A decisão do RE 1.063.187 proferida pelo STF considerou inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa Selic recebida pelo contribuinte na repetição do indébito.
Especialistas ouvidos pela ConJur consideraram positiva a decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inconstitucional a incidência do imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sobre a taxa Selic (juros de mora e correção monetária) recebida pelo contribuinte na repetição do indébito.
No entanto, eles preveem que o movimento de contribuintes que buscarem reparação dos pagamentos agora considerados indevidos pelo STF pode ensejar novas discussões que, talvez, requeiram manifestação da própria Corte ou da Receita Federal sobre como se dará a compensação, já que não houve modulação dos efeitos da decisão.
“O entendimento não poderia ser mais acertado”, disse o advogado Heleno Taveira Torres, em artigo publicado na ConJur ainda na quinta-feira (23/9), logo após a Corte formar maioria de seis votos para aprovar a inconstitucionalidade.
Professor titular de Direito Financeiro e livre-docente em Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP e ex-vice-presidente da International Fiscal Association (IFA), Torres entende que, a partir do reconhecimento judicial da inconstitucionalidade de uma dada exação (cobrança), espontaneamente paga ou coercitivamente exigida pela Administração Fazendária, “não há que se falar, de certo, em devolução de ‘tributo’ propriamente dito”.
“Diversamente, tem-se o indébito tributário, objeto prestacional de obrigação de direito público, no âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado, orientada a recompor os danos decorrentes de ilícitos praticados por seus agentes”, explica.
Segundo ele, “quando os sujeitos passivos promovem recolhimentos de tributos posteriormente reputados inconstitucionais pelo Poder Judiciário, impõe-se verdadeiro dever jurídico de reparação do Estado. Tudo a garantir estabilidade às relações firmadas entre Fisco e sujeitos passivos da tributação, mediante vedação — a mais ampla possível — do enriquecimento ilícito do erário”.
É o que pensa também o advogado Alexandre Monteiro, sócio do Bocater Advogados. Segundo ele, o Supremo demonstrou estar formando um precedente ao reconhecer, assim como no caso dos juros de mora por atraso de pagamento salarial para pessoas físicas, que esse tipo de pagamento é mera compensação pelos danos sofridos, e não acréscimo de patrimônio ou lucro.
“Considerando que os juros moratórios, geralmente, correspondem à aplicação da Selic sobre o indébito tributário, o julgamento é particularmente relevante em um cenário recente em que a Selic representa valor inclusive inferior aos índices de correção monetária (IGP-M e IPCA), de modo que eventual incidência de imposto de renda acabaria representando cobrança de tributo sobre recursos que meramente recomponham a erosão da moeda”, opina.
José Eduardo Tellini Toledo, sócio do Madrona Advogados, lembra que o impacto da discussão é enorme para os contribuintes, principalmente se for considerada a recuperação dos valores da chamada “tese do século” (exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins), além de várias outras situações nas quais a recuperação do que foi pago indevidamente sofreu a incidência da taxa Selic e, consequentemente, a incidência do IR e da CSLL.
“Certamente, o que deverá ser motivo de atenção é como a Receita Federal do Brasil irá interpretar a manifestação do STF para as empresas que não ajuizaram qualquer medida judicial e venham a apurar os valores da taxa Selic posteriormente ao julgamento (ainda que referente a anos anteriores). Isso porque não é impossível que a RFB limite esses valores, considerando como não estando sujeitos ao IR e à CSLL apenas para aqueles que forem posteriores à data da modulação dos efeitos”, afirma.
Para Elise Tessin Daud, advogada tributarista do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados, o entendimento firmado pelo STF é exatamente no sentido de que, se os juros de mora possuem caráter indenizatório, não é possível se concluir pela incidência do IRPJ e da CSLL, que visam apenas a tributação de verdadeiro acréscimo patrimonial.
“Para a gigantesca gama de contribuintes que saíram vitoriosos no julgamento da não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, a ausência de tributação, pelo IRPJ e pela CSLL, da taxa Selic incidentes sobre o indébito tributário a ser recuperado e os depósitos judiciais a serem devolvidos, representa verdadeiro alívio de fluxo de caixa, com a possibilidade de alocação dos referidos montantes em atividades essenciais das empresas”, opinou.
Bruno Teixeira, advogado tributarista do TozziniFreire Advogados, entende que o ponto mais importante do voto do ministro Dias Toffoli, relator, é que ele reconhece as vertentes características dos juros de mora. Ao contrário do que já decidiu o STJ, Toffoli entende que os juros de mora representam a recomposição de um dano emergente, em razão da indisponibilidade do ativo (dinheiro) do contribuinte. Essa premissa é fundamental para esse caso e para outros em que se discuta a incidência de IR ou CSLL sobre a verba que não se traduz em aquisição de disponibilidade patrimonial nova.
Ele explica que, para o relator, a indisponibilidade do ativo conduz o credor a recorrer a outras fontes de financiamento (passivos), para recompor o numerário ilegal ou inconstitucionalmente exigido pelo fisco. Os juros de mora, nesse contexto, se prestam a recompor os danos (dano emergente) decorrentes do custo da aquisição dos recursos (ativos) de recomposição patrimonial.
“O voto revela percepção da dinâmica empresarial e da aquisição de fontes de financiamento, extraindo a realidade econômica quando um tributo é pago pelo contribuinte como resultado de uma exigência ilegal ou inconstitucional do fisco, que por sua vez se locupleta ilicitamente. A adesão de seis ministros ao voto do relator revela a coerência da Corte com os seus precedentes, eis que essa linha de raciocínio já foi exposta em casos anteriores”, afirmou.
Para Gustavo Taparelli, do escritório Abe Giovanini Advogados, as empresas que conseguiram recuperar valores — em ações como, por exemplo, PIS/Cofins, exclusão de ICMS, contribuição previdenciária sobre aviso prévio indenizado e outras — serão impactadas positivamente.
“Empresas diligentes que ajuizaram as suas ações para discutir inconstitucionalidades e ilegalidades tributárias venceram ou estão prestes a vencer os seus processos. Seria injusto e incorreto juridicamente que pagassem imposto de renda e contribuição social sobre os valores da Selic, já que os referidos juros só existiram em razão da cobrança indevida do Fisco. Tributar os valores decorrentes da Selic significaria diminuir os benefícios para as empresas que já foram cobradas indevidamente no passado”, ressalta.
O tributarista Donovan Mazza Lessa, sócio do escritório Maneira Advogados, também elogiou o voto de Dias Toffoli. “O voto é denso e constrói um raciocínio lógico e correto sobre a natureza jurídica de dano emergente dos juros de mora, com base não apenas na doutrina e legislação tributárias, mas também com insumos do direito civil. E, não menos importante, o voto do ministro relator mantém estável a jurisprudência do STF, pois segue a mesma linha do recente precedente julgado pelo Tribunal no RE 855.091, quando a Corte entendeu pela inconstitucionalidade da incidência do IR sobre os juros de mora recebidos pela pessoa física em razão de indenizações recebidas em reclamações trabalhistas, justamente por entender que os juros de mora, invariavelmente, têm natureza de indenização por dano emergente. E, sendo dano emergente, os juros de mora não passam da recomposição de prejuízos sofridos pelo credor, razão pela qual não há acréscimo patrimonial apto à tributação pelo IRPJ e pela CSLL”, ressalta.
O posicionamento é compartilhado pelo tributarista Manuel Eduardo Cruvinel Borges, sócio do escritório Peluso, Stupp e Guaritá Advogados. “O julgamento trará relevante impacto para a maioria das empresas, especialmente a partir da conclusão do tema da exclusão do ICMS no PIS e Cofins. Atualmente, as empresas estão apurando e recuperando os créditos oriundos desse tema e, não raro, retroagindo a apuração por dez anos ou mais — o que torna a Selic relevante parcela dos valores desses créditos. Exemplificando, a Selic acumulada desde setembro de 2011 totaliza 82,22% a serem aplicados sobre o indébito”, destaca.
“A discussão sobre a tributação da Selic passa pela análise da sua natureza jurídica, se corresponde ou não a juros de mora com caráter exclusivamente indenizatório, e se deve receber o mesmo tratamento aplicado sobre o próprio crédito, isto é, se o acessório segue ou não o principal. Por recompor a perda monetária do valor ao longo de anos e anos em que o contribuinte aguardou para recuperar o indébito, entendemos que a Selic não deve ser alcançada pela tributação sobre a renda”, completa Borges.
RE 1.063.187
Consultor Jurídico, 28/09/2021.