TURMAS MENORES
Carf: novo regimento interno prevê sessões assíncronas e mudança nas turmas
As sessões de julgamento poderão ocorrer em método similar ao plenário virtual do STF
GABRIEL SHINOHARA
04/01/2024 11:10
Entra em vigor na sexta-feira (5/1) o novo regimento interno para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Entre as principais novidades da Portaria MF 1634/23, que definiu as novas regras, está a possibilidade de realização de sessões assíncronas e a diminuição do número de conselheiros por turma ordinária de oito para seis julgadores. Em contrapartida, os conselheiros nas turmas extraordinárias sobem de quatro para seis.
Além disso, o novo regimento também aumenta o teto de valor para que um processo seja julgado nas turmas extraordinárias de 60 salários mínimos para dois mil salários mínimos. Houve também aumento do prazo total de permanência do conselheiro no Carf de oito para doze anos.
Carlos Henrique de Oliveira, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados e ex-presidente do Carf, avalia que as mudanças têm o objetivo de acelerar os julgamentos de olho no estoque de processos, que chegou a R$ 1,17 trilhão neste ano. “A gente vê claramente medidas gerenciais tendentes a diminuir o estoque do Carf”, disse Oliveira, que também ressaltou o grande número de processos de baixo valor no estoque.
No entanto, o ex-presidente do Carf e conselheiros e advogados ouvidos pelo JOTA alertam para alguns impactos negativos, como aumento de carga de trabalho dos julgadores e possível prejuízo para o direito de defesa nas sessões assíncronas.
Sessões assíncronas
As novas regras preveem sessões assíncronas com duração de cinco dias, em que o relatório, os votos e as sustentações orais serão incluídos em um sistema eletrônico. A sistemática, que será pública, funcionará de forma parecida com o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF).
O novo regimento também definiu que serão julgados em sessão síncrona, na forma presencial ou híbrida, os processos que tenham pedido de tramitação prioritária pela Receita Federal ou pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ou que tenham “circunstâncias indicativas de crime”. Também serão analisados em sessão síncrona os casos que tratem de valores superiores a um patamar que ainda será definido em ato do presidente do Carf.
Em sessão assíncrona serão julgados, preferencialmente, os processos de turmas extraordinárias e os que não se enquadrarem nos critérios para sessões síncronas. Carlos Henrique de Oliveira aponta que essas regras devem fazer com que apenas as turmas extraordinárias realizem sessões assíncronas, pelo menos em um primeiro momento. “As hipóteses (para classificar os casos para sessão síncrona) são de processos que usualmente vão para turmas ordinárias porque depende do valor, do tema e da prioridade do processo”, explicou.
Turmas menores
As turmas ordinárias tiveram sua composição alterada de oito para seis conselheiros. Por sua vez, as turmas extraordinárias, que tinham quatro conselheiros, passam a ter seis. Apesar de não ter uma definição expressa da composição do colegiado da Câmara Superior, o ex-presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, ressaltou que a composição da Câmara Superior e das ordinárias é sempre a mesma. A exceção é quando o presidente e a vice-presidente do Carf participam das sessões, elevando o número para oito julgadores na nova regra.
O novo regimento não prevê o aumento do número de turmas de julgamento, mas advogados ouvidos pelo JOTA esperam que isso aconteça. Fernanda Lains, sócia do Bueno Tax Lawyers, destaca que há um conjunto de alterações que apontam para essa possibilidade, como a eliminação da diferença entre conselheiros titulares e suplentes, que passam a ser denominados apenas como conselheiros, a possibilidade das sessões assíncronas e o recente aumento no número possível de conselheiros no Carf de 180 para 204.
“A equiparação dos titulares aos suplentes, esse aumento de número (de conselheiros), mais essa possibilidade de mais turmas extraordinárias, tudo isso te leva para o mesmo ponto, da arrecadação. Com mais processos que conseguem julgar, mais você vai arrecadar, teoricamente”, disse a advogada, que também ressaltou um possível empobrecimento do debate nas turmas pela redução no número de conselheiros.
Além dessas alterações, o novo regimento também aumentou o tempo total de permanência dos conselheiros no órgão de seis para oito anos, e, caso o conselheiro exerça cargo de presidente ou vice-presidente de Câmara ou de Turma, de oito para doze anos.
Turmas extraordinárias
Em conjunto com o aumento no número de conselheiros por turma nas extraordinárias, que tratam de casos de valores menores, e as sessões assíncronas, o novo regimento elevou o teto de valor para julgamento nas extraordinárias de 60 salários mínimos para 2 mil salários mínimos, em torno de R$ 2,6 milhões.
O advogado Matheus França, do escritório Gaia Silva Gaede, alerta para um possível impacto negativo para a ampla defesa nesses casos. França aponta que, por exemplo, não será possível fazer um esclarecimento de fato durante a sessão, já que a sustentação oral será entregue já gravada.
Ainda que o regimento trate da possibilidade da retirada de pauta da sessão assíncrona para uma sessão síncrona, Lains, do Bueno Tax Lawyers, pontua que as hipóteses para que isso aconteça são muito subjetivas, e acaba ficando a critério do relator.
O novo regimento ainda define que as sustentações orais terão no máximo 15 minutos, exceto nos embargos de declaração, em que o tempo será de dez minutos. Em ambos os casos, o presidente da turma poderá prorrogar o tempo caso acredite ser necessário.
Aplicação de entendimentos do STF e STJ
O novo regimento interno também traz alguns esclarecimentos sobre a aplicação de decisões em repercussão geral do STF e em rito repetitivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). As turmas recorrentemente debatiam se deveriam aplicar o entendimento do STF em uma matéria em que a Suprema Corte julgasse um tema no mérito, mas ainda não houvesse trânsito em julgado. O novo regimento prevê o sobrestamento do processo nessas ocasiões.
Por outro lado, o regimento prevê que a simples afetação de um tema para julgamento em repercussão geral, no STF, ou de recurso repetitivo, no STJ, não permite o sobrestamento do processo no Carf.
Ainda, o regimento estabelece que as decisões do STJ não precisarão ser reproduzidas caso haja um recurso no STF com repercussão geral reconhecida sobre o tema que já foi decidido no STJ.
Carga de trabalho de conselheiros e transição
Outro ponto destacado por conselheiros e advogados ouvidos pelo JOTA é a possível elevação na carga de trabalho dos conselheiros. Por exemplo, o relator deverá formalizar o acórdão do julgamento no prazo de 15 dias. No regimento anterior, o prazo era de 30 dias.
Em outro ponto, há um temor de que as sessões assíncronas e as síncronas possam acontecer ao mesmo tempo, sobrecarregando os conselheiros.
Para ressalvar um período de transição, a Portaria MF 1634/23 prevê que os recursos que já foram sorteados aos conselheiros não serão devolvidos ou redistribuídos, mas julgados pelas respectivas turmas, independente de valor ou matéria. A portaria entra em vigor no dia 5 de janeiro.
Questionado sobre as razões para a mudança, o Ministério da Fazenda não retornou até o fechamento desta matéria.
GABRIEL SHINOHARA – Repórter na cobertura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em Brasília. Cobriu Banco Central no Jornal O Globo e passou pelas redações da Bloomberg e do Correio Braziliense. Formado pela Universidade de Brasília (UnB). Email: gabriel.shinohara@jota.info