Temas tributários de grande relevância e com repercussão na vida de empresas e contribuintes estão na pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal no primeiro semestre. Especialistas ouvidos pela ConJur destacam, entre outros, o fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), quando há empate em favor do contribuinte nos processos. Entre fevereiro e junho, a lista de votações esperadas inclui pelo menos 14 temas da área tributária.
A advogada Bruna Barbosa Luppi, sócia da área tributária do Vieira Rezende Advogados, chama a atenção para o fato de que, a partir de agora, a Corte voltará contar novamente com 11 ministros, por causa da chegada do ministro André Mendonça. Segundo ela, os julgamentos trazem “uma grande atenção acerca da definição de discussões que se alongam no tempo e aguardam solução para o Fisco e os contribuintes”.
“Fica a expectativa não apenas do prestígio aos princípios e comandos constitucionais, sem a interferência de argumentos metajurídicos, mas também da modulação ou não dos efeitos das decisões que venham a ser tomadas. E mais do que isso, como essa modulação será definida pela Suprema Corte, já que ultimamente o que temos visto é bastante criatividade e inovação nos critérios, muitas vezes questionáveis, adotados para a sua aplicação caso a caso, o que obviamente gera uma instabilidade jurídica diante da falta de clareza e incerteza quanto aos custos da tributação e seus limites, refletindo diretamente no ambiente de negócios no Brasil e, consequentemente, na economia nacional”, avalia a especialista.
Destaques da pauta
O advogado tributarista Fernando Lima, sócio do Lavocat Advogados, destaca, como um dos casos mais relevantes do primeiro semestre, os Recursos Extraordinários 949.297 e 955.227, que devem analisar no dia 11 de maio os chamados “processos da coisa julgada”.
“Os processos discutem a possibilidade de reversão do trânsito em julgado, sem o ajuizamento de ação rescisória, nos casos em que há alteração de jurisprudência de tributos de relação continuada. O julgamento já era visto pelos tributaristas como um dos mais importantes de 2021, porém não conseguiu ter início, apesar de pautado para o dia 15 de dezembro do ano passado. O tema impactará fortemente o dia a dia do contribuinte”, detalha.
Renato Aparecido Gomes, advogado tributarista da Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, avalia os impactos de outro julgamento relevante envolvendo multa isolada por compensação tributária. “Diversos processos colocados na pauta pelo STF são temas que já estão aguardando julgamento há algum tempo. Destaco a questão da cobrança da multa isolada, de 50%, pela Receita Federal, nos casos de pedidos de compensação tributária não homologados pelo Fisco. Está em discussão, no Supremo, o fato de essa multa eventualmente infringir o Princípio do Não Confisco”, explica o especialista. O tema será julgado no âmbito da ADI 4.905 e do RE 796.939 e está pautado para o dia 1º de junho.
O tema também foi destacado como importante por Bruna Luppi, já que ele definirá acerca da constitucionalidade da aplicação da multa isolada de 50% por indeferimento de pedido de ressarcimento e compensação não homologada pela Receita Federal, prevista no art. 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96.
Com repercussão geral reconhecida desde 2014, o tema tem um alcance relevante, segundo a advogada, por afetar os contribuintes de forma geral, que amplamente se utilizam de PER/DCOMPs e têm compensações não homologadas no âmbito federal. “Há uma expectativa muito grande quanto ao seu desfecho que, se espera, seja favorável aos contribuintes, na linha do voto já proferido pelo ministro Edson Fachin, a dar solução aos inúmeros processos que envolvem tal cobrança”, avalia.
A continuação do julgamento que definirá a validade do critério de desempate nas votações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), marcada para 23 de março, é outro ponto de atenção para os contribuintes. “As ADIs n. 6.403, 6.399 e 6.415 vão analisar a inconstitucionalidade da extinção do voto de qualidade no Carf, que antes da Lei 13.988/2020 era proferido pelos presidentes da Câmara ou Turma do tribunal, nos casos de empate no julgamento administrativo tributário”, explica Fernando Lima.
Segundo Bruna Luppi, a importância do tema decorre da dimensão dos efeitos da decisão que venha a ser tomada pela Corte, já que todas as decisões do Carf proferidas desde abril de 2020 (quando entrou em vigor a Lei 13.988/20), que tenham aplicado o artigo 19-E da Lei 10.522/02 para decidir e desempatar julgamentos em favor dos contribuintes, poderão ser contestadas pelo Fisco caso tal alteração legislativa venha a ser considerada inconstitucional pelo STF.
No mais, mesmo que a lei seja considerada constitucional, poderá ser fixada tese assegurando à Fazenda Nacional o ajuizamento de ação judicial com o objetivo restabelecer o lançamento tributário, tal como sugerido no voto do ministro Luís Roberto Barroso, proferido no início do julgamento das ADIs.
“Portanto, somente após a definição do STF quanto à constitucionalidade ou não do fim do voto que qualidade no âmbito do Carf é que realmente serão conhecidos todos os possíveis desdobramentos e efeitos decorrentes dessa decisão, e até que isso ocorra, o cenário é de insegurança jurídica”, comentou Luppi.
Conforme Mírian Lavocat, advogada tributarista sócia do Lavocat Advogados, este julgamento será o mais sensível ao processo administrativo fiscal. “Sem o voto de qualidade pró-contribuinte, a essência do processo administrativo se perde, eis que busca essencialmente a verdade material, paralelo aos princípios aplicados ao direito penal, qual seja, o in dubio pro reo. Ressalve-se que nestes quase dois anos de aplicação do voto de qualidade a favor do contribuinte, não identificou-se nenhum tipo de excesso pelo Carf”, avalia Lavocat.
Também dever ser discutida a constitucionalidade da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), instituída pela Lei nº 10.168/00 e posteriormente alterada pela Lei nº 10.332/01, com a finalidade de promover o desenvolvimento tecnológico brasileiro incidente à alíquota de 10% sobre remessas ao exterior para o pagamento de contratos que tenham por objeto licenças de uso e transferência de tecnologia, serviços técnicos e de assistência administrativa, bem como royalties a qualquer título, em razão de vícios de inconstitucionalidade na sua instituição.
“Por envolver discussão antiga, a disputa representa valores bilionários e a expectativa é que caso seja reconhecida a inconstitucionalidade da cobrança, ocorra a modulação dos efeitos da decisão pelo STF, a exemplo do que ocorreu na exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS ¾, de modo a garantir a recuperação de valores somente aos contribuintes que tenham ação judicial ajuizada sobre o tema ao tempo do julgamento, previsto para o dia 18.05.2022”, diz Bruna Luppi.
Apesar do volume de temas, porém, os especialistas afirmam que outros processos importantes ficaram fora da pauta do plenário presencial neste primeiro semestre. “Após a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins no ano passado, aguardávamos a inclusão em pauta do processo que trata da exclusão do ISS dessa base de cálculo. Imaginávamos que por ser uma sequência, já haveria uma definição a respeito disso. Já há um julgamento favorável em favor do contribuinte, mas que ainda aguarda a definição do pedido de vista”, acrescenta Renato Aparecido Gomes.
Veja a lista dos principais temas tributários na pauta do STF no semestre:
Data prevista para julgamento | Assunto | Processo | Relator |
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4 a 11 de fevereiro de 2022 (sessão virtual) | Exclusão dos “bens de informática” da isenção ao Imposto de Importação conferida à Zona Franca de Manaus | ADI 2.399 | Min. André Mendonça |
4 a 11 de fevereiro de 2022 (sessão virtual) | Constitucionalidade da incidência de Imposto de Renda sobre valores recebidos a título de pensão alimentícia | ADI 5.422 | Min. Dias Toffoli |
10 de março de 2022 | Constitucionalidade do art. 83 da Lei 9.430/1996, com redação dada pela Lei 12.350/2010, que trata da representação fiscal para fins penais nos crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social, após o exaurimento do processo administrativo fiscal | ADI 4.980 | Min. Nunes Marques |
16 de março de 2022 | Extensão de tratamento tributário diferenciado do programa REPORTO-RIO (isenção de ICMS) para o reequipamento portuário) | ADI 3.667 | Min. Luiz Fux |
17 de março de 2022 | Redução dos percentuais de restituição, pelo Reintegra, de resíduos tributários remanescentes na cadeia de produção de bens importados | ADI 6.040 e ADI 6.055 | Min. Gilmar Mendes |
23 de março de 2022 | Fim do voto de qualidade nos julgamentos de processos administrativos no Carf em que há empate (art. 28 da Lei 13.998/2020) | ADI 6.399, ADI 6.403 e ADI 6.415 | Min. André Mendonça |
20 de abril de 2022 | Embargos de Declaração sobre Acórdão que declarou constitucional a incidência do ICMS sobre o valor pago a título de assinatura básica mensal pelo serviço de telefonia | RE 91.2888 (Tema 827) | Min. Alexandre de Moraes |
05 de maio de 2022 | Constitucionalidade da CPRB para o setor de agroindústrias em substituição à contribuição sobre a remuneração paga, devida ou creditada pela empresa | RE 611.601 (Tema 281) | Min. Dias Toffoli |
05 de maio de 2022 | Constitucionalidade da incidência da Constituição ao Senar sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, e não sobre a folha de salários | RE 816.830 (Tema 801) | Min. Dias Toffoli |
05 de maio de 2022 | Sub-rogação dos agropecuaristas como contribuintes da Contribuição ao Funrural sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, em substituição à contribuição patronal sobre a folha de salários | ADI 4.395 | Min. Gilmar Mendes |
11 de maio de 2022 | Limites e efeitos das decisões do STF em controle da constitucionalidade sobre coisa julgada em matéria tributária | RE 949.297 (Tema 881) | Min. Edson Fachin |
18 de maio de 2022 | Incidência da Cide nas remessas feitas ao exterior | RE 928.943 (Tema 914) | Min. Luiz Fux |
19 de maio de 2022 | Instituição da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM) pelo Estado de Minas Gerais – Lei n° 19.976/2011 | ADI 4.785 | Min. Edson Fachin |
19 de maio de 2022 | Instituição da TFRM pelo Estado do Pará – Lei 7.591/2011 | ADI 4.786 | Min. Nunes Marques |
19 de maio de 2022 | Instituição da TFRM pelo Estado do Amapá – Lei 1.613/2011 | ADI 4.787 | Min. Luiz Fux |
1° de junho de 2022 | Imposição de multa isolada de 50% sobre o valor de crédito tributário objeto de indeferimento de pedido de ressarcimento e compensação não homologada pela Receita Federal, prevista no art. 74, §§ 15 e 17, da Lei 9.430/96 | ADI 4.905 RE 796.939 (Tema 736) | Min. Edson Fachin |
Revista Consultor Jurídico, 31 de janeiro de 2022.
https://www.conjur.com.br/2022-jan-31/stf-analisar-temas-tributarios-relevantes-primeiro-semestre