ICMS – Aquisição de licença de software – Crédito. I. As operações que envolvam o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador (software) não estão sujeitas à incidência do ICMS (decisão do STF nas ADIs 1.945 e 5.659). II. Sendo a aquisição da licença do software não tributada pelo ICMS, mas pelo ISSQN, não há que se falar em crédito do ICMS decorrente de entrada de mercadoria com destino à integração ao ativo não circulante. Data: 29/01/2022.
Relato
1. A Consulente, que tem como atividade principal o “comércio varejista de artigos de vestuário e acessórios” (código 47.81-4/00 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE), apresenta questionamento a respeito de contabilização como ativo imobilizado de licença de software para a qual teria havido recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN.
2. A Consulente relata que recentementeadquiriu licença de software para escrituração das operações fiscais e que pretende contabilizar a aquisição em sua conta contábil de “Bem do Ativo Imobilizado Intangível”. Relata ainda, que na aquisição houve emissão de Nota Fiscal Eletrônica de Serviços, nos termos da Lei 14.097/2005, do Município de São Paulo.
3. Acrescenta que, após avaliação dos artigos 61, §10, e 66, inciso I, e §2º, do RICMS/2000, não encontrou vedação à referida contabilização.
4. Diante disso, indaga se é possível contabilizar, como ativo imobilizado, a licença de software, adquirida com emissão de Nota Fiscal Eletrônica de Serviços. Indaga ainda, caso não seja possível, se o vendedor deve emitir Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) relativa à venda da licença do software.
Interpretação
5. Inicialmente, observe-se que, em julgamento ocorrido em 18/02/2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou um novo posicionamento em relação a tributação de software e excluiu a incidência do ICMS sobre operações que envolvam o licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador, decidindo, por maioria, que nessas operações incide apenas o ISSQN. A questão foi discutida no julgamento conjunto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 5.659/MG e 1.945/MT).
6. Sendo assim, essa decisão trouxe novo entendimento sobre a matéria. Até então, na tributação de software, tínhamos as seguintes hipóteses: sobre o desenvolvimento de softwares feitos sob encomenda (personalizados) havia incidência do ISSQN; já sobre operações de circulação dos chamados softwares de “prateleira” (padronizados e vendidos em grande escala), a incidência era do ICMS.
7. Na sessão de julgamento conjunto das ADIs 5.659 e 1.945, o STF reviu seu entendimento e decidiu pela incidência do ISSQN nas operações de licenciamento ou cessão de direito de uso de software. Os ministros entenderam que o software padronizado, em qualquer de suas formas de disponibilização, inclusive física, não poderia ser tributado pelo ICMS, pois, por mais que seja legítima a incidência do ICMS sobre bens incorpóreos ou imateriais, seria indispensável, para que ocorra o fato gerador do ICMS, a transferência de propriedade do bem, o que não ocorre nas operações com software. Os ministros ressaltaram, também, o fato de que o legislador decidiu por incluir as operações havidas com software na seara do ISSQN, estando tal fato evidenciado pelo subitem 1.05, da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, que prevê a incidência do ISSQN às atividades de licenciamento ou a cessão de direito de uso de programas de computador.
8. Registre-se que os efeitos da decisão das ADIs 5.659/MG e 1.945/MT foram modulados, a contar da publicação da ata de julgamento do mérito em questão, atribuindo eficácia ex nunc, para: “a) impossibilitar a repetição de indébito do ICMS incidente sobre operações com softwares em favor de quem recolheu esse imposto, até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, vedando, nesse caso, que os municípios cobrem o ISS em relação aos mesmos fatos geradores; b) impedir que os estados cobrem o ICMS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito. Ficam ressalvadas (i) as ações judiciais em curso, inclusive de repetição de indébito e execuções fiscais em que se discutam a incidência do ICMS e (ii) as hipóteses de comprovada bitributação, caso em que o contribuinte terá direito à repetição do indébito do ICMS. Por sua vez, incide o ISS no caso de não recolhimento do ICMS ou do ISS em relação aos fatos geradores ocorridos até a véspera da data da publicação da ata de julgamento do mérito, nos termos do voto do Relator (…)”.
9. No presente caso, a Consulente pretende registrar a licença do software adquirida em conta contábil que identifica como “ativo imobilizado intangível”, não se tratando propriamente de dúvida sobre interpretação e aplicação da legislação tributária estadual, mas de dúvida de procedimentos contábeis. A esse respeito, apenas cumpre registrar que a Consulente deve observar as normas de contabilidade vigentes.
10. Por outro lado, embora a escrituração dos créditos de ICMS não tenha sido questionada diretamente pela Consulente, como foram mencionados os artigos 61 e 66 do RICMS/2000, entendemos estar presente a pretensão da Consulente ao crédito do ICMS relativo à entrada de mercadoria destinada ao ativo permanente, descrita no artigo 61, §10, do RICMS/2000.
11. A esse respeito, asseveramos que o direito ao crédito do ICMS encontra fundamento no artigo 155, §2º, inciso I, da CF/1988, chamado princípio da não cumulatividade, segundo o qual o ICMS devido a cada operação ou prestação deve ser compensado com o ICMS anteriormente cobrado.
12. Sobre o princípio da não-cumulatividade, é oportuna a transcrição de excerto da Decisão Normativa CAT 02/2000:
“12 O dispositivo da Lei Complementar nº 87/96 que cuida do princípio constitucional da não-cumulatividade, insculpido no inciso I do §2º do artigo 155 da Lei Maior, diz expressamente:
“Artigo 19 – O imposto é não-cumulativo compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro Estado” (g.n.).
13 No artigo seguinte (20), aquela mesma lei disciplina a aplicação de tal princípio neste sentido:
“Artigo 20 – Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao Ativo Permanente, ou recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação” (g.n.).
14 Na Carta Magna temos, no que tange à tributação de competência dos Estados, mercadorias, serviços e imóveis, os quais possuem tributações específicas e com regras também próprias.
15 Ora, o princípio da não-cumulatividade há de ser entendido somente em relação às operações com mercadorias e prestações de serviços, e nunca nas operações com imóveis, uma vez que estas sujeitam-se ao ITBI. O que existe, na verdade, é a venda de um bem, que não se confunde com o conceito de mercadoria, conforme se verá mais adiante. Então, aquele princípio só pode estar inserido no contexto das operações e prestações sujeitas ao ICMS. E as operações com imóveis jamais terão tal tributação, porque, como dito, estão jungidos a outro tributo. A mesma assertiva vale também para os bens imóveis construídos por meio de pré-moldados. Sempre serão bens imóveis qualquer que seja a forma de construí-los (por administração, por empreitada ou subempreitada, por incorporação, por empreitada mista, etc).
16 Ou seja, aquele princípio não deve ser interpretado de forma global envolvendo diversos tributos, mas sim, e tão-somente, no âmbito das operações sujeitas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
13. Como, no presente caso, a aquisição da licença do software não é tributada pelo ICMS, mas pelo ISSQN, não há que se discutir o direito a crédito do ICMS decorrente de entrada de mercadoria com destino à integração ao ativo não circulante.
14. Por fim, informamos que dúvidas relacionadas ao ISSQN e ao eventual direito ao crédito desse imposto por seus contribuintes devem ser direcionadas ao fisco do Município competente.
15. Com esses esclarecimentos, consideramos dirimidas as dúvidas apresentadas pela Consulente.