PODER JUDICIÁRIO
3ª VARA FEDERAL CÍVEL E CRIMINAL DA SSJ DE FEIRA DE SANTANA – BA
PROCESSO: 1002270-54.2024.4.01.3304
CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120)
IMPETRANTE: RECONFLEX INDUSTRIA E COMERCIO DE COLCHOES LTDA, RECONFLEX INDUSTRIA E COMERCIO DE COLCHOES LTDA
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM FEIRA DE SANTANA, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM CARUARU
DECISÃO
Trata-se de mandado de segurança impetrado por RECONFLEX INDÚSTRIA E COMERCIO DE COLCHOES e RECONFLEX INDUST. E COM. DE COLCHOES LTDA contra ato atribuído ao DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM FEIRA DE SANTANA-BA e ao DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM CARUARU-PE , no qual se postula a concessão de medida liminar para suspender a exigibilidade dos valores relativos aos créditos presumidos de ICMS incluídos nas bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, sem a necessidade de cumprir ou demonstrar os requisitos da Lei 14.789/2023.
Na petição inicial, instruída com documentos, a parte impetrante declarou e argumentou, em suma, que: a) recebeu incentivos fiscais de ICMS dos Estados da Bahia e Pernambuco, na forma de créditos presumidos, para estimular a atividade industrial; b) a autoridade coatora, porém, incluiu esses créditos nas bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, anulando o benefício estadual e violando o pacto federativo; c) os créditos presumidos não são receitas tributáveis pela União, conforme entendimento do STJ no EREsp 1.517.492, e que a Lei 14.789/2023, que criou um regime de habilitação do crédito fiscal da subvenção para investimento, não se aplica aos casos de crédito presumido; d) a tributação federal sobre os créditos presumidos de ICMS fere os princípios constitucionais da imunidade recíproca, da autonomia dos entes federados, da segurança jurídica e da capacidade contributiva; e) além de contrária a jurisprudência do STJ, que reconheceu a natureza de subvenção para investimento dos créditos presumidos e afastou a incidência do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre ele; f) a Lei 14.789/2023 é inconstitucional, pois invade a competência dos Estados para conceder incentivos fiscais de ICMS e cria uma sistemática de controle que impõe requisitos e condições não previstos na LC 160/2017, que pacificou a questão da guerra fiscal entre os entes federados; g) está demonstra a probabilidade do direito, com base nos fundamentos jurídicos expostos e na jurisprudência favorável do STJ; h) há perigo da demora, tendo em vista o risco de lesão grave e irreparável ao seu patrimônio e à sua atividade econômica, diante da cobrança indevida.
A impetrante apresentou petição de emenda à inicial.
É o breve relatório. DECIDO.
O provimento liminar na via mandamental está sujeito aos pressupostos do art. 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009, quais sejam: a) a relevância dos fundamentos e b) a possibilidade de ineficácia da medida, caso deferida apenas ao final da tramitação do processo.
No caso, constato a presença de tais requisitos.
A questão em análise cinge-se à possibilidade de inclusão dos benefícios e incentivos fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelo Estado da Bahia e Sergipe, no cômputo da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
A Lei Complementar nº 160, de 08 de agosto de 2017, ao adicionar os parágrafos 4º e 5º ao artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, esclareceu que os incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais do ICMS são, em termos gerais, subvenções para investimento. Em virtude disso, tais incentivos não são passíveis de inclusão no cálculo do lucro real para a incidência do IRPJ e da CSLL. Vejamos:
Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:
(…)
§ 4o Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017)
Embora a Lei Complementar nº 160/2017 tenha trazido clareza quanto à exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, convém salientar que, antes mesmo da vigência desta lei, a jurisprudência e a doutrina pátrias já haviam se firmado no sentido dessa não inclusão.
Conforme o STJ, o crédito presumido de ICMS, um incentivo fiscal, não constitui lucro tributável pelo IRPJ e CSLL. Isso se deve a: 1) respeitar a autonomia do Estado concedente; 2) preservar a finalidade do incentivo; 3) aplicar o precedente que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e COFINS.
Com efeito, no julgamento dos EREsp. n. 1.517.492/PR (Primeira Seção, Rel. Ministro Og Fernandes, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe 01/02/2018) o STJ Superior Tribunal de Justiça entendeu por excluir o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, ao fundamento de violação do Pacto Federativo (art. 150, VI, “a”, da CF/88).
Destaca-se que o debate em questão encontra-se finalizado perante o Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a manifestação prévia do Supremo Tribunal Federal pela ausência de repercussão geral da matéria:
AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. INCLUSÃO DO ICMS PRESUMIDO NA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DO CSLL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. RE-RG 1.052.277/SC. TEMA 957/STF.
1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 1.052.277 RG/SC, decidiu que não há repercussão geral na controvérsia relativa à inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL tendo em vista sua natureza infraconstitucional (Tema 957).
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no RE nos EDcl no REsp 1605245/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020)
Importa destacar que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da exclusão dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ/CSLL não é extensível a todos os benefícios fiscais de ICMS, sendo restrito aos casos idênticos ao examinado.
Consoante a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça no EREsp 1517492/PR, fica estabelecido que os incentivos fiscais de crédito presumido de ICMS, outorgados pelos estados federados, não configuram fato gerador de tributação pela União, por não se qualificarem como renda ou lucro.
Por derradeiro, cumpre salientar que, no julgamento dos Recursos Especiais n. 1.945.110/RS e 1.987.158/SC, representativos do Tema 1182 dos Recursos Repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça firmou a tese de que:
1. Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30 da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado nos ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
2. Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
3. Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico.
Assim, o STJ consolidou o entendimento de que os benefícios fiscais negativos de ICMS não se equiparam aos créditos presumidos para efeitos da aplicação do precedente estabelecido no EResp 1.517.492/PR.
Por outro lado, reconheço a validade do argumento apresentado pela impetrante sobre a exclusão dos benefícios fiscais do ICMS da base de cálculo do COFINS e do PIS.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 69 – Recurso Extraordinário 574.706 (com repercussão geral reconhecida, ocorrido em 15/03/2017), estabeleceu a tese de que o ICMS não integra a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS. Isso se dá pelo entendimento de que o valor do ICMS não constitui faturamento, pois não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, sendo apenas um ingresso de caixa. A ementa do julgamento é clara nesse sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS.
2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação.
3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS.
3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998. excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações.
4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
(STF – RE 574.706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017. Destaquei)
Este argumento descarta a possibilidade de considerar os créditos presumidos, concedidos em um contexto de incentivo fiscal, como receita ou faturamento. Por essa razão, tais valores devem ser excluídos da base de cálculo da contribuição para o PIS e para a COFINS.
A respeito do tema, já se manifestou o TRF-1:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.CRÉDITO PRESUMIDO PJe – TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. EXCLUSÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E CSLL: POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO. Prescrição
1. Impetrado este mandado de segurança depois de 09.06.2005, a prescrição é quinquenal para compensar crédito tributário (RE/RG 566.621-RS, r. Ministra Ellen Gracie, Plenário do STF em 04.08.2011). Exclusão do ICMS.
2. O Supremo Tribunal Federal decidiu que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS” (RE/RG 574.706-PR, r. Ministra Cármen Lúcia, Plenário do STF em 15.03.2017). Crédito presumido de ICMS
3. A impetrante, tributada pelo lucro real, demonstrou que recebe benefícios fiscais do Estado de Tocantins, na forma de créditos presumidos de ICMS, conforme Lei Estadual 1.287/2001 e “termo de acordo de regime especial”.
4. O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação acerca da inviabilidade da inclusão do crédito presumido do ICMS na base de cálculo do IRPJ e CSLL, “porquanto entendimento contrário sufragaria a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou” (AgInt no REsp 1.671.906/RS, r. Ministra Regina Helena Costa, 1ª Turma em 12.12.2017).
5. “O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n. 574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento segundo o qual o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal “ (EREsp 1.517.492-PR, r. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, 1ª Seção do STJ em 08.11.2017).
6. A Lei Complementar 160/2017 definiu que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS, concedidos pelos Estados e Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento. Mas isso não altera o entendimento firmado no mencionado EREsp 1.517.492-PR, como se lê do seu voto condutor: “… Anote-se, outrossim, que a 1ª Seção firmou compreensão segundo a qual “o fato superveniente, no que se refere à LC n. 160/2017, ainda que examinado, não ensejaria o acolhimento da tese fazendária, pois a superveniência da lei que determina a qualificação do incentivo fiscal estadual como subvenção de investimentos não tem o condão de alterar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo” (AgInt nos EREsp 1.462.237/SC, 1ª S., Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 27.02.2019, DJe 21.03.2019). Nesse sentido, precedentes de ambas as Turmas de Direito Público: AgInt no REsp 1.726.562/RS, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 13.12.2018, DJe 19.12.2018; AgInt no REsp 1.619.595/SC, 2ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, j. 16.10.2018, DJe 24.10.2018”.
7. A compensação do indébito observará a lei vigente na época de sua efetivação (limites percentuais, os tributos compensáveis etc), após o trânsito em julgado (REsp 1.164.452-MG, representativo da controvérsia, r. Ministro Teori Albino Zavaski, 1ª Seção/STJ em 25.08.2010).
8. Apelação da impetrante parcialmente provida.
(AMS 1000523-98.2018.4.01.4300, DESEMBARGADOR FEDERAL NOVÉLY VILANOVA, TRF1 – OITAVA TURMA, PJe 05/08/2019 PAG.)
O periculum in mora também se encontra presente, considerando que é plenamente justificável e apropriado suspender imediatamente a exigibilidade do crédito tributário resultante da inclusão do benefício fiscal de ICMS na base de cálculo dos tributos mencionados.
Ante o exposto, defiro o pedido liminar para declarar que os créditos presumidos de ICMS concedidos pelos Estados da Bahia e de Sergipe à impetrante a título de subvenção (incentivo fiscal) não compõem a base de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS, desde que recolhidos pelo regime do “lucro real”, devendo a autoridade coatora se abster de lavrar auto de infração e/ou fazer lançamento de créditos e/ou promover todas e quaisquer formas de cobrança e/ou realizar a inscrição em dívida ativa em relação a este tema.
Em face do quanto disposto no art. 3º, parágrafo 8º, da Resolução PRESI 24/2021, do TRF da 1ª Região, bem assim a Resolução nº. 345, de 09 de outubro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu a META 10, para o ano de 2022, deve a impetrante, no prazo de 05 (cinco) dias, dizer se tem interesse na adoção do “Juízo 100% Digital” neste feito.
Havendo concordância expressa ou omissão, fica a Secretaria da Vara autorizada a efetuar o cadastramento respectivo.
Notificar a autoridade coatora para prestar informações, no prazo de 10 (dez) dias.
Dê-se ciência ao órgão de representação da pessoa jurídica (UNIÃO), para que, querendo, ingresse no feito.
Após, ao MPF.
Com o retorno, registrar para sentença.
Feira de Santana/BA, data e hora registradas no sistema.
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