E M E N T A. DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PORTARIA PGFN 948/2017. PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE (PARR). DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE. FUNÇÃO ADMINISTRATIVA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE JURISDIÇÃO. PREVISÃO LEGAL. ARTIG0 20-D DA LEI 10.522/2002. ARTIGO 2º, § 5º, II, DA LEF. CONSTITUCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE DE IDPJ. VÍCIOS INEXISTENTES. REJEIÇÃO.
1. São manifestamente improcedentes os embargos de declaração, inexistindo quaisquer dos vícios apontados, restando nítido que se cuida de recurso interposto com o objetivo de rediscutir a causa e manifestar inconformismo diante do acórdão embargado. As alegações não envolvem omissão, contradição, obscuridade ou erro material sanáveis em embargos de declaração, mas efetiva impugnação ao acórdão embargado, que teria incorrido em error in judicando, desvirtuando, pois, a própria natureza do recurso, que não é a de reapreciar a causa como pretendido.
2. Com efeito, demonstrando inexistência de qualquer vício, registrou o acórdão embargado que: “[…] discute-se no writ a inconstitucionalidade do PARR – Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade, objeto da Portaria PGFN 948/2017, que dispõe, “in verbis”: (…). Tal ato normativo, como visto, prevê cabimento de reconhecimento administrativo de responsabilidade de terceiros fundada em indícios ou na efetiva constatação da dissolução irregular da pessoa jurídica devedora, por meio de decisão do Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa (artigo 5º), com recurso ao Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deve ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior (artigo 6º, §3º). Na espécie, narrou a impetrante que recebeu, em 06/01/2020, notificação de cobrança 000012259069 (ID 161449232, f. 2), em nome próprio, de diversas dívidas ativas (80211036113-78, 80211065948-90, 80213037137-51, 80215038732-30, 80410046972- 10, 80611062478-54, 80611120863-79, 80613077906-79 e 80615124831-11), em razão da omissão de declarações da pessoa jurídica Belarmino – Comércio de Frutas Ltda. (CNPJ 44.127.207/0001-05), da qual é sócio, por supostos indícios de dissolução irregular. Asseverou que a impugnação administrativa foi rejeitada, assim como o recurso manejado (ID 16144923, f. 9), e que, dentre as CDA’s, apenas as de número 80215038732-30 e 80615124831- 11 ainda não haviam sido ajuizadas (ID 161449234, f. 2). Aduziu ser indevido redirecionamento das dívidas aos sócios, pois os artigos 134 e 135, CTN, preceituam ser possível a responsabilização do sócio-administrador ou gerente apenas se provado, de forma inequívoca e consistente, excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, não caracterizando mero inadimplemento dissolução irregular da pessoa jurídica. Alegou, ainda, que o procedimento criado pelo Fisco desrespeita as garantias de ampla defesa, contraditório e duplo grau de jurisdição. Como visto, o tema central do litígio é a possibilidade de responsabilização de sócio em processo administrativo perante a PGFN, com fundamento em indícios de dissolução irregular, de modo a afetar tanto dívidas em contencioso administrativo quanto sob cobrança judicial. O caso é sensível e de destacada relevância, pois aborda a validade de novo paradigma de atuação adotado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, conforme relatado no apelo (grifos nossos): “(…) a possibilidade de o Procurador da Fazenda Nacional apurar e declarar administrativamente o vínculo de responsabilidade tributária do representante legal de empresa detentora de crédito tributário inscrito, sob a luz do contraditório e da ampla defesa, é medida salutar e adequada aos novos rumos do ordenamento jurídico, mormente diante da crescente necessidade de adoção de mecanismos que promovam maior economia processual e redução da litigiosidade perante o Poder Judiciário. Ademais, a inclusão do corresponsável em âmbito administrativo permite a racionalização que transcende os pedidos formulados em dezenas de casos, minimizando os riscos de coexistência de decisões conflitantes. Trata-se, portanto, de medida que favorece, ainda, a segurança jurídica (…). A medida, além de compatível com o Novo Regime da Cobrança da Dívida Ativa da União, também vem ao encontro da histórica busca da redução de litigiosidade pela PGFN e da releitura do interesse processual promovida pelo Parecer PGFN/CRJ de nº 789/2016, que subsidiou a Portaria PGFN de nº 502/2106, o que ainda é mais sensível em se tratando de execuções fiscais, as quais, além do grande acúmulo de volume processual, são responsáveis por taxa de congestionamento judicial na ordem de 92% (noventa e dois por cento), segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgados em 2016 e referentes a 2015. De fato, segundo o Relatório Justiça em Números de 20161 , consideram-se os processos de execução fiscal como os grandes responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, na medida em que representam aproximadamente 39% (trinta e nove por cento) do total de casos pendentes e apresentaram congestionamento de 91,9% (noventa e um, vírgula nove por cento), que foi o maior dentre os tipos de processos analisados na ocasião (…). Nesse contexto, a PGFN reformulou a sua atuação nas execuções fiscais, instituindo através da Portaria PGFN nº 396, de 20 de abril de 2016 o Regime Diferenciado de Cobrança de Créditos que tem como objetivo racionalizar a cobrança judicial dos créditos inscritos em dívida ativa, a partir da suspensão das execuções fiscais sem informações de bens nos autos, aliada à centralização do diligenciamento patrimonial dos devedores e à utilização de meios extrajudiciais de cobrança para recuperação dos créditos com execução fiscal suspensa. Assim, o arquivamento da execução fiscal, nos moldes acima expostos, só é justificado se aliado às praticas de diligências na via administrativa. São faces da mesma moeda que permitem, por um lado, reduzir massivamente o fluxo de execuções fiscais infrutíferas e, por outro, impedir a ocorrência da prescrição intercorrente da dívida inscrita. Pretendeu-se, assim, buscando-se a efetiva satisfação do crédito fazendário, reduzir a litigiosidade e evitar eternizar demandas judiciais que, possivelmente, serão frustradas, tendo em vista as investigações realizadas administrativamente.” Pretende-se, segundo o narrado, centralizar e sistematizar a análise de responsabilidade de terceiro por dívida tributária, em oposição à sistemática atual de pulverização casuística de procedimentos de redirecionamento em processos judiciais em curso. Assim, espera-se racionalizar o controle de dívidas e, no mesmo passo, desonerar o Judiciário. Frise-se que, como se extrai da transcrição integral da Portaria PGFN 948/2017, o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) aplica-se, apenas, aos casos de dissolução irregular de empresas jurídicas. Outros eventos passíveis de, em tese, ensejar responsabilização de terceiros são alheios a tal sistemática e, portanto, à espécie. Registre-se, ainda, que o procedimento tem respaldo legal expresso, nos termos do artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002: (…). Como se sabe, a dissolução irregular da empresa é causa suficiente para impor solidariedade pelas dívidas em aberto ao sócio responsável, conforme as teses firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça nos Temas Repetitivos 630 e 981”.
3. Consignou o julgado, ademais, que: “Delimitados o escopo e fundamentos normativos e gerenciais do procedimento, em abordagem inicial da questão, cabe observar que a responsabilização de terceiros em sede administrativa, previamente a qualquer demanda judicial, não é novidade na praxe fiscal e cotidiano da atividade judiciária, havendo inclusive jurisprudência sedimentada na Corte Superior sobre questões que pressupõem o cabimento de tal prática. Nesta linha, firmou-se entendimento de que, constando da inscrição em dívida ativa o nome do corresponsável tributário, a este cabe, na via judicial, discutir a ilegalidade de tal inclusão, por vício formal no procedimento de inclusão, como cerceamento de defesa, ou por não resultar de situação jurídica contemplada pela legislação como apta a gerar tal responsabilidade tributária (…). De fato, o exame da legislação e jurisprudência não evidencia impedimento à apuração, na instância fiscal, de responsabilidade tributária de terceiro, desde que observadas garantias formais e instrumentais do processo administrativo e, em particular, requisitos legais próprios para imputação de tal espécie de responsabilidade, em especial face às prescrições do Código Tributário Nacional. Não existe, pois, neste âmbito, reserva judicial para discussão da matéria, sem prejuízo do controle judicial do ato praticado pela Administração, sob perspectiva formal ou material, de sorte que pode ser ajuizada demanda para imputar nulidade por cerceamento de defesa ou por ilegalidade da decisão fiscal, ao reconhecer responsabilidade tributária de terceira fora do que previsto no Código Tributário Nacional e legislação específica. A jurisprudência firmada quanto ao mérito próprio do reconhecimento da responsabilidade tributária de terceiro, sem prejuízo de constatações e circunstâncias inerentes à fase administrativa da apuração, permite discussão judicial do ato decisório em si, mas não impede nem cria reserva judicial para tornar inconstitucional ou ilegal o procedimento, quando ainda não ajuizada a dívida. É possível questionar judicialmente a decisão fiscal de redirecionamento administrativo, caso viole os parâmetros, por exemplo, do artigo 135, CTN, ou súmula de jurisprudência da Corte Superior, porém disto não resulta que a previsão, em portaria, de procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade, a ser promovido junto à Procuradoria da Fazenda Nacional, seja, em si, inconstitucional ou ilegal. Portanto, em se tratando de dívidas não ajuizadas, ainda em fase administrativa, a discussão de responsabilidade tributária de terceiro é perfeitamente possível, sem maiores controvérsias, inclusive porque a própria legislação contempla, expressamente, tal previsão (para além do mencionado artigo 20-D, III, da Lei 10.522/2002) ao dispor que o termo de inscrição deve conter o nome do devedor e “dos co-responsáveis”, assim remetendo à apuração administrativa de tal responsabilidade (artigo 2º, § 5º, II, da LEF)”.
4. Aduziu o aresto, ainda, que: “É de maior complexidade o exame da previsão de que a responsabilização derivada do PARR afete processos judiciais em andamento, permitindo modificação do polo passivo de, v.g., execuções fiscais, a partir de procedimento de responsabilização conduzido paralelamente na via estritamente administrativa. Como se sabe, atualmente, de regra, o redirecionamento de cobranças fiscais, em se tratando de contribuinte pessoa jurídica, é usualmente baseado em certidão de oficial de justiça indicando a não localização da devedora no domicílio tributário (por aplicação das Súmulas 435 e Tema Repetitivo 630 do Superior Tribunal de Justiça) ou, alternativamente, por petição fundamentada da exequente informando dados colhidos em sistemas internos (movimentação financeira, pagamento de tributos, declarações de imposto de renda) que evidenciam a existência de dissolução irregular e, comumente, confusão patrimonial. Como suscitado na apelação: “Atualmente a Administração Tributária conta com um expressivo cabedal de sistemas de Tecnologia da Informação, que cruzam dados originados de diferentes bases, capazes de demonstrar a inatividade de uma empresa, independentemente de diligências presenciais, como aquelas realizadas por oficiais de justiça. Para tanto, são extraídos e cruzados dados como: existência de faturamento, movimentação financeira, pagamento de tributos correntes, quantidade de empregados, distribuição de lucros e dividendos, apresentação de declarações econômico-fiscais, emissão de notas fiscais eletrônicas de entrada e saída, repasses recebidos do Governo Federal, pagamento e recebimento de alugueis, recebimento de rendimentos sujeitos à incidência de imposto de renda na fonte, aquisição ou alienação de bens do ativo imobilizado, aquisição ou alienação de bens imóveis, dentre outros. Ora, restringir a aferição e a comprovação da dissolução irregular às hipóteses em que há certidão de Oficial de Justiça atestando a não localização da empresa do domicílio fiscal equivaleria a desconsiderar diversas outras circunstâncias válidas, relevantes e fidedignas (como a fé pública de outros agentes), capazes de demonstrar adequadamente a extinção irregular da empresa, além de sobrecarregar o Poder Judiciário com a atribuição – que seria então nesse caso exclusiva desse poder – de constatar e certificar a baixa irregular, não obstante os atos emanados das Autoridades Fiscais também possuam presunção de legitimidade.” O primeiro ponto a fixar, portanto, é o de que, diversamente do que constou da sentença, a tentativa de citação judicial frustrada, por não localização da devedora, não é o único caminho hábil a permitir o redirecionamento da cobrança. (…) De maior centralidade, cumpre notar que, em tais casos, não se exige da credora a retificação da CDA. O responsabilizado é incluído diretamente no polo passivo da cobrança, sem qualquer substituição ou emenda do título executivo. Assim, trata-se de questão que passa ao largo da vedação constante da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça (“A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modifi cação do sujeito passivo da execução.”) (…). A interpretação que se extrai do entendimento em análise, sempre com vistas a manter coesão e coerência jurisprudencial sobre a matéria (artigo 926 do CPC) é a de que o Superior Tribunal de Justiça admite que, nos casos de responsabilidade tributária indireta por transferência, a imutabilidade do título executivo não seja oponível à satisfação da pretensão fiscal. É razoável que assim seja, inclusive. Do contrário se estaria a chancelar que o descumprimento de obrigações normativas várias (regular extinção da pessoa jurídica, comunicação de atos de sucessão empresarial, observância da autonomia patrimonial e existencial de pessoas jurídicas, dentre tantos exemplos) fosse manejado para desonerar os responsáveis das consequências tributárias legalmente previstas para tais situações, favorecendo a prescrição de dívidas não por inércia da credora, mas por limitação das vias de persecução do direito ventilado. Desta maneira, estar-se-ia reduzindo expressivamente as possibilidades de atuação da Administração para fazer cumprir “dever de bem tributar e fiscalizar” (ADI 2.859, Rel. Min DIAS TOFFOLI, Dje 16/10/2016) lastreado, em princípio, em presunção de higidez e legitimidade. Por outro lado, saliente-se que, em tais casos, não se trata, como alegou a Fazenda Nacional, de situações em que não há interferência no lançamento fiscal”.
5. Ainda, restou devidamente assentado no acórdão que: “Com efeito, é certo que a responsabilização por transferência decorre de norma apartada da regra-matriz de incidência tributária. Primeiro, há o estabelecimento da relação jurídica obrigacional tributária, pela prática do fato gerador, e por evento posterior e distinto, controlado por hipótese normativa diversa, há responsabilização de sujeitos outros pela prestação pecuniária originalmente devida. Contudo, o que isto significa é, propriamente, a modificação do sujeito passivo da relação obrigacional tributária, a partir de solidarização da dívida. Trata-se de conteúdo expressamente abrangido pela atividade de lançamento: CTN “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” De igual forma, “o responsável” é, na terminologia do Código Tributário Nacional, “sujeito passivo”: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; “II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” Tanto assim que por anos foi discutido se a responsabilidade de terceiros prevista no artigo 135 do CTN era solidária ou substitutiva, de modo a desonerar o devedor originário, sendo indisfarçável a repercussão sobre a definição do sujeito passivo da obrigação (prevaleceu o entendimento de se tratar de responsabilização solidária, conforme se colhe em precedentes da Corte Superior e deste Tribunal: AgInt no AREsp 942.940, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 12/09/2017; e ApelRemNec 0002635-37.2011.4.03.6114, Rel. Juíza Conv. DENISE AVELAR, e-DJF3 16/02/2018). Em verdade, o que pode ser concebido, sob o aspecto dogmático, como a razão subjacente da jurisprudência pátria entender pela desnecessidade de retificação do título executivo em casos de responsabilização por transferência, além do imperativo de razoabilidade de não se premiar o descumprimento do ordenamento jurídico, é o fato de tratar-se de responsabilização ex lege superveniente ao lançamento e ratificada judicialmente. De fato, toda a função do lançamento fiscal é formalizar o crédito tributário, “como instrumento de exercício da pretensão fiscal ao adimplemento da obrigação tributária” (ApCiv 0010448-21.2015.4.03.6100, Rel. Des. Fed. CARLOS MUTA, e-DJF3 27/06/2016). Identifica-se os parâmetros da relação obrigacional estabelecida e da prestação devida por determinado sujeito, para fim de que possa ser objeto de controle administrativo e judicial, permitindo ao devedor o exercício pleno de ampla defesa e contraditório, a partir da ciência do que lhe é exigido. Assim, estando a cobrança sobre controle judicial e exsurgindo do próprio processo a determinação de inclusão de sujeito de direito no polo passivo (e sem erro no lançamento imputável ao Fisco), a retificação do título em execução seria despicienda, pois todos os elementos de delimitação da obrigação continuam plenamente aferíveis primo oculi, para todos os envolvidos (Juízo, credor e devedores). Relembre-se que a jurisprudência que culminou com a edição da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça tem como vértice a percepção de que, afora erros materiais ou formais, outras alterações do título executivo denotariam nulidade do lançamento fiscal, que não poderia ser convalidada para prosseguimento da execução fiscal, inclusive sob pena de violação de direito a contraditório legalmente previsto (neste sentido, dentre os precedentes fundadores do entendimento em questão, REsp 87.768, Rel. Min. PEÇANHA MARTINS, DJ 27/11/2000 e, posteriormente, em sistemática repetitiva, REsp 1.045.472, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 18/12/2009). Não é este o caso quando o evento que enseja a modificação do sujeito passivo é posterior ou desconhecido pelo Fisco ao momento do lançamento – atividade vinculada e obrigatória, nos termos do CTN. Estabelecido, portanto, que a responsabilização de terceiros pode ocorrer na via administrativa, por inferências diversas da não localização do devedor no domicílio tributário, e que o redirecionamento de cobrança fiscal em curso é cabível, em que pese a imutabilidade do título executivo, cabe concluir que sob os mesmos parâmetros da solidarização prévia à judicialização da pretensão fiscal (destacadamente a possibilidade de controle judicial a posteriori), nada impede que o Fisco promova retificação de CDA (ato que exsurge pertinente dada a apuração extrajudicial de responsabilidade, a ser submetida a crivo do Judiciário), em cobrança executiva, por força de procedimento de solidarização conduzido ainda que apenas na via administrativa. Vale notar que, de mais a mais, o multimencionado artigo 20-D da Lei 10.522/2002 corrobora expressamente o cabimento do PARR para dívidas ajuizadas, ao apontar que o procedimento de responsabilização de terceiro é possível para “débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não”. Alerte-se que, em se tratando de modificação de sujeito passivo, resta plenamente aplicável ao PARR o arcabouço jurisprudencial a respeito de nulidades e prescrição (material e intercorrente) incidentes em casos que tais. Todavia, não se trata de conteúdo em relação ao qual foi aventada causa de pedir ou produzida prova nestes autos, pelo qual não é possível o respectivo exame na espécie. De outra parte, considerando a atual suspensão da tese firmada no IRDR1/TRF3 (tema: “O redirecionamento de execução de crédito tributário da pessoa jurídica para os sócios dar-se-ia nos próprios autos da execução fiscal ou em sede de incidente de desconsideração da personalidade jurídica”), por força de recursos interpostos aos Tribunais Superiores (cf. REsp 1.869.867, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 03/05/2021), prevalece a aplicabilidade do entendimento reiterado da Corte Superior de que, em casos de dissolução irregular de empresas, não há desconsideração de personalidade jurídica (com o que é prescindível o IDPJ): (…) Note-se que, em linha de princípio, a instauração de procedimento administrativo prévio à solidarização judicial da dívida, promove fortalecimento da garantia de ampla defesa e contraditório, na medida em que a responsabilização do terceiro ocorre mediante contraditório prévio, em sede administrativa, em adição à possibilidade de discussão judicial (o que é, aliás, o próprio fundamento do IDPJ e da tese firmada no IRDR julgado pelo Órgão Especial deste Tribunal). Acresça-se, ademais, que a conclusão fiscal sobre os elementos de fato e prova examinados no PARR, tanto mais por se tratar de procedimento em regime de contraditório, é ato dotado de presunção de veracidade e legitimidade, pelo que não se avista mácula na emenda do título previamente ao exame do Juízo (assim como, de resto, ocorre nos casos em que a responsabilidade é reconhecida já por ocasião do lançamento)”.
6. Observou o acórdão, outrossim, que: “Por outro lado, em se tratando de investigação que discute o fato deflagrador de responsabilidade de terceiro, e não o próprio crédito, improcede a alegação da impetrante de que o exercício de ampla defesa no PARR é indevidamente restrito. Com efeito, a dívida em si (e mesmo a responsabilização promovida em sede administrativa) podem ser amplamente discutidos em Juízo, como de praxe. A sistemática do Fisco meramente adiciona instâncias de defesa, como visto. Registre-se, a propósito, que o fato de o recurso à decisão inicial proferida no PARR ser apreciado também no âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional não importa em violação ao duplo grau de jurisdição. A uma, porque não há que se confundir “instâncias de jurisdição” com “instituições distintas”. No PARR, a impugnação é apreciada pelo “Procurador da Fazenda Nacional em exercício na unidade descentralizada responsável pela inscrição em dívida ativa” (artigo 5º), ao passo em que o recurso é examinado pelo “Procurador-Chefe da Dívida Ativa nas unidades Regionais, o Procurador-Chefe ou o Procurador-Seccional da unidade descentralizada, desde que estes não sejam os responsáveis pela iniciativa da cobrança ou pela decisão recorrida, hipóteses em que o recurso deverá ser submetido à respectiva autoridade imediatamente superior” (artigo 6º, § 3º), instância e autoridade distinta e, inclusive, dotada de hierarquia superior. Depois, cumpre observar que o duplo grau de jurisdição não é direito do sujeito passivo em sede administrativa (e mesmo judicial), sendo frequentes procedimentos de jurisdição única, validados em jurisprudência: (…). Das peças amealhadas aos autos verifica-se que o impetrante se defendeu a tempo e modo, inclusive com manejo de recurso julgado regularmente pela autoridade fiscal na instância competente. Consta dos autos, com efeito, que o Procurador da Fazenda Nacional José Maria Morales Lopez decidiu em primeira instância administrativa, mas em segunda deixou de reconsiderar a decisão, recomendando a rejeição do recurso e submetendo-o à apreciação superior, por parte do Chefe da Dívida Ativa da Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 3ª Região (ID 16144924, f. 2). Tal procedimento tem lastro no artigo 56 da Lei 9.784/1999 (“Art. 56. Das decisões administrativas cabe recurso, em face de razões de legalidade e de mérito. § 1º O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.”), ao qual se remete o artigo 9º da Portaria PGFN 948/2017, bem como o artigo 20-D, da Lei 10.522/2002. No “mérito” do redirecionamento, o comprovante de inscrição e a situação cadastral (ID 161449235, f. 1) não afastam contundentemente os indícios de dissolução irregular por omissão de declarações e emissão de certidões de regularidade fiscal desde 2014 (ID 161449262, f. 53). Não é raro que a inscrição permaneça ativa, por falta de baixa, ainda que não esteja mais em atividade a pessoa jurídica, em prática que se reconhece como dissolução irregular. Não se trata, como visto, de responsabilidade do sócio por mera inadimplência no pagamento do tributo, mas de constatação de indícios concretos e suficientes de dissolução irregular por descumprimento de obrigação acessória atinente à apresentação de declarações fiscais por relevante período de tempo, desde 2014, a indicar que não existe atividade de fato da empresa sem que tenha havido, por sua vez, dissolução e baixa regular da pessoa jurídica. Assim, inexistente qualquer controvérsia em relação à condição do agravante de sócio-administrador ao tempo da constatação dos indícios de dissolução irregular (conforme prelecionado no Tema Repetitivo 981 do Superior Tribunal de Justiça, cotejado acima), o reconhecimento da responsabilidade tributária não padece de qualquer vício”.
7. Concluiu o acórdão, assim, que: “Em suma, sem prejuízo de questões de forma e de direito a serem examinadas concretamente em casos que oportunizem tal intuito (temas como prescrição e a interrelação temporal entre a constituição da dívida, a instauração do PARR e o ajuizamento de execução fiscal, considerando o momento de ciência do Fisco sobre indícios de dissolução irregular, uma vez estabelecido que se trata de modificação de elemento da relação obrigacional tributária abrangido e formalizado pelo lançamento tributário), não se avista, a priori, qualquer vício de inconstitucionalidade ou ilegalidade no PARR, seja para responsabilização prévia ou incidental à cobrança judicial de créditos tributários. Na espécie, o procedimento e a conclusão fazendária seguiram a jurisprudência e legislação de regência, não havendo espaço para qualquer reforma nesta sede”.
8. Evidenciado, pois, que o acórdão embargado tratou expressa e motivadamente dos pontos reputados omissos ou contraditórios no recurso que, em verdade, pretende, não suprir vício pertinente à via eleita, mas rediscutir a causa, formulando pretensão que, além de ser imprópria, sugere o intento meramente protelatório da atuação processual.
9. Como se observa, não se trata de omissão ou contradição nem de qualquer outro vício sanável na via eleita, pois o que se pretende é rediscutir a matéria decidida, alegando que houve error in judicando, o que não se presta à discussão em embargos de declaração. Se tal motivação é equivocada ou insuficiente, fere as normas apontadas (artigos 135 do CTN; 927, I a IV, do CPC; 93, IX, da CF) ou contraria julgados ou jurisprudência, deve a embargante veicular recurso próprio para a impugnação do acórdão e não rediscutir a matéria em embargos de declaração.
10. Por fim, embora tratados todos os pontos invocados nos embargos declaratórios, de relevância e pertinência à demonstração de que não houve qualquer vício no julgamento, é expresso o artigo 1.025 do Código de Processo Civil em enfatizar que se consideram incluídos no acórdão os elementos suscitados pela embargante, ainda que inadmitido ou rejeitado o recurso, para efeito de prequestionamento, pelo que aperfeiçoado, com os apontados destacados, o julgamento cabível no âmbito da Turma.
11. Embargos de declaração rejeitados.
(TRF 3ª Região, 3ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5008792-65.2020.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal RENATO LOPES BECHO, julgado em 27/04/2023, Intimação via sistema DATA: 28/04/2023)