Publicada no Diário Eletrônico em 26/08/2022
Ementa
ICMS – Importação por encomenda – Desembaraço aduaneiro e entrada física da mercadoria importada em estabelecimento localizado na Unidade da Federação do importador – Crédito – Benefício fiscal concedido em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea “g” da CF/88 – Convênio ICMS nº 190/2017.
I. Na importação por encomenda, ocorrendo o desembaraço aduaneiro e a entrada física da mercadoria no Estado do estabelecimento do importador, a sujeição ativa relativamente aos dois fatos geradores, operação de importação e subsequente operação de venda, será do Estado do importador por encomenda.
II. O procedimento estabelecido pelo Convênio ICMS nº 190/2017, necessário para a remissão, anistia e reinstituição de benefícios tributários concedidos em desconformidade com o disposto na alínea “g” do inciso XII do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, é de responsabilidade de cada ente federativo com relação aos benefícios tributários por eles instituídos.
III. Com o cumprimento das condições e dos prazos estabelecidos no Convênio ICMS nº 190/2017 pelos Estados, os benefícios fiscais concedidos em desacordo com a CF/1988 são considerados redimidos.
Relato
1. A Consulente, que de acordo com sua CNAE principal (46.34-6/01) se dedica ao comércio atacadista de carnes bovinas e suínas e derivados, além de exercer outras atividades relacionadas ao comércio de proteína animal para o consumo humano com CNAEs diversas, apresenta consulta em que relata que, no cumprimento de suas atividades, adquire e revende mercadorias nacionais e importadas.
2. Afirma que, atualmente, adquire diretamente de fornecedor no exterior as mercadorias importadas que comercializa e, por questões comerciais, pretende passar a adquirir carnes bovinas, suínas e derivados por meio de importação por encomenda, observando as condições e requisitos previstos na legislação de regência, de empresa trading localizada no Estado de Santa Catarina.
3. Relata que a empresa trading importadora realizará a operação de importação, sendo responsável por todos os procedimentos de aquisição das mercadorias no exterior, quais sejam, cotação de preço, pagamento com seus próprios recursos, transporte e despacho aduaneiro, dando entrada física em seu estabelecimento em Santa Catarina, até que sejam revendidas para a Consulente, sem que a Consulente realize qualquer tipo de antecipação de valores à empresa trading ou participe da negociação com o fornecedor estrangeiro das mercadorias importadas. Relata ainda que o pagamento será efetuado após a entrega da mercadoria à Consulente em seu estabelecimento no Estado de São Paulo.
4. Menciona, ainda, que a referida trading que contratará já efetua a mesma operação para outros clientes estabelecidos em diversos Estados.
5. Esclarece, adicionalmente, que a empresa trading, na operação de revenda da mercadoria para a Consulente, goza de benefício fiscal concedido pelo Estado de Santa Catarina por meio da Lei Estadual nº 13.992/2007 e do Decreto nº 105/2007, e que foi expressamente reinstituído nos termos do Convênio ICMS nº 190/2017 e da Lei Complementar nº 160/2017.
5.1. Neste ponto, expõe seu entendimento de que, considerando a regular existência da operação em comento, em que a empresa trading realiza a importação por encomenda, sendo o sujeito passivo na operação de importação, e posterior revenda à Consulente, é cabível a tomada integral do crédito do ICMS destacado na Nota Fiscal, em decorrência da operação de venda entre a empresa trading, localizada em Santa Catarina, e a Consulente.
6. Para embasar seu entendimento, transcreve trechos de resposta manifestada por esta Consultoria que analisou operação similar a que pretende praticar.
7. Diante do exposto, questiona:
7.1. se a empresa trading é considerada sujeito passivo da obrigação tributária do ICMS na importação por encomenda que pretende praticar, sendo devido o ICMS nesta operação de importação ao Estado de Santa Catarina (local do estabelecimento da empresa trading)?
7.2. se os créditos decorrentes da operação de venda interestadual (entre a trading e a Consulente) serão considerados legítimos pelo Estado de São Paulo, mesmo que esta operação seja beneficiada por incentivos fiscais não aprovados pelo Confaz, com base na Lei Complementar nº 160/2017, regulamentada pelo Convênio ICMS nº 190/2017?
Interpretação
8. Inicialmente, observa-se que a presente consulta não tem o condão de ratificar a natureza jurídica da operação realizada, razão pela qual a presente consulta será respondida em tese, sendo adotada a premissa de que, de fato, trata-se de uma importação por encomenda, mas sujeita à posterior análise própria da atividade fiscalizatória.
9. Realizado este breve comentário inicial, deve-se esclarecer que, “importação por encomenda” em seu sentido técnico, conforme definido em regulamentação da Receita Federal do Brasil, ocorre quando uma empresa adquire, com seus próprios recursos, mercadorias no exterior, realizando em seu nome o despacho de importação, a fim de revendê-las à uma empresa encomendante. Nesse caso, o encomendante não se confunde com o importador, sendo a relação entre eles de compra e venda normal, posterior à operação de importação.
10. Ressalte-se que na importação por encomenda (que diverge da importação por conta de terceiros, não abrangida por esta resposta), ocorrem duas operações: a importação realizada pelo “importador por encomenda” (real importador) e a venda da mercadoria nacionalizada para o encomendante predeterminado. Neste caso, o objeto principal da relação jurídica existente é a transação comercial de compra e venda de mercadoria nacionalizada, mediante contrato previamente firmado entre o importador por encomenda e o encomendante predeterminado.
11. Neste contexto, na situação aqui analisada, na operação de importação das mercadorias, em que o desembaraço aduaneiro e a entrada física ocorrem no Estado de Santa Catarina, tendo em vista que o negócio internacional que acarreta na entrada da mercadoria no país, com o pagamento do preço e a assunção dos direitos e obrigações sobre a mercadoria importada, se perfazendo, aparentemente, com a exclusiva participação da empresa trading, o sujeito ativo é o Estado de Santa Catarina.
12. Em relação à operação de saída das mercadorias promovida pela empresa trading com destino ao estabelecimento da Consulente, que ocorre depois da importação, esta possui natureza interestadual, em que o imposto a ser recolhido é devido ao Estado do remetente (Santa Catarina), e, dessa forma, sobre essa operação aplica-se a legislação tributária vigente nessa unidade federativa.
13. Em relação ao crédito decorrente do imposto relativo à operação de venda da empresa importadora ao encomendante, com fundamento no princípio da não-cumulatividade do imposto (artigo 36 da Lei nº 6.374/89) e sem prejuízo das demais normas pertinentes ao lançamento, vedação e estorno do crédito do valor do ICMS, previstas no RICMS/2000 (artigo 59 e seguintes), como regra geral, é legítimo o direito do contribuinte lançar em sua escrita fiscal, a título de crédito, o valor do ICMS “anteriormente cobrado por este ou outro Estado, relativamente à mercadoria entrada ou a prestação de serviço recebida, acompanhada de documento fiscal hábil, emitido por contribuinte em situação regular perante o fisco”, e utilizada na sua atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviços, em razão de suas operações ou prestações regulares e tributadas pelo ICMS ou, não o sendo, em que haja expressa autorização na legislação paulista para o crédito fiscal ser mantido.
14. Cumpre observar, entretanto, que sendo a operação anterior a entrada da mercadoria amparada com benefício fiscal e, sendo certo que a legislação em vigor determina o direito ao creditamento do valor do ICMS “anteriormente cobrado por este ou outro Estado”, o referido crédito do imposto será admitido caso o benefício fiscal aplicado tenha sido devidamente reinstituído nos termos do Convênio ICMS nº 190/2017.
15. Assim, se o benefício fiscal citado pela Consulente, de fato, cumpre as condições e os prazos estabelecidos no Convênio ICMS nº 190/2017 pelos Estados, tal benefício fiscal concedido em desacordo com a CF/1988 é considerado redimido.
16. Mencione-se, por fim, tendo em vista que a presente resposta se baseia, dentre outros aspectos, no entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal no ARE 665.134/MG, segundo o qual a definição do destinatário jurídico do bem na importação (sujeito passivo) como aquele que dá causa à circulação da mercadoria sempre dependerá da análise do negócio jurídico praticado entre as partes e das circunstâncias fáticas do caso concreto, que o tratamento aqui apontado pode ser afastado no caso dos aspectos formais dos negócios praticados serem incondizentes com seu conteúdo.
17. Com esses esclarecimentos consideram-se dirimidas as dúvidas da Consulente.
A Resposta à Consulta Tributária aproveita ao consulente nos termos da legislação vigente. Deve-se atentar para eventuais alterações da legislação tributária.