Questões tributárias, ambientais e de proteção de dados são desafios para o ingresso do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – formada por 37 países, incluindo as principais economias do mundo. Depois de formalizado o convite, segundo especialistas, o governo brasileiro precisa agora fazer a lição de casa, especialmente em relação a aspectos fiscais.
Mudanças que ajudariam no processo de adesão e ainda poderiam reduzir o peso dos impostos sobre os contribuintes.
Hoje, a carga tributária brasileira é de 33,1% do PIB. Em comparação com a tributação dos países que compõem a OCDE, está próxima da média, de 33,8%. Mas o percentual é superior ao de outros países da América Latina, como Argentina (28,6%), México (16,5%) ou Chile (20,7%).
Um dos pontos de maior controvérsia para a entrada do Brasil na OCDE refere-se às regras de preço de transferência, adotadas para cálculo de valores no comércio entre empresas do mesmo grupo, no Brasil e no exterior. O objetivo é evitar a remessa de lucro para um local onde a tributação é menor ou zero (evasão).
“Os países da OCDE exigem que as empresas não adotem preços fictícios, abaixo ou acima de valores de mercado”, diz o professor Paulo Duarte Filho, pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Porém, acrescenta, as normas brasileiras divergem das adotadas pelos países da OCDE. “No Brasil, estabelecem margens fixas de venda e revenda”, explica.
A possibilidade de mudança enfrenta grande resistência, por significar redução na arrecadação federal, segundo o advogado Bruno Santo, do escritório Finocchio & Ustra Advogados. “As normas brasileiras, tanto para importação quanto para exportação, fixam margens de lucro de acordo com o setor econômico ou o tipo de operação”, afirma. “Caso não sejam atendidas, resultam em ajuste fiscal e tributação pelo Imposto de Renda.”
Na prática, com base nas diretrizes da OCDE, diz o especialista, o Brasil teria que passar a fazer uma análise econômica considerando as nuances do mercado internacional e do grupo econômico como um todo. “Por isso, a arrecadação tributária cairia. Contudo, possibilitaria ao país se tornar uma parte estratégica dos planejamentos tributários globais.”
Em 2019, a Receita Federal e a OCDE chegaram a publicar uma declaração conjunta sobre preço de transferência. “Foram identificadas 30 lacunas, sendo que 27 delas com potencial para gerar dupla tributação”, afirma André Novaski, do escritório Demarest Advogados. “Por enquanto, é um documento em que a Receita concorda com a existência de divergência, mas nada foi feito. Esperava-se que tivesse um projeto de lei, mas nada aconteceu.”
Outra demanda para a entrada na OCDE envolve os tratados para evitar dupla tributação, alerta a advogada Bruna Marrara, do escritório Machado Meyer Advogados. “Nossos tratados têm alguma linha com a OCDE, mas há alguns desvios para preservar a tributação. Nesse caso, mais do que ajustar [os tratados] para compatibilizar com a OCDE, a lição de casa é para a aplicação do tratado tanto pelas Cortes administrativas quanto as judiciais”, diz.
Bruna lembra que, em 2005, a Alemanha denunciou o acordo de bitributação da renda com o Brasil. O país entendeu que a tributação de remessas para o pagamento de serviços deveria ocorrer apenas na Alemanha, se não houvesse empresa estabelecida no Brasil. “Tratados recentes, como o acordo com a Suíça, já têm um alinhamento melhor com o modelo da OCDE”, afirma.
A tributação de renda é dividida entre a realizada no país de residência e a retenção na fonte. No Brasil, diz Bruno Santo, o sistema tributário brasileiro possui forte influência do critério de tributação na fonte. A carga tributária sobre remessas ao exterior – Cide e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), entre outros – é pesada e pode ultrapassar 40%, segundo o advogado.
Para a tributação da renda, as mais recentes diretrizes da OCDE – “Pillar One” e “Pillar Two” – vão no sentido oposto. Uma adequação do país à “Pillar One”, afirma Santo, provavelmente reduziria o peso tributário das remessas do Brasil ao exterior.
Além disso, sem uma reforma tributária, o Brasil ainda concentra sua tributação no lucro e renda e menos nos bens de consumo. “A taxa de tributação do consumidor nos Estados Unidos é de 6% e aqui o ICMS é, em geral, de 18%”, diz o advogado Bruno Accioly, do LBZ Advocacia.
Entre os avanços, especialistas destacam um ponto que, indiretamente, afeta a carga tributária. Accioly aponta regras para a abertura de empresas em menos tempo. “Para algumas atividades é possível começar a operar imediatamente e, com o tempo, se vai atrás da licença específica, cadastros”, afirma. Em 2015, se levava mais de 140 dias para o início das atividades e hoje o início é em cerca de dois dias, conforme o Mapa das Empresas, divulgado pelo governo federal em 2021.
Contudo, segundo dados do Banco Mundial, ainda são necessários, em média, 15,4 dias e 11,1 procedimentos para abrir uma empresa no Brasil. Nos países da América Latina e Caribe, esse tempo médio é de 29,5 dias. Mas nas nações da OCDE, só 9,5 dias.
Além de enfrentar os entraves tributários, o Brasil precisa continuar a lição de casa em relação à proteção de dados. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde o ano passado, abrange boa parte do necessário. No entanto, advogados explicam que, além de regras e punições, o país precisa garantir a viabilidade dos negócios.
“Um ponto importante é a proteção do fluxo transnacional de dados”, diz o advogado Fabrício Polido, do LO Baptista. Para estar em acordo com as regras da OCDE, o advogado explica que o Brasil precisa adotar, por exemplo, uma política de acesso à internet com regras que assegurem a proteção do consumidor e que, ao mesmo tempo, facilitem o consumo digital.
O Marco Civil da Internet estabelece direitos e responsabilidades. “Agora, o país precisa demonstrar que tem um ambiente favorável às relações de consumo online”, afirma o advogado. “Com sistemas que sejam seguros e evitem fraudes e vazamentos de dados.”
Em relação ao meio ambiente, a advogada Mariana Niquel, do escritório Souto Correa Advogados, destaca que a adesão do Brasil à OCDE dependerá de sua dedicação para atender os critérios exigidos aos países-membros. Dentre eles, diz, a redução do desmatamento. No semestre passado, o governo brasileiro assumiu compromissos com a preservação ambiental na COP 26 – 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
“Espera-se que aumento da fiscalização em regiões de maior sensibilidade – como a Amazônia – e incremento de políticas de incentivo ao agronegócio sustentável sejam os pilares principais para assegurar a redução de perdas florestais no país”, afirma a advogada.
Valor Econômico – Por Gilmara Santos, 18/02/2022