IRPF. CONTRIBUINTE PORTADOR DE DOENÇA GRAVE RELACIONADA EM LEI. PROVENTOS DE APOSENTADORIA ISENTOS. DIREITO À RESTITUIÇÃO. Os questionamentos hipotéticos não foram admitidos, por ausência de interesse e oportunidade. Os rendimentos de aposentadoria percebidos pelo contribuinte portador de neoplasia maligna, a partir da data constante de laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, são isentos do imposto sobre a renda. A ocorrência do evento morte após o recebimento desses rendimentos não altera a sua natureza jurídica. O direito subjetivo à restituição decorrente da tributação de rendimento de aposentadoria de portador de moléstia já falecido não depende da condição de quem irá recebê-la. Data: 13/01/2022.
Dispositivos Legais: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN), arts. 111, inciso II, e 144; Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, art. 6º, inciso XIV; Instrução Normativa RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, arts. 6º, caput, inciso II e § 4º, e 82, caput e parágrafo único, inciso II; Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 26, de 26 de dezembro de 2003, e Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018, arts. 2º a 4º.
Relatório
A Delegacia da Receita Federal do Brasil em Araraquara (DRF/AQA) formulou consulta (fls. 2 a 4) relativa à legislação do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF).
2. Informou que um contribuinte faleceu em 31 de julho de 2017 e que foram apresentadas, em 8 de junho de 2018, Declarações de Ajuste Anual (DAA) retificadoras dos exercícios de 2015 a 2018. Acrescentou que foi apresentado laudo médico, emitido em 21 de maio de 2018 por serviço médico oficial, no qual constaria doença grave (neoplasia maligna), com início em 2013, na forma do inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 dezembro de 1988 (fl. 2).
3. Alegou que o Parecer nº 40 – SRRF08/Disit, de 12 de setembro de 2018, seria divergente da Solução de Consulta nº 11 – SRRF/3ª RF/Disit, de 22 de julho de 2008, e do Acórdão nº 2201-002.821 – 2ª Câmara/1ª Turma Ordinária, de 28 de janeiro de 2016.
4. Perguntou:
4.1. “Se o contribuinte tivesse falecido em 2018, após a apresentação das retificações das DIRPFs, as quais ficariam retidas em malha por omissão de rendimentos, a isenção poderia ou não ser reconhecida?”
4.2. “Se o contribuinte tivesse falecido em junho/2017, após a apresentação das retificações das DIRPFs dos exercícios 2014 a 2017, como seriam tratadas as restituições pleiteadas nas DIRPFs retificadoras e a restituição pleiteada na DIRPF/2018 apresentada após o falecimento, ou seja apresentada pelo inventariante?”
4.3. “O art. 6º da Lei nº 7.713/88 dispõe que ‘Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:’. Se o rendimento (aposentadoria) foi recebido pelo contribuinte portador de moléstia grave (pessoa física) enquanto vivo, esse rendimento estaria enquadrado como isento?”
4.4. “Se o art. 111 da Lei nº 5.172/1966 determina que deve ser interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de isenção e o art. 6º da Lei nº 7.713/88 dispõe que ‘Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:”, pergunto: a isenção não seria dos rendimentos percebidos pelo contribuinte enquanto vivo, independentemente de quem irá receber a restituição?”
5. Indicou como fundamentação legal o inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988; o art. 11 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN); o Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 26, de 26 de dezembro de 2003; a Solução de Consulta nº 11 – SRRF-3ª RF/Disit, de 2008; o Acórdão nº 2201-002.821 – 2ª Câmara/1ª Turma Ordinária, de 2016; e o Parecer nº 40 – SRRF08/Disit, de 2018.
6. Passou a propor solução à consulta, afirmando que, com base naquilo que indicou como fundamentação legal, entende que:
6.1. “O falecimento do contribuinte não altera a natureza do rendimento por ele recebido, podendo ser enquadrado como rendimento isento quando comprovado que o contribuinte era portador de moléstia grave;”
6.2. “se os rendimentos foram recebidos em vida pelo contribuinte o direito à isenção, em razão de moléstia grave, pode ser pleiteado por meio de retificação de DIRPF apresentada pelo inventariante;”
6.3. “a retificação de DIRPF após o falecimento não é motivo para não reconhecer o direito à isenção”;
6.4. “o laudo médico pericial emitido por serviço médico oficial é documento hábil para comprovar a condição de portador de moléstia grave, mesmo que tenha sido emitido após o falecimento do contribuinte”.
7. A Sra. Chefe da SRRF08/Disit admitiu a consulta, por entender que ela atenderia aos requisitos previstos nos arts. 2º a 4º da Portaria RFB nº 1.936, de 6 de dezembro de 2018 (fl. 8).
Fundamentos
8. Os já mencionados arts. 2º a 4º da Portaria RFB nº 1.936, de 2018, preveem:
“Art. 2º A Consulta Interna pode ser formulada pelas:
I – Coordenações-Gerais e demais órgãos das unidades centrais;
II – Disit das SRRF; e
III – Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ).
§ 1º A formulação de Consulta Interna não sobrestará a análise ou o julgamento de processos nem suspenderá o exercício de atividades de fiscalização ou de cobrança que tratem da mesma matéria consultada.
§ 2º As unidades descentralizadas poderão encaminhar minuta de Consulta Interna às Disit da SRRF, que as formularão, conforme consta do caput.
§ 3º A Cosit poderá encaminhar a Consulta Interna formulada pela Disit à unidade central competente em razão da matéria, para fins de aditamento da consulta ou modificação da solução proposta.
§ 4º Compete à Coordenação-Geral de Contencioso Administrativo e Judicial (Cocaj) a Consulta Interna sobre divergências verificadas entre decisões proferidas no âmbito das DRJ ou entre decisões proferidas por estas e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). (Incluído(a) pelo(a) Portaria RFB nº 39, de 21 de janeiro de 2019)
§ 5º As unidades deverão informar à Cocaj as divergências verificadas, a fim de que esta elabore a Consulta Interna, nos termos do § 4º. (Incluído(a) pelo(a) Portaria RFB nº 39, de 21 de janeiro de 2019)
Art. 3º As Consultas Internas serão encaminhadas à Cosit depois de expressamente admitidas pelo coordenador-geral, pelo titular das demais unidades centrais ou pelo chefe da Disit da SRRF.
Parágrafo único A admissão nos termos do caput levará em consideração o interesse e a oportunidade da Consulta Interna e não elide sua não admissibilidade pela Cosit conforme definido em ato específico.
Art. 4º A unidade consulente deverá observar, na elaboração da Consulta Interna, as seguintes regras:
I – o caso concreto objeto da consulta deve ser descrito em tese, a fim de que os dispositivos interpretados e a orientação dada ao caso possam ser aplicados de forma genérica, ressalvado o disposto no art. 7º;
II – os questionamentos devem ser formulados de forma clara, precisa e objetiva, de acordo com o Manual de Redação e Elaboração de Atos Administrativos da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com numeração sequencial incluída pela consulente e com a indicação dos dispositivos normativos sobre os quais há dúvida de interpretação; e
III – a unidade consulente deve propor a solução que reputar adequada para o caso, e indicar os fundamentos legais que a sustentam.” [grifos não constam do original]
9. Preliminarmente, convém destacar que o Parecer nº 40 – SRRF08/Disit, de 2018, a Solução de Consulta nº 11 – SRRF/3ª RF/Disit, de 2008, e o Acórdão nº 2201-002.821 – 2ª Câmara/1ª Turma Ordinária, de 2016, não são dispositivos da legislação tributária, não podendo, portanto, ser fundamento legal da presente consulta e serão desconsiderados.
10. Além disso, o interessado, em sua solução proposta, trata de assuntos não questionados ou desenvolvidos por ele. Não foi questionado, nem apresentado qualquer dispositivo que ensejasse dúvida sobre pleito de restituição por apresentação de retificadora, nem sobre laudo médico pericial ser documento hábil para comprovação de moléstia grave.
11. Passa-se a analisar as perguntas formuladas, começando-se por aquela transcrita no subitem 4.1. O interessado questionou sobre consequências advindas de hipotética morte do contribuinte em 2018, e não em 2017, como de fato ocorreu. O inciso I do art. 4º da Portaria RFB nº 1.936, de 2018, determina que o caso concreto objeto da consulta seja descrito em tese. Isso demonstra que a consulta interna não se aplica a casos hipotéticos, não havendo, portanto, interesse, nem oportunidade, no sentido de utilidade, na solução dessa pergunta, na forma do parágrafo único do art. 3º da Portaria, o que leva à sua não admissão. Do mesmo modo, o questionamento reproduzido no subitem 4.2, que trata de hipotéticas retificações anteriores à morte do interessado, não será admitido.
12. Na indagação constante do subitem, 4.3, o interessado quer saber se o rendimento recebido pelo contribuinte portador de moléstia grave “enquanto vivo” estaria enquadrado como isento. O art. 144 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional (CTN) esclarece:
“Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.”
13. O inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, dispõe:
“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
I – (…)
(…)
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004)
XV – (…)
(…)” [grifos não constam do original]
14. Esse dispositivo legal está reproduzido no inciso II do art. 6º da Instrução Normativa RFB nº 1.500, de 29 de outubro de 2014, cujo § 4º estabelece:
“Art. 6º São isentos ou não se sujeitam ao imposto sobre a renda, os seguintes rendimentos originários pagos por previdências:
§ 1º (…)
(…)
§ 4º As isenções a que se referem os incisos II e III do caput, desde que reconhecidas por laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, observado o disposto no § 7º do art. 62, aplicam-se: (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1869, de 25 de janeiro de 2019)
I – aos rendimentos recebidos a partir:
a) do mês da concessão da aposentadoria, reforma ou pensão, quando a moléstia for preexistente;
b) do mês da emissão do laudo pericial, se a moléstia for contraída depois da concessão da aposentadoria, reforma ou pensão; ou
c) da data, identificada no laudo pericial, em que a moléstia foi contraída, desde que correspondam a proventos de aposentadoria, reforma ou pensão;
II – aos rendimentos recebidos acumuladamente por pessoa física com moléstia grave, desde que correspondam a proventos de aposentadoria, reforma ou pensão, ainda que se refiram a período anterior à data em que foi contraída a moléstia grave; e (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)
III – à complementação de aposentadoria, reforma ou pensão recebida por pessoa física com moléstia grave. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)
§ 5º O laudo pericial a que se refere o § 4º deve conter, no mínimo, as seguintes informações:
I – o órgão emissor;
II – a qualificação da pessoa física com moléstia grave; (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)
III – o diagnóstico da moléstia (descrição; CID-10; elementos que o fundamentaram; a data em que a pessoa física é considerada com moléstia grave, nos casos de constatação da existência da doença em período anterior à emissão do laudo); (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)
IV – caso a moléstia seja passível de controle, o prazo de validade do laudo pericial ao fim do qual a pessoa física com moléstia grave provavelmente esteja assintomática; e (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1756, de 31 de outubro de 2017)
V – o nome completo, a assinatura, o nº de inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM), o nº de registro no órgão público e a qualificação do(s) profissional(is) do serviço médico oficial responsável(is) pela emissão do laudo pericial.” [grifos não constam do original]
15. Ou seja, os rendimentos de aposentadoria percebidos pelo contribuinte portador de neoplasia maligna, a partir da data constante de laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, são isentos do imposto sobre a renda, na forma do inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713, de 1988, matriz legal do inciso II do art. 6º da IN RFB nº 1.500, de 2014, combinado com o § 4º desse mesmo artigo. A ocorrência do evento morte após o recebimento desses rendimentos não altera a sua natureza jurídica, tendo em vista o disposto no art. 144 do CTN.
16. O art. 82 da IN RFB nº 1.500, de 2014, prevê:
“Art. 82. Eventuais erros ou omissão de informações verificados na DAA, depois de sua apresentação, devem ser retificados pelo contribuinte por meio de declaração retificadora, desde que não esteja sob procedimento de ofício, independentemente de autorização administrativa.
Parágrafo único. A declaração retificadora referida no caput:
I – tem a mesma natureza da declaração originariamente apresentada, substituindo-a integralmente, devendo conter todas as informações anteriormente declaradas com as alterações e exclusões necessárias, bem como as informações adicionadas, se for o caso; e
II – será processada, inclusive para fins de restituição, em função da data de sua entrega.” (grifos não constam do original)
17. O interessado fez alusão ao ADI SRF nº 26, de 26 de dezembro de 2003, do qual é transcrito a seguir o seu artigo único:
“Artigo único. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda, devendo ser tributados na fonte e na Declaração de Ajuste Anual ou na Declaração Final de Espólio, os proventos de aposentadoria ou reforma e valores a título de pensão de portador de moléstia grave recebidos pelo espólio ou por seus herdeiros, independentemente de situações de caráter pessoal.” [grifos não constam do original]
18. O que se extrai do dispositivo é que o provento de aposentadoria recebido por portador de moléstia grave é isento. Por outro lado, se, por algum motivo, atraso ou litígio por exemplo, esse rendimento for pago posteriormente à morte do aposentado, ao espólio ou o herdeiro, não haverá isenção, pois o fato gerador ocorre no momento do recebimento do rendimento pelo espólio ou herdeiro, quando as condições para a isenção devem ser verificadas e a isenção deve ser interpretada literalmente, em atenção ao inciso II do art. 111 do CTN.
19. Respondendo às perguntas formuladas, a primeira e a segunda perguntas não foram admitidas. A terceira já foi respondida no item 13. No que diz respeito à quarta, o rendimento recebido pelo sujeito passivo é isento. Se houve pagamento indevido do imposto, o direito subjetivo à sua restituição não depende da condição de portador de moléstia grave de quem vai recebê-la.
Conclusão
20. Os questionamentos hipotéticos não foram admitidos, por ausência de interesse e oportunidade.
21. Os rendimentos de aposentadoria percebidos pelo contribuinte portador de neoplasia maligna, a partir da data constante de laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, dos estados, do Distrito Federal ou dos municípios, são isentos do imposto sobre a renda. A ocorrência do evento morte após o recebimento desses rendimentos não altera a sua natureza jurídica.
22. O direito subjetivo à restituição decorrente da tributação de rendimento de aposentadoria de portador de moléstia já falecido não depende da condição de quem irá recebê-la.