Obrigatórias a partir de 2024, as novas regras para cálculo do preço de transferência devem aumentar o contencioso em torno do tema, segundo tributaristas. Para os especialistas, apesar de necessária para evitar casos de bitributação e alinhar o Brasil ao sistema da OCDE, a nova sistemática é mais complexa e tem um grau maior de subjetividade, o que deve aumentar disputas judiciais e administrativas sobre o tema.
O cenário, entretanto, não deverá ser imediato, e, segundo tributaristas, não se concretizará se a Receita investir em mecanismos de negociação prévia com os contribuintes. Empresas esperam que haja, por exemplo, a possibilidade de alinhamento dos termos da tributação antes mesmo da realização da operação.
O preço de transferência é relevante principalmente para multinacionais, que estão sujeitas às regras como forma de controle, por parte do Poder Público, contra manipulações na base de cálculo dos tributos incidentes em operações entre empresas ligadas. O mecanismo evita, por exemplo, o envio de lucros de forma disfarçada a países com tributação favorecida e a erosão das bases tributáveis.
O tema é regido pela Lei 14.596/23, regulamentada pela Instrução Normativa 2.161/23 . As normas seguem o princípio arm’s length, que prevê, para o cálculo do IRPJ e da CSLL devidos em caso de operações ligadas, que as empresas observem os valores que seriam utilizados em operações semelhantes envolvendo companhias independentes.
Subjetividade
Com as regras atuais, o preço de transferência é um tema que gera relativamente pouco contencioso, tanto judicial quanto administrativo. O motivo é o fato de a sistemática ter como bases margens fixas, o que faz com que as autuações envolvam, por exemplo, as rubricas que devem compor o preço de transferência ou o método a ser aplicado.
Já as regras abordadas na Lei 14.596/23 trazem um grau de subjetividade maior pelo uso do sistema arm’s length. A metodologia prevê que empresas ligadas, como controladas e controladoras, ao realizar operações, observem as condições que seriam utilizadas caso a compra e venda envolvesse empresas independentes.
A metodologia abre espaço, por exemplo, para que a Receita autue uma empresa por não concordar com o preço praticado por ela, por acreditar que a operação não seria realizada nesses termos se envolvesse partes independentes.
O cenário fica mais complexo se pensarmos em empresas cujos bens ou serviços são únicos ou contém alguma especificidade. É o caso de uma tecnologia nova. Nestes casos é ainda mais provável que haja uma divergência entre contribuinte e fisco em relação aos parâmetros da operação, acarretando em autuações.
APA
O cenário de judicialização, porém, pode não se concretizar caso a Receita disponibilize mecanismos que evitem a litigiosidade e tragam maior segurança jurídica quando o assunto é preço de transferência. Um deles seria o Acordo de Precificação Antecipada (APA), que, apesar de previsto na legislação, ainda não está regulamentado. O mecanismo é disciplinado na Seção II da Lei 14.596/23, que trata “do processo de consulta específico em matéria de preços de transferência”.
O APA é visto pela própria Receita como necessário. Durante o I Congresso de Direito Tributário e Aduaneiro da Receita Federal, realizado entre os dias 21 e 22 de novembro, a subsecretaria de tributação e contencioso da Receita, Cláudia Pimentel, definiu o acordo como um mecanismo que “estabelece, de forma antecipada, antes da ocorrência das transações, os critérios para fins de precificação de operações controladas”. As operações controladas são as sujeitas às regras de preço de transferência.
Por meio do APA, o contribuinte pode consultar a administração tributária antes da ocorrência das operações, para alinhar as condições e forma de cálculo dos tributos. Esse acordo, que implica na cobrança de uma taxa às empresas e pode ser negado pela Receita, tem prazo de quatro anos, podendo ser prorrogado por mais dois.
O APA é semelhante ao sistema de consulta existente hoje na Receita Federal, porém envolvendo operações concretas, e não situações em abstrato. “O contribuinte, quando requer esse APA, no processo em que a administração tributária está analisando, não deve ser autuado. Alguns efeitos que nós temos na consulta tributária devem ser aplicados também no caso de um pedido de precificação antecipada”, disse a subsecretária.
Ainda segundo Pimentel, após a realização do APA a fiscalização pode autuar o contribuinte, porém ela estará restrita aos termos acordados. Ou seja, caberá à Receita fiscalizar a aplicação dos termos alinhados com a empresa.
Por fim, durante o evento, Pimentel salientou que a Receita está em fase de “estruturação e capacitação” do mecanismo. “Você precisa de equipe com treinamento adequado para poder enfrentar e tratar desse novo procedimento”, afirmou.
Representantes de contribuintes veem o mecanismo como fundamental para a segurança jurídica envolvendo as novas regras de preço de transferência. O sucesso do APA, porém, vai depender da agilidade e da disposição da Receita em fazer os acordos. Além disso, é importante que as empresas confiem que não serão autuadas após realizar as operações segundo os termos acordados.