ADI 4395 / DF – DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 06/01/2025
Publicação: 07/01/2025
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-s/n DIVULG 19/12/2024 PUBLIC 07/01/2025
Partes
REQTE.(S) : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FRIGORÍFICOS – ABRAFRIGO
ADV.(A/S) : FABRICCIO PETRELI TAROSSO E OUTRO(A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
- CURIAE. : ASSOCIACAO BRASILEIRA DAS INDUSTRIAS EXPORTADORAS DE CARNES – ABIEC
ADV.(A/S) : IGOR MAULER SANTIAGO
- CURIAE. : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DOS AGRICULTORES PECUARISTAS E PRODUTORES DA TERRA – ANDATERRA
ADV.(A/S) : RAFAEL PELICIOLLI NUNES E OUTRO(A/S)
- CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DO ARROZ – ABIARROZ
ADV.(A/S) : MAURÍCIO PEREIRA FARO
- CURIAE. : ASSOCIACÃO BRASILEIRA DOS CRIADORES DE ZEBU
ADV.(A/S) : BRENO FERREIRA MARTINS VASCONCELOS
- CURIAE. : SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL – ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DO PARANÁ/SENAR-PR
ADV.(A/S) : MARCIA CRISTINA STIER STACECHEN
- CURIAE. : SOCIEDADE RURAL BRASILEIRA
ADV.(A/S) : MARCELO GUARITA BORGES BENTO E OUTRO(A/S)
- CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DE FRIGORÍFICOS DE MINAS GERAIS, ESPÍRITO SANTO E DISTRITO – AFRIG
ADV.(A/S) : MOACYR PINTO JUNIOR
ADV.(A/S) : DANIEL ANDRADE PINTO
- CURIAE. : ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE SOJA DO RIO GRANDE DO SUL – APROSOJA – RS
ADV.(A/S) : LUCAS JORGE ROCHA DALL´OGLIO E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S) : FRANCISCO DE GODOY BUENO
ADV.(A/S) : GERSON TAROSSO
ADV.(A/S) : NERI PERIN
ADV.(A/S) : FELISBERTO ODILON CÓRDOVA
Decisão
DECISÃO: Trata-se de pedido de medida cautelar superveniente formalizado pela Associação Brasileira de Frigoríficos (ABRAFRIGO), requerente nesta ação direta, e pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), amicus curiae admitida nestes autos, de suspensão nacional dos processos administrativos e judiciais que versem sobre os temas discutidos nesta ação direta de inconstitucionalidade.
A presente ação direta de inconstitucionalidade impugna o art. 1º da Lei 8.540/1992, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII; 25, incisos I e II; e 30, inciso IV, da Lei 8.212/1991, com redação atualizada até a Lei 11.718/2008.
As normas abordam a contribuição social que os produtores rurais, pessoas físicas, devem ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), contemplando as categorias de empregador (produtor rural com empregados) e segurado especial (produtor rural sem empregados, que desenvolve suas atividades em regime de economia familiar). Para ambas as categorias, são determinadas alíquotas de contribuição aplicáveis sobre a receita bruta obtida com a comercialização de sua produção (art. 25, incisos I e II). Além disso, a legislação estabelece a denominada sub-rogação, ou seja, que a empresa adquirente assuma a responsabilidade pelo recolhimento da contribuição sobre a receita da produção dos produtores rurais pessoas físicas e segurados especiais (art. 30, inciso IV).
Nesse contexto, a requerente afirma que a norma impugnada afronta o art. 195, § 8º, da CF/88, ao argumento de que o legislador teria aplicado a previsão nele contida a sujeitos passivos diversos daqueles em relação aos quais a Constituição autorizou sua incidência, no caso, o empregador rural pessoa física. Sustenta que as modificações introduzidas no art. 25 da Lei 8.212/1991 iriam de encontro à regra do artigo 150, II, da Constituição Federal, que veda instituição de tratamento desigual a contribuintes que se encontrem em situação equivalente. E, por fim, afirma a necessidade de lei complementar para a exigência de contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, na forma do artigo 195, § 4º, CF.
As requerentes afirmam que, embora o julgamento deste processo tenha sido concluído na sessão virtual realizada entre os dias 9 e 16 de dezembro de 2022, o resultado final ainda não foi proclamado. Destacam a existência de divergências essenciais entre elas e a União quanto à interpretação correta das decisões proferidas pelos ministros desta Corte. Argumentam ainda que o feito fora incluído em pauta nada menos que quinze vezes para a proclamação do resultado, não havendo previsão de julgamento.
A demonstrar a insegurança jurídica relativamente à matéria discutida nos autos, colacionam julgados discrepantes dos Tribunais Regionais Federais da 1ª a 5ª Região, decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, além de decisões individuais desta própria Corte.
Requerem, por fim, a suspensão nacional “dos processos administrativos e judiciais, em qualquer instância, naquilo que versem uma ou ambas as matérias discutidas nesta ADI: inconstitucionalidade do FUNRURAL para o produtor rural pessoa física após 2001 e da sub-rogação do adquirente no pagamento da contribuição.” Ademais, pleiteiam que “a suspensão abranja os processos judiciais transitados em julgado nos quais não tenha ocorrido o levantamento de depósitos judiciais ou a excussão de outras garantias”.
Em 13 de dezembro de 2024, determinei a intimação da Advocacia-Geral da União e da Procuradoria-Geral da República para manifestação sobre o pedido de suspensão nacional.
A Advocacia-Geral da União se manifestou pelo indeferimento da medida cautelar, em petição assim ementada:
“Previdenciário. Artigos 12, inciso V e VII; 25, incisos I e II; e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91. Contribuição previdenciária do produtor rural pessoa física. Base de cálculo. Receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Julgamento do feito pelo Plenário Virtual dessa Suprema Corte. Ausência de proclamação do resultado em ambiente do Plenário Presencial. Pedido de medida cautelar para suspender, em âmbito nacional, os processos administrativos e judiciais, em qualquer instância, que versem sobre as matérias discutidas na presente ação direta. Impropriedade do pedido. Ausência de fumus boni iuris e de periculum in mora. Não obtenção da maioria de votos necessária para invalidar a eficácia de nenhum dos dispositivos questionados nesta ADI. Conclusão de julgamento corroborada pelo entendimento jurisprudencial consolidado em sede de repercussão geral. Manifestação pelo indeferimento do pedido de medida cautelar.” (eDoc 213, p. 1)
Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República se posicionou pelo deferimento parcial do pedido de suspensão nacional, respeitados os processos com trânsito em julgado (eDoc 218).
É o relatório. Decido.
De início, destaco o entendimento pacífico desta Corte no sentido da possibilidade de adoção de medidas cautelares próprias das ações declaratórias de constitucionalidade e da arguição de descumprimento de preceito fundamental, em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Dessa forma, embora as Leis 9.868/99 e 9.882/99 não prevejam expressamente a fungibilidade, a jurisprudência da Corte tem se utilizado de medidas liminares próprias de determinada ação direta em outras, tendo em vista a necessidade de tratamento uniforme entre as ações constitucionais.
Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente:
“DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSFERÊNCIA DE DEPÓSITOS JUDICIAIS PARA CONTA DO PODER EXECUTIVO. CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR POR DECISÃO MONOCRÁTICA A SER REFERENDADA PELO PLENÁRIO. PRECEDENTES. 1. É possível, excepcionalmente, a concessão de medida cautelar por decisão do relator em ação direta de inconstitucionalidade, destinada à suspensão de processos que tratem da mesma controvérsia e das decisões neles proferidas, à vista de urgência qualificada decorrente de situação excepcional superveniente. Precedentes. 2. Decisão judicial determinando o sequestro de quantias vultosas, com aparente descumprimento de contrato e de regras bancárias, e ameaça de prisão em flagrante de empregados da instituição financeira. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ADI 5365 MC-AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 12-11-2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-097 DIVULG 12-05-2016 PUBLIC 13-05-2016)
Esse entendimento restou reforçado pelo CPC, que expressamente prevê a suspensão nacional de todos os processos pendentes por parte do relator neste Supremo Tribunal Federal, nos casos de reconhecimento de repercussão geral (art. 1.035, §5º).
Conforme relatado, a questão atualmente controvertida neste processo concerne à proclamação do resultado do julgamento de mérito da presente ação direta de inconstitucionalidade. Isso porque, apesar de o início do julgamento ter ocorrido ainda em maio de 2020, houve pedido de vista, com a continuação do julgamento em dezembro de 2022, o qual se encontra suspenso para proclamação do resultado em sessão presencial. Apesar das mais de dez inclusões em pauta presencial por parte da Presidência da Corte, o processo não teve ainda o seu resultado proclamado, nem há previsão de quando isso ocorrerá.
É importante esclarecer que a presente ação direta originalmente impugna o art. 1º da Lei 8.540/1992, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII; 25, incisos I e II; e 30, inciso IV, todas da Lei 8.212/1991, com redação atualizada até a Lei 11.718/2008. Em sendo assim, são três dispositivos diferentes discutidos:
*. Os Segurados obrigatórios, previstos no art. 12, V e VII, com a redação dada pela Lei 11.718/2008;
*. A Contribuição do empregador rural pessoa física e a do segurado especial, prevista no art. 25, incisos I e II, com redação dada pela Lei 10.256/2001;
*. A Sub-rogação, prevista no art. 30, IV, com a redação dada pela Lei 9.528/1997.
A discussão quanto à proclamação do resultado gira em torno apenas da questão da sub-rogação, prevista no art. 30, IV, da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei 9.528/1997, a seguir transcrito:
“Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas:
(…)
IV – a empresa adquirente, consumidora ou consignatária ou a cooperativa ficam sub-rogadas nas obrigações da pessoa física de que trata a alínea “a” do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta Lei, independentemente de as operações de venda ou consignação terem sido realizadas diretamente com o produtor ou com intermediário pessoa física, exceto no caso do inciso X deste artigo, na forma estabelecida em regulamento;”
Isso porque o Ministro Dias Toffoli declarou a norma inconstitucional, com base em fundamento autônomo, filiando-se, no ponto, ao voto do Ministro Edson Fachin, o qual fora acompanhado pela Ministra Rosa Weber, e pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello. Estes, contudo, declaravam a inconstitucionalidade da sub-rogação em consequência de reconhecer que a norma que previa a tributação seria inconstitucional.
Transcrevo a decisão de julgamento publicada em 21 de dezembro de 2022:
“Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli, que, divergindo em parte do Ministro Gilmar Mendes (Relator), julgava parcialmente procedente a ação direta para conferir interpretação conforme à Constituição Federal, ao art. 30, IV, da Lei nº 8.212/91, a fim de afastar a interpretação que autorize, na ausência de nova lei dispondo sobre o assunto, sua aplicação para se estabelecer a sub-rogação da contribuição do empregador rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção (art. 25, I e II, da Lei nº 8.212/91) cobrada nos termos da Lei nº 10.256/01 ou de leis posteriores, o julgamento foi suspenso para proclamação do resultado em sessão presencial.”
A divergência, portanto, concentra-se no entendimento do Min. Marco Aurélio, que apresentou voto escrito divergindo do relator, mas se limitou a declarar a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei 8.212/1991, conforme pode ser observado de sua manifestação:
“Ausente previsão, quanto à contribuição devida pelo empregador rural pessoa natural, da base de incidência, elemento essencial ao aperfeiçoamento do tributo, assento a inconstitucionalidade do artigo 25 da Lei nº 8.212/1991, na redação conferida pela Lei nº 10.256/2001.”
Esse é, portanto, o panorama atual, cientes da possibilidade de eventual alteração de entendimento dos ministros enquanto o resultado não for formalmente proclamado.
É fato que esse cenário, conforme bem demonstrado pela requerente, tem gerado insegurança jurídica, em virtude de decisões divergentes tanto nas instâncias inferiores como no próprio Supremo Tribunal Federal. Ademais, diante da indefinição em torno do que fora efetivamente decidido por esta Corte, existe a possibilidade de conclusão tanto em favor da posição defendida pelas requerentes quanto da argumentação apresentada pela Advocacia-Geral da União.
É fácil prever que essa discussão provavelmente não se encerrará com a proclamação do resultado atualmente pendente, mas seguirá em possíveis embargos de declaração opostos pela parte que sair derrotada.
Nesse contexto, inclusive, as decisões mais recentes desta Suprema Corte são no sentido de determinar o sobrestamento dos feitos que discutem a questão da sub-rogação, diante da pendência da proclamação do resultado da presente ação direta. A esse respeito, confira-se:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. TEMA Nº 669 DO ROL DA REPERCUSSÃO GERAL (RE Nº 718.874/RS). ADI Nº 4.395/DF. SUSPENSÃO DO JULGAMENTO PARA POSTERIOR PROCLAMAÇÃO DO RESULTADO EM SESSÃO PRESENCIAL. SUSPENSÃO, AD CAUTELAM, DO PROCESSO NA ORIGEM. 1. Pretensão reclamatória que, conquanto fundada inicialmente no RE nº 718.874/RS, Tema nº 669 do ementário da Repercussão Geral, se relaciona com o objeto da ADI nº 4.395/DF. 2. No julgamento da referida ação direta de inconstitucionalidade, abriu-se divergência a respeito da sub-rogação da contribuição do empregador rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. O julgamento foi suspenso para posterior proclamação do resultado em sessão presencial. 3. Acolhimento dos embargos declaratórios para, ad cautelam, julgar parcialmente procedente a reclamação, tão somente para determinar o sobrestamento do processo de origem até que haja a publicação do acórdão da ADI nº 4.395/DF, ocasião em que deverá o Tribunal Regional Federal da 1ª Região proceder às adequações que entender pertinentes.” (Rcl 54849 AgR-ED, Relator(a): ANDRÉ MENDONÇA, Segunda Turma, julgado em 22-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 24-06-2024 PUBLIC 25-06-2024) (realce atual)
No mesmo sentido, confiram-se as decisões proferidas nos seguintes processos: Rcl 70654/DF e RE 1.453.026/PB, ambas da relatoria do Min. Cristiano Zanin, DJe 6/11/2024 e 11/4/2024; Rcl 63.662/MT e 59.689/RS, ambas da relatoria do Min. Nunes Marques, DJe 29/8/2024 e 7/6/2024 e Rcl 67261-AgR/SP, Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ acórdão Min. Dias Toffoli.
Vê-se, assim, que várias reclamações tem sido ajuizadas nesta Corte com o objetivo de sobrestar os processos que tratam desse assunto na origem e, diante do resultado positivo, a tendência é que esse número aumente. Ademais, não parece razoável permitir que ações transitem em julgado nesse cenário de incerteza.
Em sendo assim, por razões de segurança jurídica e economia processual, é prudente determinar a suspensão nacional dos processos que tratem do assunto pendente de proclamação de resultado dos presentes autos, isto é, a sub-rogação, prevista no art. 30, IV, da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei 9.528/1997.
Ante o exposto, determino a suspensão nacional dos processos judiciais que ainda não transitaram em julgado e que tratam da constitucionalidade da sub-rogação prevista no art. 30, IV, da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei 9.528/1997, até a proclamação do resultado da presente ação direta.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 6 de janeiro de 2025.
Ministro GILMAR MENDES
Relator