E M E N T A. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO. COBRANÇA. EXECUÇÃO FISCAL. VIA INADEQUADA. LANÇAMENTO DO CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO ANTES DA VIGÊNCIA DA MP 780/2017, CONVERTIDA NA LEI 13.494/2017. CONVALIDAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1 – A execução refere-se à cobrança de crédito de natureza não tributária, inscrito em certidão de dívida ativa e referente a valores pagos indevidamente, a título de benefício previdenciário.
2 – A execução fiscal constitui meio absolutamente excepcional, que permite ao Estado cobrar crédito por ele unilateralmente constituído, sem submeter tal ato administrativo ao crivo do Poder Judiciário, em uma discussão prévia no bojo da ação condenatória, de modo semelhante ao tratamento jurídico conferido aos títulos executivos extrajudiciais, taxativamente enumerados no artigo 585 do diploma civil adjetivo de 1973 e em outros dispositivos esparsos na legislação processual extravagante.
3 – A fim de compatibilizar tal poder administrativo com a garantia constitucional do due process of law, em sua dimensão substantiva, a intervenção no patrimônio de terceiros albergada pela execução fiscal deve ser respaldada por prévia inscrição em dívida ativa do crédito que, por sua vez, só pode ser efetivada nas hipóteses taxativamente previstas em lei, sob pena de abolir a necessidade dos entes públicos ajuizarem ações condenatórias para iniciar a execução de atos expropriatórios em face dos cidadãos.
4 – A exigibilidade dos valores pagos indevidamente aos segurados, a título de benefícios previdenciários, por sua vez, está previsto no artigo 115, inciso II e §1º, da Lei n. 8.213/91, com a redação dada pela Lei n. 13.183/2015.
5 – Depreende-se da leitura do preceito normativo supramencionado, que a legislação previdenciária apenas conferia à Autarquia Previdenciária o direito de descontar os valores pagos indevidamente ao segurado das prestações vincendas do benefício por ele usufruído. Todavia, o artigo 154, §4º, inciso II, do Regulamento da Previdência Social (Decreto n. 3.048/99) autorizou o INSS a inscrever tais créditos em certidão de dívida ativa, a fim de instrumentalizar o manejo da execução fiscal para sua cobrança.
6 – Assim, ao regulamentar a forma de cobrança dos valores pagos indevidamente aos segurados, nota-se que o Poder Executivo exorbitou de seu poder normativo, pois não havia amparo legal que assegurasse fundamento de validade para a constituição unilateral do crédito na Lei de Benefícios da Previdência Social.
7 – A ilegalidade desta forma de exercício da pretensão executória restou assentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.350.804/PR, representativo de controvérsia, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973 (atual art. 1036 do CPC/2015).
8 – Com a entrada em vigor da Lei 13.494/2017, que incluiu o parágrafo 3º no artigo 115 da Lei 8.213/91, foi prevista expressamente a possibilidade de inscrição dos créditos relativos ao pagamento indevido de benefícios em certidão de dívida ativa e, consequentemente, autorizada a cobrança destes valores por via da execução fiscal.
9 – Entretanto, tal modificação legislativa superveniente não socorre o INSS, tampouco convalida formalmente a presente execução. Aliás, esse é o entendimento jurisprudencial dominante conforme se infere do precedente firmado recentemente pelo C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1852691/PB, sob o rito dos recursos representativos de controvérsia, nos termos do artigo 1.036 do Código de Processo Civil de 2015.
10 – No caso concreto, constata-se que a execução fiscal foi proposta com a finalidade de cobrar débito de natureza não tributária, cujo lançamento ocorreu em 10 de junho de 2009 (ID 125522937 – p. 4). Por outro lado, verifica-se que a modificação do artigo 115 da Lei 8.213/91, introduzida pela Medida Provisória n. 780/2017, posteriormente convertida na Lei 13.494/2017, só entrou em vigor em 22 de maio de 2017.
11 – Assim, em respeito à garantia constitucional da inviolabilidade do ato jurídico perfeito e à teoria do isolamento dos atos processuais, a referida inovação legislativa não pode ter efeitos retroativos, a fim de sanar a irregularidade formal do procedimento escolhido pela Autarquia Previdenciária para postular a cobrança do crédito.
12 – Em decorrência, verificada a carência da ação, por falta de interesse processual, na modalidade adequação, deve ser mantida a extinção da execução fiscal.
13 – Apelação do INSS desprovida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 0000408-44.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 04/08/2022, Intimação via sistema DATA: 10/08/2022)