RE 1439539 / RS – RIO GRANDE DO SUL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO
Julgamento: 09/06/2023
Publicação: 13/06/2023
Publicação
PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-s/n DIVULG 12/06/2023 PUBLIC 13/06/2023
Partes
RECTE.(S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : DOUGLAS CONRADO STANGE
ADV.(A/S) : LEONARDO PAPP
Decisão
DECISÃO:
- Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado:
IMPOSTO DE RENDA. PESSOA FÍSICA. GANHO DE CAPITAL. DOAÇÃO. ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA. ART. 3º, §3º, DA LEI Nº 7.713, DE 1988. ART. 23, § 1º E § 2º, II, DA LEI Nº 9.532, DE 1997. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 2004.70.01.005114-0.
- O recurso busca fundamento no art. 102, III, b, da Constituição Federal. Sustenta, em essência, que “a doação em si mesma não representa acréscimo patrimonial ao doador. Todavia, os artigos impugnados não pretendem estender a incidência do Imposto de Renda sobre a doação, mas sobre o acréscimo patrimonial resultante do cotejo entre o valor do bem constante na declaração do doador e o valor atribuído ao bem na transferência ao donatário. Trata-se de acréscimo patrimonial já consumado, pois o doador já tinha efetiva disponibilidade jurídica do valor acrescido ao seu patrimônio antes da doação”.
- A pretensão recursal não merece prosperar.
- O Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido de que o fato gerador do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de acréscimo patrimonial. Confira-se a ementa do julgado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ATO NORMATIVO DECLARADO INCONSTITUCIONAL – LIMITES. Alicerçado o extraordinário na alínea b do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal, a atuação do Supremo Tribunal Federal faz-se na extensão do provimento judicial atacado. Os limites da lide não a balizam, no que verificada declaração de inconstitucionalidade que os excederam. Alcance da atividade precípua do Supremo Tribunal Federal – de guarda maior da Carta Política da República. TRIBUTO – RELAÇÃO JURÍDICA ESTADO/CONTRIBUINTE – PEDRA DE TOQUE. No embate diário Estado/contribuinte, a Carta Política da República exsurge com insuplantável valia, no que, em prol do segundo, impõe parâmetros a serem respeitados pelo primeiro. Dentre as garantias constitucionais explícitas, e a constatação não excluí o reconhecimento de outras decorrentes do próprio sistema adotado, exsurge a de que somente a lei complementar cabe “a definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes” – alínea “a” do inciso III do artigo 146 do Diploma Maior de 1988. IMPOSTO DE RENDA – RETENÇÃO NA FONTE – SÓCIO COTISTA. A norma insculpida no artigo 35 da Lei nº 7.713/88 mostra-se harmônica com a Constituição Federal quando o contrato social prevê a disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na data do encerramento do período-base. Nesse caso, o citado artigo exsurge como explicitação do fato gerador estabelecido no artigo 43 do Código Tributário Nacional, não cabendo dizer da disciplina, de tal elemento do tributo, via legislação ordinária. Interpretação da norma conforme o Texto Maior. IMPOSTO DE RENDA – RETENÇÃO NA FONTE – ACIONISTA. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88 e inconstitucional, ao revelar como fato gerador do imposto de renda na modalidade “desconto na fonte”, relativamente aos acionistas, a simples apuração, pela sociedade e na data do encerramento do período-base, do lucro líquido, já que o fenômeno não implica qualquer das espécies de disponibilidade versadas no artigo 43 do Código Tributário Nacional, isto diante da Lei nº 6.404/76. IMPOSTO DE RENDA – RETENÇÃO NA FONTE – TITULAR DE EMPRESA INDIVIDUAL. O artigo 35 da Lei nº 7.713/88 encerra explicitação do fato gerador, alusivo ao imposto de renda, fixado no artigo 43 do Código Tributário Nacional, mostrando-se harmônico, no particular, com a Constituição Federal. Apurado o lucro líquido da empresa, a destinação fica ao sabor de manifestação de vontade única, ou seja, do titular, fato a demonstrar a disponibilidade jurídica. Situação fática a conduzir a pertinência do princípio da despersonalização. RECURSO EXTRAORDINÁRIO – CONHECIMENTO – JULGAMENTO DA CAUSA. A observância da jurisprudência sedimentada no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgara a causa aplicando o direito a espécie (verbete nº 456 da Súmula), pressupõe decisão formalizada, a respeito, na instância de origem. Declarada a inconstitucionalidade linear de um certo artigo, uma vez restringida a pecha a uma das normas nele insertas ou a um enfoque determinado, impõe-se a baixa dos autos para que, na origem, seja julgada a lide com apreciação das peculiaridades. Inteligência da ordem constitucional, no que homenageante do devido processo legal, avesso, a mais não poder, as soluções que, embora práticas, resultem no desprezo a organicidade do Direito.
(RE 172.058, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno)
- No caso dos autos, o Tribunal de origem assentou a impossibilidade de incidência de imposto de renda sobre doações de bens e direitos aos filhos do contribuinte, em adiantamento de legítima, transmitidos a valor de mercado, sob o fundamento de que, entre outros elementos, não se verifica o fato gerador da exação.
- O acórdão recorrido está alinhado ao entendimento desta Corte, razão pela qual não merece reforma. Confira-se o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal proferido em caso análogo:
Ementa: Direito tributário. Agravo interno em recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a renda. Ganho de capital. Antecipação de legítima. Ausência de acréscimo patrimonial. Vedação à bitributação.
- Agravo interno contra decisão monocrática que negou seguimento a recurso extraordinário com agravo interposto em face de acórdão que afastara a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital apurado por ocasião da antecipação de legítima (Lei n° 7.713/1988, art. 3º, § 3º; e Lei nº 9.532/1997, art. 23, § 1º e § 2º, II).
- Esta Corte possui entendimento de que o imposto sobre a renda incide sobre o acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente (RE 172.058, Rel. Min. Marco Aurélio). Na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível. Acórdão alinhado à jurisprudência desta Corte.
- O constituinte repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as materialidades tributárias. Esse modelo visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Princípio da capacidade contributiva.
- Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD).
- Agravo interno a que se nega provimento.
(ARE 1.387.761-AgR, sob a minha relatoria)
- Além disso, o Constituinte optou por positivar a repartição do poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminaram as materialidades tributárias. O desenho constitucional, por conseguinte, encerra um modelo que visa a impedir que uma mesma materialidade tributária venha a concentrar mais de uma incidência de imposto(s) por um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou por entes diversos (vedação à bitributação). Nesses termos:
EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. ICMS. LEI DO ESTADO DO PIAUÍ Nº 6.041/2010. ANTERIOR À EC nº 87/2015. AQUISIÇÃO NÃO PRESENCIAL. CONSUMINDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE. COBRANÇA PELO ESTADO DE DESTINO. INCONSTITUCIONALIDADE.
[…] 5. O Constituinte optou por positivar a repartição do poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminaram as materialidades tributárias. O desenho constitucional, por conseguinte, encerra um modelo que visa a impedir que uma mesma materialidade tributária venha a concentrar mais de uma incidência de imposto(s) por um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou por entes diversos (vedação à bitributação). A Lei nº 6.041/2010, do Estado do Piauí, contudo, permitiu que tanto o Estado de destino quanto o Estado de origem pudessem tributar um mesmo evento: a circulação de mercadorias não presencial dirigida a não contribuinte do ICMS, independentemente de autorização constitucional e de manifestação adicional de capacidade contributiva.
[…]
- Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente com a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional lei estadual anterior à EC nº 87/2015 que estabeleça a cobrança de ICMS pelo Estado de destino nas operações interestaduais de circulação de mercadorias realizadas de forma não presencial e destinadas a consumidor final não contribuinte desse imposto.
(ADI 4565, de minha relatoria, Tribunal Pleno)
- Nesse sentido, admitir a incidência do imposto de renda nos moldes defendido pela Fazenda acabaria por acarretar indevida bitributação, na medida em que, além do IRPF, incidiria o ITCMD, de competência estadual.
- Diante do exposto, com base no art. 932, IV e VIII, do CPC/2015 e no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego provimento ao recurso. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios (art. 25, Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF).
Publique-se.
Brasília, 09 de junho de 2023.
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO
Relator