma regra de exclusão [dos valores] da apuração do lucro real e da CSLL, que é algo que o contribuinte faz na própria contabilidade e declara, para a uma sistemática de creditamento”, diz.
No novo contexto, especialistas afirmam que a maior polêmica é comprovar que o incentivo é voltado à implantação ou à expansão do empreendimento econômico, o que permitiria o creditamento. Daniel Santiago, sócio de contencioso do Neves & Battendieri Advogados, diz que, além disso, no caso de empresas que realizaram o investimento há mais tempo – 10 ou 15 anos atrás –, por exemplo, já houve a chamada depreciação do investimento, ou seja, a perda do seu valor. Desse modo, a inclusão da receita no cálculo da apuração do crédito fiscal esbarra em outro dispositivo da Lei das Subvenções, o inciso I do artigo 8º. Este define que, na apuração do crédito fiscal, somente poderão ser computadas as receitas que sejam relacionadas às despesas de depreciação, amortização, exaustão, locação ou arrendamento de bens de capital, relativas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico.
“Não houve grandes investimentos industriais nas últimas décadas no Brasil. A maior parte dos incentivos que as empresas receberam é antiga. É referente a um investimento que ela já fez há muito tempo. Temos nos deparado com empresas que investiram há mais de 15 anos e já depreciaram todo esse investimento. Portanto, não conseguem obter o crédito fiscal”, explica Santiago, que afirmou que, de 20 pedidos de habilitação em 2024, só teve seis deferidos.
Outro limitador encontrado pelas empresas está no artigo 8º da Lei 14.789/2023. Primeiro, o parágrafo primeiro, inciso II, define que o contribuinte não poderá computar no cálculo do crédito fiscal o valor das receitas que superar as subvenções concedidas pelo ente federativo. Depois, o artigo 8º, parágrafo segundo, afirma que esses valores deverão ser considerados de forma acumulada a partir da data do ato concessivo da subvenção. “Em outras palavras, a limitação diz que o valor da subvenção não pode ser maior que o valor do investimento que fiz. Neste caso, a subvenção seria considerada de custeio, e não de investimento, e isso também limita a base para o cálculo do crédito fiscal”, diz Santiago.
Crédito presumido
Outro problema está relacionado à tributação dos créditos presumidos. A Fazenda tem a interpretação de que esse tipo de incentivo está abarcado na Lei 14.789, porém os contribuintes alegam que uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) impossibilita a cobrança dos tributos.
O precedente foi dado no EREsp 1.517.492/PR , por meio do qual a 1ª Seção entendeu, por unanimidade, que a tributação dos créditos presumidos fere o pacto federativo. O posicionamento, porém, não foi tomado em repetitivo, o que significa que o Judiciário e o Executivo não estão obrigados a segui-lo.
O EREsp é utilizado como base em ações judiciais por meio das quais os contribuintes pedem que créditos presumidos não sejam tributados.
A questão é especialmente importante pelo fato de, ao longo de 2024, diversos estados terem alterado a natureza de suas subvenções, transformando-as em créditos presumidos. O objetivo da alteração foi manter a atratividade dos incentivos.
“Em 2024 os próprios estados, de maneira generalizada, alteraram suas leis simplesmente para mudar a sistemática de seus benefícios e virar crédito presumido”, salienta Quintella.
O STJ pode analisar, sob o rito dos repetitivos, o tema da tributação dos créditos presumidos. Isso porque o REsp 2.171.374/RS, que trata do assunto, foi indicado como representativo da controvérsia. A relatora, ministra Regina Helena Costa, ainda precisa se manifestar sobre o ponto.
Valor do crédito fiscal
Embora as empresas só precisem informar o valor do crédito fiscal na entrega da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), cujo prazo vai até julho de 2025, um fato é certo: o crédito será muito menor que a tributação paga a título de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Isso porque a Lei das Subvenções define que, para a apuração do crédito fiscal do novo regime, a lei estabelece uma alíquota de IRPJ de 25%.
A advogada Thaís Veiga Shingai, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, explica que, antes, os contribuintes deduziam integralmente os incentivos de ICMS da base de cálculo dos quatro tributos. Ou seja, isso correspondia a um benefício correspondente a uma alíquota de 25% de IRPJ, 9% de CSLL e 9,25% de PIS e Cofins. “Agora, não só a base para o cálculo do crédito fiscal será muito menor, mas também a alíquota que será aplicada para a concessão desse crédito”, diz.
Em resumo, a Lei 14.789 prevê que o crédito fiscal necessariamente será inferior ao valor da tributação, e esse é um dos maiores problemas da nova regra, segundo tributaristas. Não há, porém, muito o que fazer, já que essa é a determinação legal.
Judicialização
O tema chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da ADI 7.604 , ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), e da ADI 7.551 , pelo Partido Liberal (PL). Os contribuintes defendem que a sistemática instituída pela Lei das Subvenções viola o pacto federativo, pois a União ficaria com parte dos benefícios instituídos pelos demais entes, que concedem as subvenções visando ao desenvolvimento econômico e social de suas regiões. Não há previsão para as ações, que são relatadas pelo ministro Nunes Marques, serem julgadas.
Há precedentes que demonstram como os tribunais superiores podem interpretar pelo menos parte da Lei das Subvenções. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já tem entendimento pacificado em sede de recurso repetitivo – cuja aplicação é obrigatória por tribunais em todo o Brasil em casos idênticos – que os incentivos fiscais de ICMS que não o crédito presumido podem integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A decisão foi tomada em 2023 no Tema 1.182 . Na ocasião, os ministros da 1ª Seção concluíram, por unanimidade, que os contribuintes só poderiam abater esses incentivos da base de cálculo dos dois tributos se cumprissem as regras previstas no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/14. Toda essa sistemática foi alterada pela Lei das Subvenções, que passou a vedar o abatimento dos incentivos da base de cálculo dos tributos. Mas esse julgamento demonstra que, pelo menos no que diz respeito aos incentivos que não o crédito presumido, a tributação pelo IRPJ e pela CSLL não violaria o pacto federativo.
Em relação ao crédito presumido, se o STJ aceitar o repetitivo e de fato ocorrer novo julgamento, não está descartada a possibilidade de os ministros do STJ alterarem seu posicionamento e passarem a condicionar a dedução do crédito presumido de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL ao cumprimento de requisitos relacionados à ampliação dos empreendimentos econômicos. Além de a composição da 1ª Seção ter mudado desde 2017, quando o precedente favorável aos contribuintes envolvendo esse tema, o EREsp 1.517.492/PR , foi analisado, o julgamento do Tema 1182 em 2023 demonstrou a força da União na Corte: o resultado foi unânime a favor da tributação e até mesmo a ministra Regina Helena Costa, que foi relatora do caso do crédito presumido de 2017, votou a favor da incidência dos tributos. O entendimento será aplicado no período anterior à Lei das Subvenções, mas demonstrará a interpretação do STJ sobre o tema.
No STF, os contribuintes também aguardam o desfecho do julgamento do caso que discute a inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Trata-se do RE 835.818 , elencado no Tema 843 da repercussão geral. Em 2021, os ministros chegaram a formar maioria – com placar de 6X5 – para afastar a tributação, mas houve pedido de destaque, e o placar foi zerado. Serão mantidos os votos dos ministros aposentados Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, favoráveis às empresas. Neste caso, também, a decisão será aplicada no período anterior à Lei das Subvenções, mas demonstrará o entendimento dos ministros do STF sobre a tributação do incentivo estadual.
Novo contencioso
Ainda, especialistas apontam que as novas regras trazidas pela Lei 14.789/2023 podem inaugurar um novo contencioso, relacionado à regularidade dos créditos fiscais. Serão debates, por exemplo, relacionados à natureza do benefício fiscal de ICMS e a se o contribuinte poderia ter se creditado em relação aos incentivos. O debate deve chegar primeiro à esfera administrativa, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), e posteriormente ao Judiciário.
Alíquota mínima
As novas regras para tributação das subvenções de ICMS fazem com que os incentivos não “pesem” no cálculo da alíquota mínima de 15% prevista na Lei 15.079/24. Como há a necessidade de contrapartidas aos benefícios, assim como a concessão de um crédito fiscal, as subvenções são consideradas um incentivo qualificado, tendo um peso menor no cálculo do total pago de IRPJ e CSLL pelas companhias.
A tendência, conforme o texto da lei, é de que os benefícios da Sudam e da Sudene sigam o mesmo caminho tomado pelas subvenções.
Em relação às subvenções, porém, ainda existe uma incerteza em relação aos contribuintes que conseguiram decisões judiciais afastando as novas regras. Tributaristas apontam que neste caso os incentivos poderiam não ser considerados como qualificados, fazendo com que as empresas possam se aproximar do percentual inferior a 15%.
Bárbara Mengardo
Editora de Tributos
Cristiane Bonfanti
Editora-assistente de Tributos