PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. COBRANÇA DA TAXA DE COOPERAÇÃO E DEFESA DA ORIZICULTURA EM RELAÇÃO AO ARROZ IMPORTADO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA AOS ARTS. 121, II e 128 do CTN. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA VIOLAÇÃO. CITAÇÃO DE PASSAGEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282 E 284 DO STF. VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO. VALIDADE DE LEI LOCAL CONTESTADA EM FACE DE LEI FEDERAL. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO INTERPOSTO COM BASE NA ALÍNEA “B” DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE ATO DE GOVERNO LOCAL. SÚMULA N. 284 DO STF. OFENSA AOS ARTS. 77, 78 E 79 DO CTN. NÃO OCORRÊNCIA. EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ESPECÍFICO E DIVISÍVEL E EFETIVO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA MEDIANTE A PRESENÇA DE ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO. TEMA 217 DA REPERCUSSÃO GERAL. ANÁLISE DE LEI LOCAL. SÚMULA N. 280 DO STF. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA N. 7 DO STJ.
- Cuida-se, na origem, de mandado de segurança no qual se pretende o reconhecimento da inexigibilidade/inconstitucionalidade da Taxa de Cooperação e Defesa da Orizicultura – Taxa CDO na aquisição de arroz importado. A sentença concedeu a segurança por entender, em síntese, que não há serviço público, ou exercício regular do poder de polícia, prestado pelo Instituto Rio Grandense do Arroz – IRGA, para justificar a cobrança da Taxa CDO. O Tribunal de origem, por sua vez, deu provimento ao apelo do IRGA para reformar a sentença, legitimando a cobrança da referida Taxa.
- Este é o terceiro recurso especial manejado pelas recorrentes nos autos do presente mandado de segurança, sendo que os dois primeiros recursos especiais (REsp 1.214.312/RS e REsp 1.422.430/RS) foram providos para anular acórdãos em embargos de declaração e determinar novo julgamento daqueles aclaratórios para suprir deficiência na prestação jurisdicional entregue na origem.
- Da análise de todos os acórdãos proferidos pelo tribunal de origem, verifica-se que todas as omissões reconhecidas anteriormente já foram sanadas, expurgando do julgado recorrido qualquer ofensa aos arts. 535 do CPC/1973 e/ou 1.022 do CPC/2015. Não há que se falar, portanto, em negativa de prestação jurisdicional, visto que tal somente se configura quando, na apreciação de recurso, o órgão julgador insiste em omitir pronunciamento sobre questão que deveria ser decidida, e não foi. Cabe ao magistrado decidir a questão de acordo com o seu livre convencimento, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso (c.f. AgRg no AREsp 107.884/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 16/05/2013), não estando obrigado a rebater, um a um, os argumentos apresentados pela parte quando já encontrou fundamento suficiente para decidir a controvérsia.
Relembre-se que a motivação contrária ao interesse da parte não se traduz em maltrato aos arts. 535 do CPC/1973 ou 1.022 do CPC/2015.
- A alegação de ofensa aos arts. 121, II e 128 do CTN não merece conhecimento, tendo em vista que as recorrentes apenas citaram tais dispositivos de passagem quando afirmaram que o contribuinte da Taxa CDO seria o produtor rural do Estado do Rio Grande do Sul e que elas recolhem a taxa na qualidade de substitutas tributárias em aquisições de arroz de outros Estados da Federação ou do exterior (importação), sem contudo, explicitarem de que forma tais dispositivos teriam sido violados, o que impossibilita o conhecimento da irresignação no ponto, haja vista a incidência da Súmula n. 284 do STF, in verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”. Ademais, o acórdão recorrido não proferiu juízo de valor a respeito dos arts. 121, II e 128 do CTN, ou sobre a questão da cobrança da referida taxa na aquisição de arroz de outros Estados da Federação, nem houve alegação de omissão nas razões recursais em relação aos referidos dispositivos legais ou sobre a tese relativa à operação interestadual, de modo que igualmente inviável o conhecimento do recurso especial quanto a essas questões, haja vista a ausência de prequestionamento a atrair o óbice da Súmula n. 282 do STF, in verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
- A análise da impossibilidade de incidência da Taxa CDO na aquisição de arroz importado – instituída pelo art. 25, § 2º, da Lei Estadual n. 533/1948, com redação dada pela Lei Estadual n. 12.685/2006, mantida pelo art. 20 da Lei Estadual n. 13.697/2011 – em razão de usurpação da competência da União para legislar sobre comércio exterior em ofensa ao art. 19, V, “e”, da Lei n. 8.028/1990 e ao art. 22, VIII, da Constituição Federal, escapa da jurisdição do Superior Tribunal de Justiça em recurso especial, eis que tanto a análise de ofensa a dispositivo da Constituição Federal quanto a aferição de validade de lei local contestada em face de lei federal cabem ao Supremo Tribunal Federal no âmbito do recurso extraordinário, a teor das alíneas “a” e “d” do inciso III do art. 102 da Constituição Federal.
- Não há no recurso a indicação de nenhum ato de governo local, a não ser a própria aplicação das Leis Estaduais n. 533/1948, n. 12.685/2006 e n. 13.697/2011, relativamente à cobrança da Taxa CDO, de modo que não é possível conhecer do recurso especial em relação à alínea “b” do permissivo constitucional, haja vista a deficiente fundamentação recursal no ponto a atrair o óbice da Súmula n. 284 do STF, in verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.
- A natureza jurídica das taxas é de tributo vinculado contraprestacional, ou seja, a validade de sua cobrança vincula-se a uma atividade estatal especificamente voltada ao contribuinte (o que a difere dos impostos, cujo fato gerador independe de qualquer atividade estatal específica) e tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia (taxa de polícia) ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ou posto à disposição do contribuinte (taxa de serviço).
- Havia divergência jurisprudencial quanto à possibilidade de cobrança de taxa de polícia decorrente de atividade estatal potencial, visto que tanto a redação do art. 145, II, da Constituição Federal quanto a do art. 77 do CTN se referem apenas à taxa de serviço (não à taxa de polícia) quando admitem sua cobrança em razão de potencial utilização de serviço específico e divisível posto à disposição do contribuinte. Contudo, o Supremo Tribunal Federal tem presumido o exercício do poder de polícia quando verificada a existência de órgão ou entidade competente e estruturada para proceder à fiscalização correlata (v.g.: RE 115.213/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, unânime, DJ de 6/9/1991; AgRg/RE 222.246-6/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, unânime, DJ de 10/9/1999; RE 276.564/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, unânime, DJ de 2/2/2001), mesmo quando não haja comprovação de realização de fiscalizações individualizadas no estabelecimento de cada contribuinte. Em razão do entendimento do Supremo Tribunal Federal, a Primeira Seção desta Corte, nos autos do REsp n. 261.571-SP, na sessão de 24/4/2002, deliberou pelo cancelamento da Súmula n. 157 do STJ, segundo a qual seria “ilegítima a cobrança de taxa, pelo Município, na renovação de licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial”.
- A questão foi enfrentada no Tema 217 da repercussão geral, nos autos do RE 588322, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 16/6/2010, DJ 3/9/2010, ocasião em que o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento supracitado.
- No caso dos autos, o acórdão recorrido afirmou que a Taxa de Cooperação e Defesa da Orizicultura – CDO está lastreada tanto na prestação de serviços específicos e divisíveis pelo Instituto Rio Grandense do Arroz – IRGA – elencados no art. 4º da Lei Estadual n. 13.697/2011 – quanto no regular exercício do poder de polícia relativo à fiscalização da padronização e da classificação de arroz, mesmo tratando-se do arroz importado.
- Não há dúvida da ocorrência do fato gerador da taxa em razão do exercício regular do poder de polícia caracterizado pela existência do Instituto Rio Grandense de Arroz, entidade de natureza autárquica estadual que promove a defesa da orizicultura do Estado do Rio Grande do Sul, além de executar e fiscalizar, em caráter privativo, no território do Estado, a padronização e classificação de arroz, bem como fornecer certificado de qualidade para todo o arroz destinado ao comércio interestadual e à exportação. Portanto, o acórdão recorrido está alinhado com o entendimento desta Corte (AgInt no REsp 1.869.585/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/05/2021) e do Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 217).
- Por outro lado, não há como afastar o entendimento do Tribunal a quo quanto à utilização potencial de serviço público específico e divisível ou ao efetivo exercício regular do poder de polícia a legitimar a cobrança da Taxa CDO na hipótese, inclusive em relação ao arroz importado, seja porque tal providência demandaria o exame de legislação local a atrair o óbice da Súmula n. 280 do STF, seja porque demandaria revolvimento de matéria fático-probatória inviável em recurso especial, sobretudo em autos de mandado de segurança, em razão do óbice da Súmula n. 7 desta Corte.
- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
(REsp n. 1.769.301/RS, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 9/4/2024, DJe de 15/4/2024.)