ICMS – Instituição de educação e assistência social – Imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal de 1988 – Incidência. I. A imunidade constitucional estabelecida pelo artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal é prevista apenas para as hipóteses em que os impostos recaem diretamente sobre o patrimônio, a renda e os serviços das instituições sem fins lucrativos. II. O ICMS, afora as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre patrimônio, renda e serviços. III. Para fins de enquadramento como contribuinte do ICMS, a caracterização do intuito comercial depende da habitualidade ou do volume de operações relativas à circulação de mercadorias, e não do caráter assistencial ou educacional previsto para a pessoa que praticar as operações. IV. Ao praticarem operações relativas à circulação de mercadorias, os estabelecimentos filiais da Consulente, mesmo que revertam integralmente sua renda para as obras sociais e educacionais da Consulente, se enquadram na condição de contribuintes do ICMS, estando obrigados à inscrição no cadastro de contribuintes deste Estado e ao cumprimento das obrigações principal e acessórias previstas na legislação do imposto estadual. V. Desde que preenchidos os requisitos do artigo 31 do Anexo I do RICMS/2000, a entidade assistencial ou de educação poderá aplicar a isenção na saída de mercadoria de produção própria. Data: 04/09/2021.
Relato
1. A Consulente se apresenta como associação, de natureza beneficente, de caráter religioso, educacional e cultural, sem fins econômicos e sem fins lucrativos, com atividade preponderante na área da educação.
2. Declara dedicar-se à prestação de assistência aos cidadãos que se encontram em situação de risco e vulnerabilidade social, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor, idade e credo religioso, através de suas obras beneficentes, com atividades preponderantes na área da educação.
3. Após tecer considerações sobre as atividades beneficentes realizadas na área da educação, a Consulente informa manter estabelecimentos filiais (integrantes da instituição e, portanto, da mesma pessoa jurídica – mesmo CNPJ base) que funcionam como lojas para vendas de uniformes e cantinas para vendas de alimentos, para custeio e obtenção de recursos para as finalidades estatutárias da Instituição.
4. Isto posto, com base no artigo 150, inciso VI da Constituição Federal de 1988, bem como no artigo 9º, inciso IV do Código Tributário Nacional, requer o reconhecimento da imunidade tributária pertinente a qualquer recolhimento de ICMS em favor da Consulente (mantenedora) e de suas filiais, inclusive sobre as filiais que vierem a ser abertas em momento oportuno, considerando que as operações comerciais das lojas e cantinas seriam formas de custeio para as finalidades estatutárias desta Instituição.
5. Por fim, em prol de seu pleito, observa que o artigo 7º, VII, alínea “c”, do Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto Estadual Paulista nº 45.490/2000, determina que o imposto não incide sobre a saída e o correspondente retorno de equipamentos e materiais, promovidos por instituições de educação ou de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei, utilizados exclusivamente nas operações vinculadas às suas atividades ou finalidades essenciais.
Interpretação
6. Inicialmente, cabe esclarecer que este Órgão Consultivo tem entendido, em análise aos critérios estabelecidos pelo artigo 150, inciso VI, alínea “c”, e § 4º, da Constituição Federal, que esse dispositivo constitucional proíbe, tão-somente, a cobrança de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das entidades ali especificadas.
7. A imunidade constitucional referida é prevista apenas para as hipóteses que gravam diretamente o patrimônio, a renda e os serviços dessas entidades, como acontece com o Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), que recaem sobre o patrimônio, ou com o Imposto de Renda – Pessoa Jurídica, que grava a renda auferida em determinado período. Ressalte-se que, nesses casos, a imunidade será aplicada quando o objeto da obrigação tributária, a ser afastada, estiver necessariamente relacionado com as finalidades essenciais da entidade.
8. O ICMS, afora as prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e de comunicação, tem como objeto as operações relativas à circulação de mercadorias, não se enquadrando, assim, no conceito de impostos sobre o patrimônio, a renda e serviços. Dessa maneira, o ICMS não se encontra sob o abrigo da imunidade prevista no artigo 150, VI, “c”, da Constituição Federal.
9. Essa interpretação encontra respaldo nas reflexões do Professor Sacha Calmon Navarro Coêlho, em sua obra: “Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário”, 6ª edição, página 349:
“A imunidade das instituições de educação e assistência social as protege da incidência do IR, dos impostos sobre o patrimônio e dos impostos sobre serviços, não de outros, quer sejam as instituições contribuintes ‘de jure ou ‘de facto. Destes outros só se livrarão mediante isenção expressa, uma questão diversa”.
10. Nesse sentido, cumpre salientar que o caráter assistencial/educacional da Consulente está diretamente relacionado com seu objetivo principal. Todavia, para fins de caracterização como contribuinte do ICMS, a deflagração do intuito comercial depende da habitualidade ou do volume de operações relativas à circulação de mercadorias, e não resvala na finalidade assistencial prevista para a entidade. Nesse sentido, dispõe o artigo 9º e 19 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto 45.490/2000, RICMS/2000:
“Artigo 9º – Contribuinte do imposto é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que de modo habitual ou em volume que caracterize intuito comercial, realize operações relativas à circulação de mercadorias ou preste serviços de transporte interestadual ou intermunicipa l ou de comunicação (Lei 6.374/89, art. 7º, na redação da Lei 9.399/96, art. 1°, III)”.
[…]
“Artigo 19 – Desde que pretendam praticar com habitualidade operações relativas à circulação de mercadoria ou prestações de serviço de transporte interestadual ou intermunicipal ou de comunicação, deverão inscrever-se no Cadastro de Contribuintes do ICMS, antes do início de suas atividades:
[…]
XII – os partidos políticos e suas fundações, os templos de qualquer culto, as entidades sindicais de trabalhadores, as instituições de educação ou de assistência social, sem fins lucrativos.;
[…]”.
11. Depreende-se do relato que a Consulente, associação educacional e cultural sem fins lucrativos, possui estabelecimentos filiais voltados à realização de atividades comerciais de venda de mercadorias a consumidor final (lojas de vestuário e restaurantes) com o intuito de lucro nessas atividades comerciais, para assim angariar recursos financeiros que serão integralmente aplicados nos objetivos sociais da entidade e sua própria manutenção.
12. Diante do exposto, ainda que se caracterize como instituição de educação sem fins lucrativos e mesmo revertendo a renda de seus estabelecimentos filiais para obras sociais/educacionais, tais estabelecimentos se enquadram na condição de contribuinte do imposto, nos termos do artigo 9º transcrito, na medida em que comercializam mercadorias de forma habitual. E, assim, os estabelecimentos que praticarem as referidas operações devem manter inscrição no cadastro de contribuintes deste Estado e submeter-se a todas as demais regras do RICMS/2000, inclusive quanto às respectivas obrigações acessórias estabelecidas nesse regulamento, como a emissão de Nota Fiscal (artigo 498 do RICMS/2000)
13. Quanto à não incidência prevista no artigo 7º, VII, alínea “c”, do Regulamento do ICMS aprovado pelo Decreto Estadual Paulista nº 45.490/2000, tal dispositivo é inaplicável ao caso em questão, tendo em vista que se refere à saída e o correspondente retorno de equipamentos e materiais, promovidos por instituições de educação ou de assistência social, sem fins lucrativos e utilizados exclusivamente nas operações vinculadas às suas atividades ou finalidades essenciais, não guardando nenhuma relação com a situação ora tratada de vendas de mercadorias por parte de estabelecimentos filiais da Consulente que operam como lojas de vestuário e restaurantes.
14. Por fim, a título meramente colaborativo, recorda-se que o artigo 31 do Anexo I do RICMS/2000 prevê a possibilidade de isenção sobre a saída de mercadoria de produção própria promovida por instituição de assistência social ou de educação, condicionada, no entanto, ao reconhecimento por esta Secretaria da Fazenda, a pedido da interessada. Desse modo, preenchendo os requisitos do artigo citado, a Consulente poderá aplicar a referida isenção nas saídas de mercadoria de produção própria que realizar.