No presente artigo, buscamos explorar o histórico do tratamento fiscal do ágio no ordenamento brasileiro, com a demonstração de que se trata de mera parcela integrante do custo de aquisição de uma participação societária, cuja dedutibilidade foi assegurada quando da extinção do investimento, inclusive mediante incorporação, fusão ou cisão. No regime anterior à Lei 12.973/14, não havia qualquer vedação ao registro e posterior amortização do ágio em operações realizadas entre partes dependentes (“ágio interno”), do que decorre a conclusão de que essas operações seriam lícitas e deveriam ser os seus efeitos fiscais preservados, salvo se comprovado efetivo vício relativo aos atos e/ou negócios jurídicos correlatos. Quanto à utilização das empresas veículo, tem-se que, em inúmeros casos, especialmente no contexto das privatizações, esses instrumentos não eram sequer utilizados para a geração de ágio novo, mas com o simples intuito de permitir a amortização fiscal do ágio, um direito do investidor assegurado pela lei brasileira. Se a jurisprudência administrativa se formou em sentido majoritariamente contrário aos contribuintes nas controvérsias que envolvem o uso de ágio interno ou empresas veículo, o panorama no judiciário é diverso. Há um número relevante de decisões favoráveis aos contribuintes, algumas delas de profundo rigor técnico-jurídico, como aquela proferida pelo TRF-4 no caso da GERDAU (TRF-4 5058075-42.2017.4.04.7100, SEGUNDA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 09/04/2021). Esse entendimento, consentâneo com o princípio da legalidade da tributação, é o mesmo adotado pelo STF, que formou maioria contra uma interpretação aberta do parágrafo único, do art. 116, do CTN. Para a maioria dos ministros julgadores, não há qualquer carta branca concedida ao fisco para desconsiderar planejamentos tributários por mero capricho fazendário. Esperamos, assim, que a resolução das controvérsias judiciais em torno do ágio, agora submetidas ao judiciário, caminhe no sentido de prestigiar a legalidade, a segurança jurídica e o respeito à liberdade dos contribuintes.
Roberto Duque Estrada é Sócio fundador do Brigagão, Duque-Estrada Advogados; diretor da ABDF; conselheiro do Conselho de Governança e Compliance da Associação Comercial do Rio de Janeiro; membro do Conselho Diretor da ABRASCA; membro do comitê de assuntos fiscais da International Bar Association.
Eduardo Barboza Muniz é Sócio de Brigagão, Duque-Estrada Advogados; mestrando na Universidade de São Paulo (USP); aluno da pós-graduação do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET/RJ); membro da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ; representante nacional da Young International Fiscal Association (YIN/IFA).