O presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Carlos Henrique de Oliveira afirmou que pretende retomar as sessões presenciais “o mais rápido possível”. Oliveira sinalizou a retomada dos julgamentos presenciais em julho. O presidente acredita que a situação de paralisia da maioria das turmas do tribunal, causada pela adesão de conselheiros fazendários à mobilização dos auditores fiscais, será resolvida “nos próximos dias”. No entanto, disse não ter informações sobre as negociações dos auditores com o Ministério da Economia.
As declarações foram dadas em entrevista ao JOTA nesta segunda-feira (6/6). Oliveira falou ainda sobre como pretende dar vazão ao estoque de processos aguardando julgamento no Carf, cujos valores ultrapassam R$1 trilhão. Segundo o presidente, a perspectiva é que sejam convocadas sessões extraordinárias, mas há uma preocupação com o cansaço dos conselheiros e a qualidade dos julgamentos.
“Manter a qualidade dos julgamentos faz parte do meu projeto de gestão. Não posso, por um lado, virar as costas para o estoque e não posso, por outro lado, permitir que a qualidade das decisões sofra qualquer tipo de prejuízo”, afirmou.
Foi a segunda vez que Oliveira falou ao JOTA desde que substituiu Adriana Gomes Rêgo na presidência do Carf. Na semana passada, durante evento em São Paulo, ele adiantou com exclusividade a intenção de realizar sessões do tribunal administrativo na capital paulista.
O presidente do Carf voltou a falar sobre o tema nesta segunda. Segundo ele, a viabilidade técnica e econômica do projeto está em estudo e há a possibilidade de realizar uma sessão da 1ª Turma da Câmara Superior em território paulista em setembro. De acordo com Oliveira, além da economia de recursos públicos, a proposta visa a atender os interesses dos contribuintes, já que grande parte das empresas com processos no Carf está sediada em São Paulo.
O presidente ainda adiantou que participará das sessões da Câmara Superior sempre que a agenda permitir, ao lado da vice-presidente, Rita Eliza Bacchieri. “Eu vou ser uma figurinha bem fácil [nas turmas] ao longo da minha presidência”, disse.
Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista:
Quais serão suas prioridades como presidente do Carf?
O Carf, hoje, tem um nível de governança, de gestão, impressionante. O órgão tem um controle praticamente absoluto de todos os seus processos de trabalho. Não só na parte do processo em si, como da administração das pessoas. Quero deixar meu tributo e agradecimento à doutora Adriana Rêgo, que junto à equipe, fez um trabalho de excelência.
Além de aumentar a eficiência da prestação jurisdicional do Carf, quero impulsionar a qualidade das decisões. O Carf é fonte de segurança jurídica. Acho que pode sinalizar, principalmente para os tribunais superiores, como questões fáticas foram analisadas. Além disso, quero aumentar a transparência do órgão. Passar de uma transparência reativa para uma transparência ativa. Outra questão importante é a proximidade do Carf com a sociedade. Então, seriam esses três eixos: qualidade judicante, transparência e proximidade com a sociedade.
O que significa passar de uma transparência reativa para uma transparência ativa?
A transparência reativa é quando os dados do Carf estão disponíveis no sentido de que, se alguém pergunta, o Carf responde. A transparência ativa é quando alguém pergunta e, sendo possível, eu publicizo essa resposta para todos. É quando o site não só contém a informação, mas uma pessoa como eu, que está longe de ser um ás da informática, acha as informações.
Aproximar o Carf da sociedade tem relação com a transmissão das sessões ao vivo?
Tem isso e tem uma questão de estarmos próximos da academia realizando congressos, simpósios, obras, tudo aquilo que permita uma maior interação entre o conselheiro, as partes e a sociedade. O Carf já tem posturas como essas. Eu acho que isso tem que ser mantido.
O senhor assumiu em um momento difícil, com a mobilização dos auditores fiscais. Há apenas um colegiado funcionando, a 1ª Turma da Câmara Superior. Como pretende lidar com isso?
Temos que ter uma estratégia para quando a situação se normalizar. Pedi para os presidentes de turma e para a equipe de apoio, durante essa semana, pensarem em soluções de como gerir o estoque [de casos] para prepará-lo para julgamento. Uma das possibilidades é a realização de sessões extras. Porém, eu me preocupo muito com o cansaço dos conselheiros. Uma das possibilidades é que a sessão extra não seja contínua com a ordinária, que as sessões ordinárias continuem dentro do calendário do Carf e as extraordinárias sejam marcadas na semana subsequente. Aí, eu realizo virtualmente as sessões extraordinárias.
Mas isso é possível a partir do momento em que exista quórum para fazer julgamento. Existe diálogo com os auditores para a volta das sessões?
Tenho uma forte esperança que essa situação se resolva nos próximos dias. O diálogo com os conselheiros indicados pela Fazenda Nacional é muito importante. Uma das situações que faz parte do meu estilo é o diálogo. Gosto de pessoas, gosto dos colegiados, então, na medida da minha agenda, vou tentar estar próximo não só da Câmara Superior, mas também das turmas ordinárias. Afinal de contas, são os conselheiros que formam o Carf.
Mas existe alguma sinalização do Ministério da Economia, ou dos auditores, de que a questão está próxima de se resolver?
Eu não tenho informação sobre esse tema. Prefiro não ficar especulando. Eu estou contando com a boa vontade, com o interesse das partes envolvidas e acho que isso se resolve nos próximos dias. Mas eu não especulo sobre esse tema.
Caso não haja acordo com os auditores fiscais, existe a possibilidade de convocar suplentes para garantir o funcionamento das turmas?
Prefiro não trabalhar com esse cenário no presente momento. Soluções têm que existir. A gestão do Carf nessa situação vai ser analisada, planejada para ser implementada. Mas eu prefiro não especular nesse sentido.
A portaria que estende o trabalho não presencial no Carf prevê o fim do modelo em agosto. É possível voltar às sessões presenciais em agosto, ou até mesmo antes?
Eu voltarei às sessões presenciais, principalmente das Câmaras Superiores, tão logo seja possível. Conto com a realização das sessões presenciais em julho. Tenho certeza que os membros estão com saudades um dos outros e da realização de uma sessão presencial.
Seriam só sessões presenciais ou um modelo híbrido?
A pandemia deixou marcas significativas na sociedade. Uma delas é a real possibilidade do trabalho não presencial. As sessões não presenciais têm uma vantagem muito grande, elas aumentam o acesso [ao tribunal], são muito democráticas. Antes da pandemia, contribuintes com processos de pequena monta muitas vezes não enviavam patronos, não acompanhavam o julgamento, por conta do custo financeiro. Hoje, esse acesso é muito mais fácil. Tanto é que a quantidade de acompanhamento pelos patronos e de sustentações orais aumentou significativamente.
Não vislumbro a possibilidade de não mantermos esse modelo. Ele desgasta menos o conselheiro, pois há menos deslocamentos, aumenta o acesso dos contribuintes e da procuradoria às sessões de julgamento e permite que sessões extraordinárias sejam realizadas com mais facilidade. A alternância entre sessões virtuais e sessões presenciais permite que você tenha o melhor dos dois mundos.
Já dá para falar em um modelo fechado para a volta presencial?
Eu pretendo respeitar bastante as características dos colegiados. Consigo conceber que alguns colegiados funcionem muito bem na sessão virtual e outros prefiram a sessão presencial. Se tem uma coisa que promove ganho de produtividade é respeitar como a equipe gosta de trabalhar. É salutar, demonstra respeito e é produtivo. Então, eu pretendo que essa alternância seja construída. E, principalmente, dentro dessa alternância, consigo respeitar a vontade dos contribuintes. Com certeza, alguém com um processo de pequena monta, em um tema onde a jurisprudência é mais pacificada, vai preferir que seja julgado em uma sessão virtual. Já um contribuinte com um tema que está começando a ser discutido, um processo de alto valor, representado por um patrono de renome, prefere exercitar o seu direito à ampla defesa presencialmente. É como eu vislumbro o Carf dentro de um processo de normalidade.
Muitos advogados têm um temor de que o modelo seja predominantemente virtual, pois preferem as sessões presenciais, principalmente para casos complexos, que envolvem somas maiores. Como conciliar as necessidades de todos os envolvidos?
Eu pactuo dessa preferência [dos advogados]. Pessoalmente, acho que a sessão presencial é mais agradável, menos cansativa, permite maior interação entre patronos, conselheiros e Procuradoria [Geral da Fazenda Nacional]. Mas, como eu disse, a reunião virtual trouxe muitas vantagens. Eu acho que construções coletivas são as melhores. Eu tenho que respeitar as necessidades dos contribuintes, os interesses dos patronos, da PGFN e dos conselheiros. Por isso, em vez de simplesmente definir que as sessões serão assim, eu prefiro construir.
As sessões presenciais seriam transmitidas pela internet, como, por exemplo, as sessões do STF e do STJ?
A transmissão online exige uma tecnologia que a gente não tem disponível no Carf hoje. Falando como leigo, as sessões online exigem um estúdio de TV, as características típicas de uma televisão, e isso, obviamente, vai depender de investimentos. Então não é um processo simples. Eu não sei se é muito ou pouco oneroso. É preciso estudar. Neste momento, neste cenário, em um prazo até dezembro, ainda não vislumbro essa possibilidade. Para o ano que vem, eu vislumbro. Eu acho muito interessante. Seria fantástico: TV Carf.
O Carf sofreu uma redução de 50% no orçamento e, segundo conselheiros, isso estaria dificultando a retomada presencial. Existe a possibilidade de recompor esse orçamento?
Até agora, a execução orçamentária do Carf está extremamente satisfatória. Nós vamos ter uma reunião de planejamento da retomada. Na semana que vem a gente começa a tratar [desse assunto], não vai ser só uma [reunião]. A partir das decisões que forem tomadas, a gente vai contar com a execução orçamentária adequada, contando que o Ministério da Economia vai apoiar o Carf na medida da possibilidade. Sinceramente, eu não vislumbro problema [em relação ao orçamento].
Em entrevista ao JOTA, o senhor falou sobre a possibilidade de realizar sessões de julgamento em São Paulo. Pode dar mais detalhes de como funcionaria?
É um projeto ainda. Está sendo pensado, as equipes estão buscando as necessidades, analisando a possibilidade técnica e econômica. Eu gostaria muito que em setembro a gente tivesse uma sessão da 1ª Turma da Câmara Superior em solo paulistano.
O senhor tem dados de quanto isso economizaria para o Carf?
Ainda não mensuramos essas questões. Sabemos que a maioria dos contribuintes que têm processos na 1ª Seção é sediado em São Paulo. Sabemos que a maioria dos patronos desses contribuintes estão em São Paulo, assim como parte significativa do colegiado. O critério economia é muito importante, mas tem outras situações que devemos analisar em conjunto. Por exemplo, transparência e proximidade da administração pública com o administrado. Nesse aspecto, é muito relevante, se eu tenho uma pauta com a maioria dos processos de determinado estado, que se possa realizar pelo menos algumas sessões nesse estado.
O senhor já teve algum tipo de feedback sobre essa proposta?
O feedback foi bastante positivo.
O Carf tem um estoque de processos cujo valor ultrapassou R$1 trilhão. Esse valor preocupa? O que fazer para reduzi-lo?
Parte significativa desse estoque, mais ou menos R$ 270 bilhões, estão prontos para julgamento. Então, [a situação] preocupa, exige atenção, mas como eu disse, está sendo objeto de estudos para que as melhores práticas sejam adotadas. Eu não vejo o Carf virando as costas para esse estoque. Medidas excepcionais têm que ser tomadas em um prazo possível. Eu não vou resolver um problema de seis meses, ou um ano e meio, em três meses. Também não vou demorar dez anos. Manter a qualidade dos julgamentos faz parte do meu projeto de gestão. Não posso, por um lado, virar as costas para o estoque e não posso, por outro lado, permitir que a qualidade das decisões sofra qualquer tipo de prejuízo.
Há uma proposta de transação tributária aberta para inclusão de casos de ágio. Isso pode esvaziar a pauta do Carf sobre o tema?
Esse é o objetivo. Sou muito partidário de soluções alternativas para redução de litígios. A transação tributária é uma delas. Ainda mais nessa modalidade, feita em cima de questões de relevante e disseminada controvérsia jurídica. Sem dúvida, isso vai impactar os processos do Carf. É o que a administração pública espera.
Essa transação já teve algum reflexo no Carf?
Não tenho dados, não tive contato com a Receita Federal. Essas questões têm um tempo de maturação. Não acho que é uma adesão imediata. Os contribuintes vão conversar com sua consultoria tributária, verificar a viabilidade, fazer uma análise financeira. Não tenho expectativa de que nesse prazo a gente já tenha um volume muito significativo [de adesão].
A informação que temos é que a PGFN, este mês, pediu a retirada de pauta de vários casos de ágio para julgamento presencial. Seria um movimento da Fazenda para aguardar, ver se terá adesão?
Acredito que sim. Os interesses da procuradoria são muito técnicos. É um órgão extremamente técnico, extremamente atuante no Carf. Tenho certeza que, se ela tomou essa atitude, sinaliza nesse sentido.
Há um processo bastante relevante no STF que é a questão da constitucionalidade do desempate contribuinte. Vemos que há uma indicação de que talvez seja mantido o dispositivo. Qual o impacto no Carf e como vê essa discussão?
Eu não vejo nisso uma questão que impacta o Carf. Os conselheiros têm sólida formação e experiência profissional. Isso garante que as decisões sejam equilibradas e coerentes. E são [decisões] colegiadas. Qualquer um que já presenciou colegiados sabe que, principalmente quando se tornam maduros, começam a decidir as matérias muito em função da decisão da maioria. Esse antagonismo em tese não ocorre na grande maioria das vezes. Confio na capacidade dos conselheiros de tomar as decisões mais equilibradas e mais justas possíveis.
Mas a tendência favorável ao desempate pró-contribuinte no Supremo não desagradou os conselheiros fazendários?
Pode ter levado a algum tipo de consideração por parte deles, mas nada que chegasse a mim, até pelo tempo que tenho aqui [no Carf]. Mas acredito na avaliação que fiz, que eu acho que é a avaliação da maioria. Na minha experiência de Carf, o voto de qualidade era muito residual.
Vimos temas polêmicos cujos resultados foram revertidos pelo desempate contribuinte e fontes disseram que havia uma preocupação da administração pública em relação a como isso afetaria casos sobre temas como ágio, por exemplo, que costumavam ser decididos por voto de qualidade. O senhor não tem essa preocupação?
Não. Tenho absoluta confiança de que os conselheiros, sejam indicados pela Fazenda, sejam pelos contribuintes, tomarão as decisões de acordo com as suas convicções e com o fundamento típico de voto.
Outra questão que desperta uma certa polêmica é o fato de o próprio Ministério da Economia entender que ainda se aplica o voto de qualidade em alguns casos, como compensações e embargos de declaração. O senhor concorda com a continuidade do voto de qualidade nessas situações?
A posição do Ministério da Economia resulta da interpretação da legislação [Lei 13.988/2020, que instituiu o desempate pró-contribuinte]. Eu, particularmente, pactuo com essa posição. Na minha leitura da lei, é o que se aplica, com todas as vênias ao entendimento contrário.
Como presidente do Carf, o senhor integra também a comissão de juristas no Senado para alteração do processo tributário. Como estão as discussões em relação a pontos que possam causar mudanças no Carf?
Eu já integrava a comissão como representante indicado pelo secretário [da Receita Federal] Júlio César [Vieira Gomes]. Os trabalhos estão em altíssimo nível. Não se vislumbra nenhum antagonismo entre os integrantes que representam a advocacia e os que representam a administração tributária. Como partícipes da administração tributária, tanto o Carf, como a Receita, como a Procuradoria, sempre serão impactados [por eventuais decisões]. Mas, como as alterações estão indo no sentido da propositura da comissão, de redução dos litígios e padronização, e como tudo está sendo muito construído, vejo com muito bons olhos os impactos que pode ter. Por exemplo, contagem de prazo em dias úteis, recesso no final do ano. Alinhar o processo judicial e o administrativo só traz ganhos. Pode, sim, gerar algum tipo de aumento de trabalho, de demanda, mas acho que a eficiência [gerada] vai ser maior.
O senhor vai participar das sessões da 1ª Turma da Câmara Superior nesta semana?
Pretendo participar de todas as sessões da Câmara Superior. Só não estarei presente quando minha agenda da presidência for impeditiva. Eu vou ser uma figurinha bem fácil [nas turmas] ao longo da minha presidência.
Fonte: JOTA/Mariana Branco – Bárbara Mengardo