O Tribunal de Justiça de São Paulo tem negado imunidade de ITBI para empresas do setor imobiliário e holdings patrimoniais na transferência de imóveis para composição de capital social. Nesses casos, o tribunal não considerou parte do voto do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, relator de um recurso extraordinário sobre o alcance do ITBI sobre o valor que excede o capital integralizado por meio de imóvel (RE 796.376). Na ocasião, o Supremo decidiu que a imunidade, prevista pelo artigo 156, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição, vale apenas para o valor integralizado, e não para aquele que o exceder.
Relator do recurso no STF, Alexandre, no entanto, fez uma distinção entre duas hipóteses previstas no dispositivo. São elas: a imunidade de ITBI “sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital” e a sobre “transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Assim, o voto do ministro sugere que a exceção contida na segunda hipótese (pessoa jurídica com atividade preponderantemente imobiliária, o que afasta a imunidade tributária) se refere apenas aos casos de transmissão de bens e direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. E não à hipótese de integralização do capital social, que está na primeira parte do dispositivo constitucional.
“Nesses últimos casos [segunda parte do dispositivo], há, da mesma forma, incorporação de bens, mas que decorre da ‘incorporação que é uma operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações’ (art. 227 da Lei 6.404/1976 – Lei de Sociedades Anônimas); cisão — operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais empresas (art. 229 da Lei das S.A); ou fusão — operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma nova sociedade que lhe sucederá em todos os direitos e obrigações (art. 228 da Lei das S.A.)”, disse o ministro.
A partir dessa distinção constante no voto de Alexandre de Moraes — acolhido pela maioria —, tributaristas têm entendido que pessoas jurídicas do ramo imobiliário e holdings patrimoniais têm imunidade de ITBI, caso integralizem capital social com imóveis. Mas o Judiciário paulista vem rechaçando esse entendimento.
Em um dos julgamentos, a 18ª Câmara de Direito Público negou a imunidade de ITBI a uma holding do município de Brotas. A empresa alegou que, embora o RE 796.376 tenha tratado de situação diversa, criou-se uma possibilidade de imunidade para pessoas jurídicas com atividades imobiliárias — ou seja, o ministro Alexandre de Moraes, ao esclarecer detalhes do voto, disse que a integralização de capital de uma pessoa jurídica com a entrega de bens é imune ao ITBI, tenha ela atividade preponderantemente imobiliária ou não.
Porém, segundo o relator, desembargador Ricardo Chimenti, as considerações do ministro Alexandre de Moraes sobre a aplicação incondicional da regra foram apenas a título obter dictum, “sem qualquer caráter vinculante”, devendo prevalecer o entendimento de que a imunidade “não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição” (artigo 37 do CTN).
Em outro julgamento da 18ª Câmara, também sob relatoria do desembargador Ricardo Chimenti, foi dado provimento ao recurso do município de Campinas para reformar sentença de primeiro grau que havia garantido a imunidade de ITBI a uma administradora de imóveis. Novamente, o entendimento foi que a tese do RE 796.376 não se aplica a empresas com atividades imobiliárias.
“Há que se levar em consideração o disposto no artigo 37, caput, do CTN, que repete a ressalva constitucional quanto à atividade preponderante, não havendo qualquer contradição ou conflito entre os motivos determinantes do acórdão proferido no RE 796.376 e a exigibilidade do ITBI no caso concreto, notadamente porque naquele processo o objeto da controvérsia restringiu-se à legalidade da cobrança do ITBI sobre o valor excedente dos bens integralizados ao capital social”, disse o relator.
Conforme Chimenti, não há efeito vinculante na fundamentação adotada pelo Supremo no RE 796.376, pois a menção de que o artigo 156, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal estabeleceria duas hipóteses de imunidade do ITBI, uma incondicionada (para os casos de mera integralização de quotas sociais por meio de bem imóvel), e outra condicionada (para as hipóteses de cisão, fusão, incorporação e extinção de pessoa jurídica, desde que sua atividade preponderante não recaísse sobre compra e venda dos bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil), “se consubstanciou em mera questão obter dicta (argumento de passagem, em nada relacionado ao objeto da causa)”.
Decisões monocráticas
O desembargador Octavio Machado de Barros, da 14ª Câmara de Direito Público, em decisão monocrática, negou liminar a uma holding patrimonial do município de Sorocaba que pedia, com base no RE 796.376, a dispensa do recolhimento do ITBI, em razão do registro da integralização de imóvel ao seu capital social, independentemente da atividade por ela exercida.
Mas, na visão do magistrado, a questão relativa à imunidade incondicionada na integralização de capital não era o tema central do julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE 796.376 e, por isso, “em juízo de cognição sumária, ressente-se de eficácia vinculante”.
O mesmo entendimento foi adotado pelo desembargador Amaro Thomé, da 15ª Câmara de Direito Público. Ao negar liminar pleiteada por uma administradora de imóveis do município de Itu, o magistrado citou a ausência de provas de que a atividade preponderante da empresa não seria a compra e venda de bens ou locação de imóveis, o que poderia afastar a incidência da tese do RE 796.376.
Em outro caso de indeferimento de liminar, o desembargador Ricardo Chimenti, da 18ª Câmara de Direito Público, também citou a ausência de documentos sobre a atividade preponderante da autora, uma empresa de empreendimentos e participações do município de Votorantim. Esse caso está com julgamento virtual em andamento pelo colegiado.
“Quanto ao julgamento do RE 796.376, observo que naquele a controvérsia restringiu-se à legalidade da cobrança do ITBI sobre o valor excedente dos bens integralizados ao capital social, sendo certo que eventuais considerações acerca da aplicação incondicional da regra imunizante à conferência de bens parecem ter sido feitas apenas a título obter dictum, sem qualquer caráter vinculante e sem integrar a ratio decidendi”, afirmou Chimenti na decisão monocrática.
1015270-64.2021.8.26.0405
1000274-21.2021.8.26.0095
2249194-19.2021.8.26.0000
2250422-29.2021.8.26.0000
2213187-28.2021.8.26.0000
Revista Consultor Jurídico, 15 de janeiro de 2022.
https://www.conjur.com.br/2022-jan-15/tj-sp-negado-imunidade-itbi-holding-empresas-imobiliarias