ADI 7728 MC / RR – RORAIMA
MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES
Julgamento: 08/10/2024
Publicação: 28/10/2024
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-s/n DIVULG 25/10/2024 PUBLIC 28/10/2024
Partes
REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RORAIMA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RORAIMA
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RORAIMA
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RORAIMA
Decisão
Decisão
Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pelo Governador do Estado de Roraima em face da lei 1.983/2024 do seu respectivo estado, responsável por “instituir isenção de IPVA para automóveis elétricos, híbridos, híbridos plug-in e a hidrogênio”. Eis o teor do diploma questionado:
Lei 1.983/2024 do Estado de Roraima
“Art. 1º. A Lei nº 59, de dezembro de 1993, passa a vigorar com a seguinte alteração:
IX – os automóveis e motocicletas movidos a motor elétrico, inclusive os denominados híbridos, híbridos plug-in (movidos a motor elétrico e a combustão que pode ser carregado a uma fonte de energia externa) e os movidos a hidrogênio, até o quinto ano após a primeira venda a consumidor final adquiridos no Estado de Roraima. (AC)”
Art. 2º. Esta Lei entra e vigor na data se sua publicação“.
Em síntese, sustenta-se que a norma isentiva consubstancia verdadeira renúncia de receita, cuja respectiva proposição deveria ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, nos termos do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
No caso, argumenta que a declaração de impacto firmada pelo parlamentar autor da proposição limitou-se a registrar que “a somatória do valor do IPVA de todos os veículos correlacionados, perfaz o montante de R$ 1.494.105.76 (um milhão quatrocentos e noventa e quatro mil, cento e cinco reais e setenta e seis centavos). Portanto o impacto financeiro anual é de: R$ 1.494.105.76. Impacto financeiro estimado dos 05 (cinco) anos de isenção: R$ 7.470.528,80”, carecendo de “estudo técnico mais aprofundado”.
Pondera, ainda, que “não foram apontadas medidas de compensação na receita para fazer jus àquela despesa pública decorrente da renúncia de receita proposta como política pública para o Estado. Nem tampouco houve previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Estado”.
Defende, nesta linha de ideias, que “a simples juntada pela Casa Legislativa respectiva de Declaração de impacto financeiro firmada pelo próprio parlamentar” não atende as exigências balizadas pelo art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e promove o esvaziamento do conteúdo normativo do art. 113 do ADCT.
Requer, assim, a suspensão cautelar da eficácia da Lei 1.983/2024 do Estado de Roraima e, em caráter definitivo, a declaração de sua patente inconstitucionalidade.
É o relatório do essencial.
DECIDO.
A concessão de medida cautelar nas ações de jurisdição constitucional concentrada exige a comprovação de perigo de lesão irreparável, uma vez que se trata de exceção ao princípio segundo o qual os atos normativos são presumidamente constitucionais (ADI 1.155-3/DF, Pleno, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 18/5/2001). Conforme ensinamento de PAULO BROSSARD, segundo axioma incontroverso, a lei se presume constitucional, porque elaborada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, isto é, por dois dos três poderes, situados no mesmo plano que o Judiciário (A constituição e as leis a ela anteriores. Arquivo Ministério da Justiça. Brasília, 45 (180), jul./dez. 1992. p. 139).
A análise dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, para sua concessão, admite maior discricionariedade por parte do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, com a realização de verdadeiro juízo de conveniência política da suspensão da eficácia (ADI 3.401 MC, Rel. Min. GILMAR MENDES, Pleno, decisão em 3/2/2005), pelo qual deverá ser verificada a conveniência da suspensão cautelar da lei impugnada (ADI 425 MC, Rel. Min. PAULO BROSSARD, Pleno, decisão em 4/4/1991; ADI 467 MC, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, Pleno, decisão em 3/4/1991), permitindo, dessa forma, uma maior subjetividade na análise da relevância do tema, bem assim em juízo de conveniência, ditado pela gravidade que envolve a discussão (ADI 490 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, decisão em 6/12/1990; ADI 508 MC, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, Pleno, decisão em 14/6/1991), bem como da plausibilidade inequívoca e dos evidentes riscos sociais ou individuais, de várias ordens, que a execução provisória da lei questionada gera imediatamente (ADI 474 MC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, decisão em 4/4/1991), ou, ainda, das prováveis repercussões pela manutenção da eficácia do ato impugnado (ADI 718 MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno, decisão em 3/8/1992), da relevância da questão constitucional (ADI 804 MC, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, decisão em 27/11/1992) e da relevância da fundamentação da arguição de inconstitucionalidade, além da ocorrência de periculum in mora, tais os entraves à atividade econômica (ADI 173 MC, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno, decisão em 9/3/1990), social ou política.
No caso sob análise, ainda que em sede de cognição sumária, fundada em juízo de mera probabilidade, entendo presentes os requisitos necessários para o deferimento do pedido cautelar.
A EC 95/2016, embora tendo por principal escopo a instituição de regime fiscal aplicável à União, instituiu, pela inclusão do art. 113 no ADCT, um requisito adicional para a validade formal de leis que criem despesa ou concedam benefícios fiscais. Esse requisito, por expressar regra de processo legislativo e concretizar medida indispensável para o equilíbrio da atividade financeira do Estado, dirige-se a todos os níveis federativos.
De fato, a obrigatoriedade de instrução da proposta legislativa de concessão de benefício fiscal com a adequada estimativa do impacto financeiro e orçamentário, já constante do art. 14 da Lei Complementar 101/2000, foi incorporada ao texto constitucional pela EC 95/2016, ao incluir o art. 113 no ADCT, estabelecendo exigência semelhante.
Transcrevo o teor dessas normas:
Constituição Federal – ADCT
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.
Lei de Responsabilidade Fiscal – LC 101/2000
“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
- 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado”.
O que o art. 113 do ADCT, por obra do constituinte derivado, na linha do art. 14 da LRF, propõe-se a fazer é justamente organizar uma estratégia, dentro do processo legislativo, para que os impactos fiscais de um projeto de concessão de benefícios tributários sejam melhor quantificados, avaliados e assimilados em termos orçamentários.
Tratando especificamente sobre renúncias fiscais, o processo legislativo sobre medidas de impacto fiscal deve ser pautado pela observância de duas condições: (a) a inclusão da renúncia da receita na estimativa da lei orçamentária; ou (b) a efetivação de medidas de compensação, por meio de elevação de alíquotas, da expansão da base de cálculo ou da criação de tributo. Incentiva-se, assim, a decisão sobre benefícios tributários na arena apropriada, que é a deliberação sobre o orçamento, quando o custo-benefício poderá ser melhor ponderado.
Tal qual sintetizado por esta CORTE, “a concessão de benefício fiscal deve ser precedida de estudos de impacto financeiro e orçamentário e de previsão de medidas compensatórias, sob pena de inconstitucionalidade formal da norma, com fundamento no art. 113 do ADCT” (ADI 7.374, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de 3/11/2023).
Sobre a necessidade de estudo de impacto financeiro e orçamentário na renúncia fiscal relativa ao imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA), há um lastro jurisprudencial em formação na mesma linha: ADI 6.074, Rel. Min. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, DJe de 8/3/2021; ADI 6.303, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, DJe de 18/3/2022.
O caso da lei roraimense impugnada apresenta uma mácula formal semelhante àquelas apreciadas nos precedentes supracitados. Ao “instituir isenção de IPVA para automóveis elétricos, híbridos, híbridos plug-in e a hidrogênio”, a justificativa da proposição original limitou-se a somar os valores dos impostos que deixaram de ser recolhidos pelos proprietários já existentes de tais veículos, projetando-os num lapso porvindouro de cinco anos, sem quaisquer considerações sobre a atualização da base de cálculo do tributo, os impactos inflacionários e o potencial incremento no consumo do objeto beneficiado. Não realizou uma estimativa da renúncia nas peças orçamentárias do ordenamento estadual, nem concebeu quaisquer mecanismos de compensação para a sustentabilidade financeira do ente.
Foram por tais motivos que o Governador vetou integralmente a lei estadual impugnada, consoante a seguinte justificativa (doc. 6):
“A proposta trata de matéria tributária e, ao repercurtir na arrecadação Estadual, guarda requisitos diferenciados, de modo a resguardar os cofres públicos sofram déficits, sobretudo ao conceder algum tipo de benefício fiscal.
À vista disso, a respeito da renúncia de receita, o art. 14, da Lei Complementar nº 101/00 de Responsabilidade Fiscal, estabelece que a concessão de isenção de tributo Estadual está condicionada ao que dispõe a seguir:
[…]
Ademais, a renúncia de receita não pode ocorrer à parte de minucioso estudo apto a fornecer prospecto da repercussão da não entrada de receita sobre os cofres públicos, sobretudo em períodos de dificuldades financeiras tal como a vivenciada pelos entes da Federação brasileira.
Aliás, o art. 1º, da Lei Complementar nº 101/00, ao conceber postura de ‘responsabilidade na gestão fiscal’, vincula às práticas de planejamento, prevenção de riscos e, em se tratando de renúncia de receita, obediência aos limites e condições impostas, haja vista o dever dos gestores de assegurar o equilíbrio das contas públicas sob suas responsabilidades: […]”.
Por todos estes motivos, a legislação do Estado de Roraima, impugnada nesta ação direta, ao expandir as hipóteses de isenção de um tributo estadual sem a prévia, necessária e efetiva mensuração do impacto orçamentário, incorreu em inconstitucionalidade formal.
Ante o exposto, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, para suspender a Lei 1.983/2024 do Estado de Roraima.
Comunique-se ao Governador e à Assembleia Legislativa Estaduais, para ciência e cumprimento imediato desta decisão, solicitando a este parlamento informações, no prazo de 10 (dez dias).
Após esse prazo, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de 5 (cinco) dias, para a devida manifestação definitiva sobre a controvérsia.
Publique-se.
Brasília, 8 de outubro de 2024.
Ministro Alexandre de Moraes
Relator
Documento assinado digitalmente
fim do documento