Esclarecimento da Receita Federal pode livrar empresas da pena de perdimento das mercadorias importadas.
As tradings que importam produtos sob encomenda não precisam identificar, na Declaração de Importação, o consumidor final beneficiário, o chamado “encomendante do encomendante”. O posicionamento da Receita Federal está na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 158, que orienta os fiscais do país.
Algumas empresas do setor chegaram a sofrer pena de perdimento das mercadorias importadas por interposição fraudulenta por não declarar o destinatário final. Se a autuação é aplicada após a mercadoria sair da alfândega, a trading recebe uma multa de 100% do valor do bem e o importador uma multa de 10%, além de poder responder por crime de descaminho.
Segundo a Receita, a importação por encomenda envolve, usualmente, apenas dois agentes econômicos: o importador por encomenda e o encomendante predeterminado, que são, respectivamente, o contribuinte e o responsável solidário pelos tributos incidentes.
“A presença de um terceiro envolvido – o encomendante do encomendante predeterminado – não é vedada pela legislação, não descaracteriza a operação de importação por encomenda, e, portanto, não é obrigatória sua informação na Declaração de Importação, desde que as relações estabelecidas entre os envolvidos na importação indireta representem transações efetivas de compra e venda de mercadorias”, diz a solução de consulta.
Segundo o advogado Carlos Eduardo Navarro, sócio do Galvão, Villani, Navarro e Zangiácomo Advogados, há empresas que sofreram autos de infração. Ele assessora uma do setor de cosméticos que comprou produtos importados de um encomendante e foi autuada em 100% do valor da mercadoria. O caso está no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “A tendência é que com essa orientação, esses autos de infração caiam”.
De acordo com Navarro, sempre houve dúvida se a trading deveria investigar para quem o encomendante vendeu o produto. “Com essa solução de consulta, isso fica resolvido”, diz. Se a trading apenas informar os dados do encomendante, já está tudo certo para ela. “O encomendante do encomendante não precisa ser notificado na Declaração de Importação”, diz.
A não identificação do encomendante final não caracteriza, segundo o órgão, “acobertamento de reais intervenientes ou beneficiários, de que trata o artigo 33 da Lei nº 11.488, de 2007, desde que as relações estabelecidas entre todas as partes sejam legítimas, com comprovação da origem, disponibilidade e transferência dos recursos utilizados”.
Assim, a simples vinculação societária entre empresas nacionais envolvidas em operação legítima de importação por encomenda, “ não se confunde com a figura da infração de ocultação do sujeito passivo mediante fraude, simulação ou interposição fraudulenta”.
Desde os anos 2000, a Receita Federal tem fiscalizado com mais rigor as importações para identificar transações suspeitas, que podem envolver lavagem de dinheiro, valores do tráfico de drogas ou de corrupção, segundo o advogado Eduardo Bomfim, sócio do Lee, Brock, Camargo Advogados. “Existem restrições e requisitos para que não se esconda o real beneficiário por meio de laranjas, por quem não tem capacidade de importar ou não tenha origem do dinheiro reconhecida”, diz.
Para ele, a Receita não poderia exigir da trading informações sobre o encomendante do encomendante. “Até porque não existe previsão legal para pedir mais do que isso e, muitas vezes, se importa sob encomenda, mas ainda não há destinatário final certo para aquela mercadoria”, diz.
Valor Econômico – Por Adriana Aguiar — De São Paulo, 08/10/2021.