APELAÇÃO CRIMINAL. art. 1º, II e IV, da Lei 8.137/1990 c/c o art. 71 do CP. PRETENSÃO ACUSATÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. Sentença adequadamente fundamentada. RECURSO IMPROVIDO. A sentença vergastada julgou improcedente a pretensão acusatória e absolveu sumariamente Fábio Leitão Sales, relativamente ao delito tipificado no art. 1.º, II e III, da Lei n.º 8.137/1990 c/c o art. 71 do CP, com amparo no princípio da insignificância. A Lei Estadual 16.381/2017 autoriza a Procuradoria-Geral do Estado a não propor execuções fiscais para dívidas abaixo de 60 salários mínimos (créditos tributários ou não) e abaixo de 10 salários mínimos (créditos em dívida ativa). Além disso, permite ao Procurador-Geral reduzir esses valores e estabelecer faixas diferenciadas de acordo com a natureza da dívida. A Juíza a quo, seguindo a legislação estadual vigente (Lei Estadual nº 16.381/2017), adotou o valor de 60 salários mínimos (R$ 79.200,00) como parâmetro para aplicação do “princípio da insignificância” em casos de dívidas fiscais. Ela enfatizou que o valor relevante é o principal, sem inclusão de juros e multas, conforme jurisprudência do STJ, que destaca que o critério a ser considerado é o valor na consumação do crime, não aquele com acréscimos após a inscrição na dívida ativa. O montante da dívida em análise, sem considerar juros e multas, totaliza R$ 22.281,53, valor que não excede os atuais 60 salários mínimos, ou seja, R$ 79.200,00, conforme estabelecido pela Lei Estadual 16.381/2017 do Ceará. Tanto o STJ quanto a 3ª Câmara Criminal deste tribunal já deliberaram em casos similares que a análise da insignificância deve considerar o valor original do débito no momento do lançamento, sem acréscimo de juros e correção monetária. Dessa forma, a aplicação do princípio da insignificância é justificada, uma vez que o valor da dívida está dentro dos limites legais estabelecidos pelo estado do Ceará. A tese apresentada pelo Recorrente, de que o dispositivo da Lei Estadual 16.381/2017 refere-se ao “débito consolidado,” abrangendo todos os débitos em Dívida Ativa, não encontra respaldo. A Magistrada de 1º Grau interpretou o dispositivo de forma favorável ao Réu, considerando apenas o débito em questão, sem juros e multas, e aplicou a faixa de maior valor (60 salários mínimos) como parâmetro para a aplicação do “princípio da insignificância,” conforme a legislação estadual em vigor. Dessa forma, a decisão em primeira instância foi adequada ao adotar o critério mais benéfico ao Réu, estabelecendo o limite de 60 salários mínimos, equivalente a R$ 79.200,00, para a aplicação do princípio da insignificância. Além disso, não merece guarida a tese, sustentada pelo Apelante, no sentido de que ¿a empresa Apelada possui diversos debitos tributários inscritos em Divida Ativa [¿] a reiteração delitiva impede a aplicação do princípio da insignificância¿ (fls. 453/454), eis que, consoante bem asseverou a Juíza a quo, ¿o baixo valor das incúrias (situação de fato nada comum à seara dos crimes tributários, a miúde reiterados ao longo de exercícios comerciais inteiros e que somam montas em centenas de milhares de reais), bem como as favoráveis condições pessoais do acusado Fábio Leitão Sales (tecnicamente primário e de boa antecedência), autorizam admitir até mesmo sobre possíveis erros de procedimento nos controles da gestão fiscal da firma auditada, situação fulminante do `dolo¿ integrante do tipo com previsão no art. 1º da Lei Federal nº 8.137/90¿ (fls., 434), tendo já decidido o STJ que ¿o delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1.º, II, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração, que a conduta do agente seja dolosa, consistente na utilização de procedimentos (fraude) que violem de forma direta a lei ou o regulamento fiscal, com objetivo de favorecer a si ou terceiros, por meio da sonegação. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais. [¿] Na hipótese, o quadro fático descrito na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou imprudente. A constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se aproxima da culpa em sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão. [¿] Recurso especial provido para absolver a acusada¿ (STJ, REsp 1854893/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma, julgamento em 08.09.2020, DJe 14.09.2020). Dessa forma, não carece de nenhum reparo a sentença objurgada, havendo a Magistrada de 1.º Grau, acertadamente, julgado improcedente a pretensão acusatória e absolvido sumariamente Fábio Leitão Sales, ora Recorrido, relativamente ao crime previsto no art. 1,º, II e III, da Lei 8.137/1990 c/c o art. 71 do CP, com fulcro no princípio da insignificância, asseverando a Juíza a quo que, ¿Diferentemente do tratamento dado aos tributos federais pela Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, que não delimitou o montante mínimo de alçada para fins de ajuizamento de execução fiscal ¿ remetendo, vale dizer, tal encargo a um ato infralegal, o que se fez por intermédio da Portaria nº 75, de 22 de março de 2012, do Ministério da Fazenda (com redação dada pela Portaria nº 130, de 19 de abril de 2012); o dispositivo em comento, aprovado pelo Poder Legislativo Estadual, estabeleceu 2 (duas) faixas distintas de valores ¿ ambas atreladas ao salário mínimo (atualmente, no montante de R$ 1.320,00, ex vi da Medida Provisória 1.172, de 1º de maio de 2023) ¿ em que a cobrança judicial pode deixar de ser aforada a critério da PGE/CE, além de trazer a possibilidade de criação de outra(s) faixa(s) a partir da edição de ato infralegal a cargo do Procurador-Geral do Estado. Inobstante não se ignore a edição da Instrução Normativa nº 01, de 01 de abril de 2019, pelo Procurador-Geral do Estado ¿ no qual, em seu art. 1º, alíneas ¿a¿ e ¿b¿, estipula, para fins de execução fiscal, respectivamente, o valor de (i) R$ 10.000,00 (dez mil reais) para débitos tributários de IPVA e ITCD e não tributários inscritos em dívida ativa e de (ii) R$ 30.000,00 (trinta mil reais) de débitos tributários inscritos de ICMS ¿, tem-se por evidenciado que o legislador optou, ele próprio, por identificar as importâncias cuja execução fiscal é dispensável, isto é, prescindível e desnecessária. Como reflexo disso, mostra-se por adequada a adoção, para fins penais, da faixa de maior valor (60 salários mínimos), porquanto mais abrangente e, por conseguinte, mais benéfica ao réu. [¿] Demais disso, impende consignar que os comandos legais que disciplinam o montante mínimo de alçada para fins de ajuizamento da execução fiscal se traduzem em verdadeiros complementos da norma penal incriminadora. Por tal razão, diante do tratamento mais vantajoso conferido, acabam por assumir contornos de leis penais benéficas (lex mitior ou novatio legis in mellius) e, como consequência, dotadas de retroatividade por força do texto constitucional (CF, art. 5º, XL). [¿] Expostas essas premissas, firmo minha convicção no sentido de que, ao presente caso, deve-se adotar como parâmetro para fins de aplicação do `princípio da insignificância¿ segundo o patamar mais benéfico ao réu previsto na legislação estadual vigente (ex vi Lei Estadual nº 16.381, de 25 de outubro de 2017), a saber: 60 (sessenta) salários mínimos, que, atualmente, corresponde a R$ 79.200,00 (setenta e nove mil e duzentos reais). Vale anotar, ainda, que, para aferir a insignificância da conduta, deve-se considerar o valor do tributo fixado por ocasião da consumação do delito, dispensando-se a inclusão de juros e multa, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ REsp n. 1.306.425/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 01/07/2014). [¿] Nesse contexto, o exame destes autos revela que o acusado, no âmbito da empresa ¿FÁBIO LEITÃO SALES ME¿ (CGF nº 06.278.794-2), alvo da ação fiscal que resultou no Auto de Infração que serve a este processo, suprimiu a importância de R$ 22.281,53 (vinte e dois mil, duzentos e oitenta e um reais, cinquenta e três centavos) a título de ICMS, cuja inscrição na Dívida Ativa do Estado do Ceará se deu sob o nº 2017.15422-9. Portanto, constata-se que o valor supostamente sonegado no presente feito perfaz quantia inferior ao limite estabelecido pela legislação estadual em vigor para fins de propositura de execução fiscal, de modo a atrair a incidência do `princípio da insignificância¿. Em última hipótese, o baixo valor das incúrias (situação de fato nada comum à seara dos crimes tributários, a miúde reiterados ao longo de exercícios comerciais inteiros e que somam montas em centenas de milhares de reais), bem como as favoráveis condições pessoais do acusado Fábio Leitão Sales (tecnicamente primário e de boa antecedência), autorizam admitir até mesmo sobre possíveis erros de procedimento nos controles da gestão fiscal da firma auditada, situação fulminante do ¿dolo¿ integrante do tipo com previsão no art. 1º da Lei Federal nº 8.137/90.¿ (fls., 430/432 e 434/435). Apelação Criminal conhecida, mas improvida. Fortaleza, 3 de outubro de 2023. DESEMBARGADOR HENRIQUE JORGE HOLANDA SILVEIRA Relator
(Apelação Criminal – 0189201-73.2017.8.06.0001, Rel. Desembargador(a) HENRIQUE JORGE HOLANDA SILVEIRA, 3ª Câmara Criminal, data do julgamento: 03/10/2023, data da publicação: 03/10/2023)