E M E N T A. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO “FAMÍLIA CAIXETA”. ABUSO DE PERSONALIDADE. CONFUSÃO PATRIMONIAL. UNIDADE DE DIREÇÃO. SIMILARIDADE DE QUADRO SOCIETÁRIO. UTILIZAÇÃO DE MESMOS ENDEREÇOS. ATUAÇÃO EM MESMO RAMO DE ATIVIDADE. MOVIMENTAÇÃO DE CONTAS DE OUTRAS EMPRESAS DO GRUPO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 30, IX, DA LEI 8.212/91. LEGITIMIDADE PASSIVA PARA A EXECUÇÃO FISCAL. SENTENÇA MANTIDA.
1. Nos termos do art. 30, IX da Lei 8.212/91, a responsabilidade tributária solidária prevista no citado dispositivo não exige que os entes do grupo econômico tenham interesse comum em realizar o fato gerador tributário.
2. No caso dos autos, contudo, o interesse comum restou demonstrado nos autos, em função do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, decorrentes da unidade de direção das empresas do grupo, da similaridade do quadro societário, da utilização dos mesmos endereços por integrantes do grupo e pela atuação no mesmo ramo de atividade.
3. A União demonstrou que diversas empresas da área de transportes urbanos eram comandas pelos Srs. Ricardo Caixeta Ribeiro e José Ricardo Caixeta: a empresa embargante (Pantanal Transportes Urbanos Ltda.) foi constituída em 15/12/2004 pelas empresas JCR e ONIPAR (JCR Participações e Empreendimentos Ltda. e Onipar Empreendimentos e Participações Ltda.), sendo que tanto a embargante quanto as empresas fundadoras eram administradas pelos Srs. Ricardo Caixeta Ribeiro e José Ricardo Caixeta. As empresas fundadoras, administradas pelos Srs. Ricardo Caixeta Ribeiro e José Ricardo Caixeta, mantiveram poderes e gestão e controle sobre a atividade da empresa embargante, desde a constituição desta e durante quatro anos, sem descontinuidade. Apenas em 2008, retiraram-se formalmente da administração da embargante.
4. Além disso, os documentos fiscais e contábeis juntados nos autos da execução fiscal demonstraram que outras empresas do grupo econômico, dentre as quais a embargante Pantanal Transportes Urbanos Ltda., tinham poderes de movimentação das contas de ONIPAR Empreendimentos e Participações Ltda. Constou na sentença que: (i) a embargante Pantanal Transportes Urbanos Ltda. movimentava a conta nº 1160201 da agência nº 626 do Banco Itaú Unibanco S/A de titularidade da ONIPAR Empreendimentos e Participações Ltda., de 11/03/2005 a 25/07/2008; e (ii) João Carlos Kenji Chinen, contador das empresas do grupo, tem poderes para movimentação da conta bancária da empresa ONIPAR Empreendimentos e Participações Ltda. no Banco Bradesco S/A – conta corrente, poupança e investimento nº 884006 – agência nº 311 – de 31/01/2001 até hoje.
5. Além disso, a diligência realizada por Oficial de Justiça em 09/03/2011 constatou que as empresas VBTU TRANSPORTES E SERVIÇOS LTDA. e PANTANAL TRANSPORTES URBANOS LTDA., de propriedade dos mesmos sócios, funcionavam no mesmo local, diferenciando-se apenas quanto ao número das salas respectivas.
6. Ressalte-se que, conquanto a parte embargante não tenha juntado o conteúdo do CD com as informações fiscais e contábeis apresentado nos autos da execução fiscal (Pág. 152 do Id. 12388882 contém apenas foto do CD), a parte não negou ou impugnou esses fatos, afirmados pela União e adotados pelo Juiz na decisão que deferiu o redirecionamento da execução fiscal e também na sentença embargada.
7. Em verdade, limitou-se a alegar, genericamente, a inexistência de confusão patrimonial, sem se reportar a quaisquer dos fundamentos adotados na sentença, e a existência de autonomia entre as empresas. Porém, diante da unidade de direção das empresas do grupo pelos membros da “Família Caixeta” e, principalmente, da vinculação das contas bancárias e da possibilidade de movimentação das contas das outras empresas do grupo, resta comprovada a ocorrência de confusão patrimonial. Com relação à alegação de autonomia entre as empresas, a embargante trouxe como fundamento da autonomia a existência de personalidade jurídica própria. Todavia, esses elementos indicados pela embargante não são suficientes para infirmar a conclusão de que há desvio de finalidade e confusão patrimonial, porquanto, tratando-se de grupo econômico de fato, é pressuposto a existência de personalidade jurídica.
8. Também alegou que não seria possível o redirecionamento da execução para a embargante, pois desde 2008 não há mais vínculo da embargante com as empresas fundadoras ou os membros da “Família Caixeta”, sendo que “Há mais de 11 (onze) anos a apelante é administrada por Luiz Cláudio Soares Ferreira e sua holding Rio Claro Participações Assessoria e Consultoria Empresarial LTDA, totalmente alheia à executada originária VBTU TRANSPORTES”. Entretanto, os tributos executados referem-se às competências de 01/2000 a 02/2006 (Pág. 11 do Id. 12388882), período anterior à transferência da empresa para terceiros e no qual está demonstrada a participação da embargante nas condutas praticadas pelo grupo econômico em questão. Ressalte-se que está se responsabilizando a pessoa jurídica que participou das práticas de abuso de personalidade jurídica – Pantanal Transportes Urbanos Ltda. -, e não os seus novos proprietários e administradores. As alegações de que os novos proprietários adquiriram a empresa de boa-fé e realizaram diligências a fim de verificar os seus débitos, não constando à época os débitos que somente passaram a ser exigidos após o redirecionamento das execuções fiscais embargadas, não se prestam a afastar a responsabilidade tributária da pessoa jurídica, mas apenas à eventual futura defesa desses novos proprietários (os quais não são partes nos presentes embargos).
9. Ademais, defendeu que a aplicação da nova sistemática trazida pela Lei da Liberdade Econômica para desconsideração da personalidade jurídica e a necessidade de comprovação de interesse comum na prática do fato gerador executado para configuração da responsabilidade solidária entre as empresas do grupo econômico (art. 124, I, do CTN). A respeito da sistemática trazida pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/19), entendo que não há impactos diretos na esfera tributária, já que o CTN e a Lei 8.212/91 são normas especiais, que permanecem vigentes. Além disso, a constatação do grupo econômico e a decisão autorizando a inclusão das empresas no polo passivo da execução ocorreram em 21/03/2014 (Pág. 169 do Id. 148678764), muito antes do advento da nova redação do art. 50 do CC. E mesmo diante do teor das inovações, persistir-se-ia a conclusão pela possibilidade de responsabilização da embargante. Isso porque, embora o §4º do art. 50 do CC (incluído pela Lei nº 13.874/2019) disponha que “A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”, o §2º traz expressamente hipóteses de confusão patrimonial e o §1º de desvio de finalidade, nas quais é possível a desconsideração da personalidade jurídica. Assim, mesmo nos termos da Lei nº 13.874/2019, a constatação da vinculação das contas bancárias e da possibilidade de movimentação das contas das outras empresas do grupo seria suficiente para autorizar a responsabilização da embargante. Com relação à alegação de necessidade de comprovação de interesse comum, conforme já dito, não é uma exigência consoante art. 30, IX da Lei 8.212/91. E ainda que assim não fosse, no caso, restou comprovado o interesse comum, em função do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, decorrentes da unidade de direção das empresas do grupo, da similaridade do quadro societário, da utilização dos mesmos endereços por integrantes do grupo e pela atuação no mesmo ramo de atividade. Ao contrário do defendido pela apelante, para a configuração do interesse comum não é necessário a realização efetivamente em conjunto da situação configuradora do fato gerador, sendo suficiente a demonstração de confusão patrimonial a ensejar participação no resultado dos eventuais lucros.
10. No tocante à fixação do valor, anote-se que não é possível a fixação por equidade nos termos do §8º do art. 85, pois o atual Código de Processo Civil desceu a minúcias na regulamentação da verba honorária, conferindo parâmetros que deixou pouca ou quase nenhuma discricionariedade ao julgador para a fixação. E autorizou o arbitramento por equidade tão somente nas hipóteses previstas no art. 85, §8º, CPC, quais sejam: (i) proveito econômico inestimável ou irrisório e (ii) valor da causa muito baixo, às quais não se enquadra o caso dos autos.
11. Apelação da embargante desprovida. Honorários majorados.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5005270-49.2019.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 18/04/2023, Intimação via sistema DATA: 22/04/2023)