Recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) podem ampliar o uso da ‘pejotização’ para contratar profissionais que exercem atividades intelectuais e são considerados hipersuficientes – com altos salários e nível superior de escolaridade. Os ministros vêm entendendo que a prática é uma forma de terceirização lícita.
Nesta terça-feira, ao analisar a contratação de médicos como pessoas jurídicas, o Supremo reforçou esse posicionamento “devendo apenas ser desconsiderada caso seja utilizada para camuflar relação de emprego”.
O julgamento aconteceu na 1ª Turma. A corrente vencedora ainda destacou que pessoas com alto nível de formação, como professores, artistas, locutores e outros profissionais que não se enquadram na situação de hipossuficiência, também poderiam entrar legalmente nesse modelo de contratação.
O caso dos médicos foi julgado pela 1ª Turma, ao analisar uma reclamação (RCL 47843) do Instituto Fernando Filgueiras (IFF), de Salvador, responsável pela gestão de quatro hospitais públicos e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) na Bahia.
O instituto recorria de decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que havia considerado ilícita a contratação. O instituto alegou que a decisão do TST desrespeitou a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), em repercussão geral, ao admitir como lícita a terceirização ampla e irrestrita (RE 958252 – Tema 725 e ADPF 324). Desde setembro não cabe mais recurso dessa decisão.
A relatora, ministra Cármen Lúcia, manteve a condenação ao instituto. Para ela, de acordo com as provas colhidas no TRT, a contratação como pessoa jurídica teria caracterizado fraude à legislação trabalhista, pois teriam sido comprovadas relações de subordinação e de pessoalidade que caracterizam a relação de emprego. Ela foi acompanhada pela ministra Rosa Weber, mas foram vencidas.
O ministro Alexandre de Moraes abriu a divergência ao entender que a decisão da Justiça do Trabalho contrariou os resultados produzidos no julgamento que acatou a terceirização. Ele foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli.
Segundo o advogado Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, essa decisão, sem dúvida, abre margem para novas discussões sobre a ‘pejotização’. “Até então, qualquer pejotização tinha a presunção de fraude. Agora se inverte esse polo, a presunção é de que é lícita e então a fiscalização tem que provar que houve fraude”, diz.
Trata-se de um precedente muito favorável para as empresas, segundo Juliana Bracks, do Bracks Advogados. Isso porque deu a entender que o STF admitiu a ‘pejotização’ mesmo nos casos em que estão presentes os requisitos do artigo 3º da CLT. O dispositivo considera como empregado toda pessoa que prestar serviços de natureza não eventual sob a dependência do empregador e mediante salário. “Nem na CLT reformada, não temos essa brecha para dizer que o empregado hipersuficiente, que tem autonomia intelectual, pode optar por PJ”, diz.
Com esse julgamento, ficou ainda mais claro que as empresas condenadas na Justiça do Trabalho por “contratar PJs” que sejam hipersuficientes poderão levar a discussão diretamente ao Supremo, por meio de uma reclamação, segundo o advogado Luiz Eduardo Amaral de Mendonça, do FAS Advogados. Assim, as empresas poderiam passar a se livrar desse tipo de processo trabalhista mais rapidamente.
O caminho para a ‘pejotização’ já tinha sido aberto pelo Supremo, em uma decisão de dezembro de 2020. Na ocasião, o Pleno admitiu a ‘pejotização’ para trabalhos intelectuais ao analisar uma ação movida pela Confederação Nacional da Comunicação Social (CNCOM).
Na ação, a entidade pedia a declaração de constitucionalidade do artigo 129 da Lei nº 11.196, de 2005 (ADC 66). O dispositivo trata da contratação de profissionais que exercem atividade intelectual como PJ. Por oito votos a dois, o Pleno admitiu a constitucionalidade do artigo. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio e Rosa Weber. Não cabe mais recurso da decisão desde março do ano passado.
Segundo o advogado Gustavo Binenbojm, que atuou em defesa da CNCOM, o Supremo, ao admitir o modelo de negócios de que esses profissionais poderiam ter contrato PJ para fins previdenciários e tributários, permitiu que eles não precisam ser contratados pela CLT. “O que é razoável, um William Bonner, um Gilberto Gil, eles têm condições de igualdade para negociar com seus contratantes”, diz.
Segundo Amaral, depois desses julgamentos, “o MPT e a fiscalização trabalhista terão que rever seus conceitos porque não se pode mais presumir que toda terceirização e toda pejotização é fraude”, diz.
Procurados pelo Valor, a assessoria de imprensa do MPT e o IFF não retornaram até o fechamento da edição e o advogado da ação não foi localizado.
Valor Econômico. Por Adriana Aguiar, 11/02/2022