MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) Nº 5005244-75.2024.4.03.6105 / 4ª Vara Federal de Campinas
IMPETRANTE: PIRELLI PNEUS LTDA.
Advogados do(a) IMPETRANTE: FILIPE CARRA RICHTER – SP234393, LEONARDO GUIMARAES PEREGO – SP344797,
LORENZO MIDEA TOCCI – SP423584, RAPHAEL ROBERTO PERES CAROPRESO – SP302934
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM CAMPINAS//SP, UNIAO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL
D E C I S Ã O
Vistos.
Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar requerido por PIRELLI PNEUS LTDA., em
face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL em Campinas-SP, objetivando, em
apertada síntese e sem a oitiva da parte contrária, “…MEDIDA LIMINAR inaudita altera parte que autorize a IMPETRANTE a não se submeter à limitação para o exercício da compensação dos créditos de PIS e COFINS, da forma com que estabelecido pela Medida Provisória nº 1.227/2024 (especialmente ao incluir o inciso XI, ao artigo 74, § 3º, da Lei nº 9.430/96), impedindo qualquer tentativa de rejeição ou de não processamento das Declarações de Compensação transmitidas pela IMPETRANTE”.
E, também: “…em caráter subsidiário ao pedido liminar acima, requer a IMPETRANTE a concessão de
MEDIDA LIMINAR inaudita altera parte que autorize a IMPETRANTE a não se submeter à limitação para
o exercício da compensação dos créditos de PIS e COFINS apurados em relação a custos, despesas e
encargos vinculados à receita de exportação, da forma com que estabelecido pela Medida Provisória nº
1.227/2024 (especialmente ao incluir o inciso XI, ao artigo 74, § 3º, da Lei nº 9.430/96), impedindo
qualquer tentativa de rejeição ou de não processamento das Declarações de Compensação transmitidas
pela IMPETRANTE”.
E, ainda: “…em caráter subsidiário aos pedidos acima, requer a IMPETRANTE seja reconhecida por Vossa
Excelência a necessidade de a Medida Provisória nº 1.227/2024 submeter-se à observância da
anterioridade nonagesimal (artigo 195, § 6º, C.F./1988), de modo a que seus efeitos sejam deflagrados
apenas após o transcurso de 90 dias contados de sua publicação, com o reconhecimento do direito da
IMPETRANTE de que o saldo de créditos de PIS e COFINS por ela havido até a data da promulgação da
MP permaneça submetido ao regime anteriormente vigente (não estando, portanto, submetido às limitações quanto às compensação por ela propostas), juntamente da suspensão da exigibilidade dos valores de PIS e COFINS relativos a esse período em específico”. Sustenta que o Governo Federal editou a medida provisória nº 1.227 de 04/6/2024 com nítido caráter arrecadatório. A intenção seria de restringir as compensações de créditos do regime de incidência não cumulativa da contribuição para o PIS e COFINS. Relata que a receita com exportação apresenta parcela significativa do seu faturamento. Qualquer limitação ao mecanismo legal de compensação resultará, para as exportações praticadas pela Impetrante, o repasse desse custo fiscal no preço final do produto nacional exportado. Sustenta que é justamente isso que a MP nº 1.227/2024 faz, limita de forma ilegal e inconstitucional o seu direito de compensação, eis que agora unicamente limitado ao próprio PIS e COFINS e não mais em relação aos demais tributos arrecadados pela Receita Federal. Discorre que para uma mudança tão brusca e que resulta no aumento indireto da carga tributária, espera-se o mínimo de previsibilidade e justificativa mínima para sua alteração. Defende que é inconstitucional essa oneração da cadeia de exportação, em afronta ao princípio do destino. Afirma que suas operações serão severamente afetadas pelo novo regime de compensação de créditos de PIS e COFINS proposto pela MP 1.227/2024 e que os créditos de PIS/COFINS, apurados em relação a custos, despesas e encargos vinculados à receita de exportações, não podem sofrer qualquer limitação. Menciona o tema nº 329 do E. STF, com repercussão geral reconhecida. Menciona que a referida Medida Provisória implica em clara e manifesta violação a todo o regime constitucionalmente delimitado às exportações. Vislumbra que a Medida Provisória nº 1.227/2024 é na verdade um efetivo (e inconstitucional) empréstimo compulsório. Há caracterização de confisco no instante que a Impetrante não pode livremente dispor de um ativo. Bate, ainda, pela necessidade de observância do princípio da anterioridade (nonagesimal = 90 dias), tendo em vista que a MP ora questionada aumentou indiretamente a carga tributária, surpreendendo os exportadores. Assim, a vigência da limitação veiculada na MP 1.227/24 antes de 4/9/2024 viola expressamente o artigo 195, §6º, da Constituição Federal. Com a inicial foram juntados documentos. Valor da causa fixado em R$ 200.000,00. Foram pagas as custas processuais iniciais (Id 328028099). Vieram os autos conclusos. É o breve relatório do necessário. Passo, doravante, à análise do pedido de urgência.
De início, afasto, por ora, a possibilidade de prevenção com os feitos relacionados na certidão/campo associados, ante a diversidade dos objetos. Contudo, também, incumbem às partes indicarem eventual prevenção, litispendência ou coisa julgada, em razão do princípio da colaboração (artigo 378 do CPC). O mandado de segurança é remédio constitucional (art. 5.º, LXIX, CF/88) para proteção de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo perpetrado por autoridade pública. Para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos previstos no inciso III, do artigo 7º, da Lei 12.016/2009, a relevância dos fundamentos e a ineficácia da medida se concedida ao final.
Em exame de cognição sumária, vislumbro, ao menos em parte, a presença dos requisitos acima referidos. Ao surpreender os exportadores e, ainda que indiretamente, trazer um aumento da carga tributária nas operações de exportações, com o nítido propósito de limitar o uso de créditos tributários devidamente constituídos a fim de impedir o aumento do deficit fiscal. Entendo que assim procedendo, e considerando, no caso, o aumento indireto da carga tributária, com a indisponibilização dos ativos da Impetrante (créditos tributários reconhecidos), deve obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal (ou noventena), produzindo efeitos apenas após 90 dias de sua publicação. Prazo este, também necessário, visando obediência ao princípio da segurança jurídica. Em casos análogos, a jurisprudência tem destacado a importância do princípio da anterioridade, a propósito confira-se: DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REMESSA NECESSÁRIA. PIS. COFINS. MEDIDA PROVISÓRIA 1.118/22. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PELO STF. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. 1. Considerando a garantia constitucional da anterioridade nonagesimal, o Supremo Tribunal Federal determinou que a Medida Provisória nº 1.118, de 17 de maio de 2022, somente produza efeitos após decorridos noventa dias da data de sua publicação (ADI 7181 MC-Ref, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2022). 2. Os créditos ficam sujeitos à atualização pela taxa SELIC a partir do mês seguinte ao do pagamento indevido (art. 39, §4º, da Lei 9.250/95 c/c o art. 73 da Lei 9.532/97). 3. Remessa necessária parcialmente provida. (TRF4 5013689- 27.2022.4.04.7107, PRIMEIRA TURMA, Relator ANDREI PITTEN VELLOSO, juntado aos autos em 26/03/2024). TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS). CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS). ICMS INCIDENTE SOBRE A OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO. CREDITAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. MP Nº 1.147/2022. MP 1.159/2023. LEI 14.592/2023. CONSTITUCIONALIDADE. ANTERIORIDADE NONAGESIMAL OBSERVADA. 1. O art. 195, §12, da CRFB outorga ao legislador ordinário a liberdade para estipular os critérios e os beneficiários da não cumulatividade das contribuições ao PIS/COFINS, desde que respeitados os demais preceitos constitucionais (Tema 756 do STF). 2. É constitucional a vedação de apurar créditos das contribuições ao PIS e da COFINS sobre o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição, na forma do art. 3º, §2º, inciso III, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, incluído pela Lei nº 14.592/2023. 3. Constitucional o procedimento adotado pelo Congresso Nacional, no exercício de seu poder legislativo, ao emendar o Projeto de Lei referente à MP nº 1.147/2022 de modo a nela incluir dispositivos inicialmente inseridos na MP nº 1.159/23, ambas vigentes à época. Violação ao art. 62, §10, da CRFB não verificada. 4. Princípio da anterioridade nonagesimal observado, uma vez que o art. 14, II, da Lei 14.592/2023 convalidou os art. 1º e 2º da Medida Provisória n. 1.159/2023, que tratou da impossibilidade de creditamento do ICMS incidente em operação de aquisição, e esta, por sua vez, em seu art. 3º, previu que a produção dos seus efeitos só se daria a partir do primeiro dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação quanto às alterações promovidas pelos art. 1º e 2º, na parte em que alteram o inciso III do § 2º do art. 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. (TRF4, AC 5012413-24.2023.4.04.7107, SEGUNDA TURMA, Relator EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA, juntado aos autos em 28/04/2024)
Ante o exposto, acolhendo o pedido subsidiário da Impetrante, DEFIRO em parte o pedido de liminar, para determinar que a Medida Provisória nº 1.227/2024 submeta-se ao princípio da anterioridade nonagesimal, no que toca à possiblidade de compensação ampla dos créditos tributários da empresa exportadora, para que seus efeitos sejam produzidos apenas após o prazo de 90 dias contados de sua publicação. Notifique-se a autoridade Impetrada, para que preste as informações no prazo legal, bem como se dê ciência ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, nos termos do artigo 7º, inciso II da Lei 12.016/09.
Oportunamente, dê-se vista ao d. órgão do Ministério Público Federal, vindo os autos, em seguida, conclusos para sentença. Intimem-se e oficie-se.
Campinas, 11 de junho de 2024.