IMPOSTO SOBRE A IMPORTAÇÃO. MERCADORIA EXCEDENTE. DESPACHO DE IMPORTAÇÃO. PENALIDADES CABÍVEIS. INCIDÊNCIA DOS TRIBUTOS DEVIDOS. No caso de diferença na quantidade de mercadorias submetidas a despacho aduaneiro de importação, em que não se cometa nenhuma outra infração, o tratamento aplicável às mercadorias excedentes é a incidência dos tributos e das respectivas multas fiscais. Data: 14/09/2021.
Dispositivos Legais: Lei nº 10.833/2003; Decreto-Lei nº 37/1966; e Decreto nº 6.759/2009.
Relatório
A Superintendência Regional da 10ª Região Fiscal consulta sobre os casos em que ocorre excedente de mercadoria importada submetida a despacho aduaneiro de importação. A dúvida é se o procedimento deve ser a aplicação da pena de perdimento ou a cobrança de tributos no curso do despacho aduaneiro de importação, com as devidas penalidades cabíveis, sobre a mercadoria excedente.
2. Segundo a consulente, não é previsto na legislação a aplicação da pena de perdimento em face da mercadoria que sobeja ao declarado no despacho. Contudo, possível a sua aplicação quando for apurada uma infração diversa pela fiscalização. Por exemplo, se qualquer documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria tiver sido falsificado ou adulterado (Decreto-lei nº 37, de 1966, art. 105, inciso VI), se houver falsa declaração de conteúdo (Decreto-lei nº 37, de 1966, art. 105, inciso XII), se a mercadoria for atentatória à moral, aos bons costumes, à saúde ou à ordem públicas (Decreto-lei nº 37, de 1966, art. 105, in XIX), entre outras hipóteses.
3. Mais especificamente, discorre que a regra geral, expressa no art. 1º do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, é de que o Imposto de Importação (II) recai sobre toda mercadoria estrangeira que adentra o território nacional. E que não existe hipótese na legislação que retire a incidência do II no caso de mercadoria em excesso submetida a despacho aduaneiro de importação. Qualquer ocorrência descrita nos incisos do art. 105 do Decreto-Lei nº 37, de 1966, deve ser aplicada de modo restrito às circunstâncias fixadas na norma.
4. A Consulta Interna foi enviada à Disit/SRRF01 para que esta pudesse exarar seu entendimento sobre o que deve ser feito na hipótese de constatação de mercadoria em excesso no curso do despacho aduaneiro de importação. De modo preliminar, a Disit/SRRF01 definiu os termos “carga granel” e “carga geral”, in verbis:
Carga granel: “Também denominada de granéis, é aquela que não é acondicionada em qualquer tipo de embalagem. Os granéis são cargas que necessitam ser individualizadas, subdividindo-se em graneis sólidos e graneis líquidos. São granéis sólidos: os minérios de ferro, manganês, bauxita, carvão, sal, trigo, soja, fertilizantes, etc. São granéis líquidos: o petróleo e seus subprodutos, óleo vegetais, etc.”. Em resumo, pode-se afirmar que “É carga líquida ou seca embarcada e transportada sem acondicionamento, sem marca de identificação e sem contagem de unidades, tais como petróleo, trigo, etc.”
Carga geral: “Designa qualquer tipo de carga não classificada no grupo de graneis.” “É a carga embarcada e transportada com acondicionamento (embalagem de transporte ou unitização), com marca de identificação e contagem de unidades. Pode ser: Solta: inclui os volumes acondicionados sob dimensões e formas diversas, ou seja: sacarias, fardos, caixas de papelão e madeira, engradados, tambores, etc. Há perda significativa de tempo na manipulação, carregamento e descarregamento devido a grande quantidade de pequenos volumes, sujeitos a perdas e avarias, e a variedade de mercadorias; Unitizada: agrupamento de vários itens, distintos ou não, em unidades de transporte, (…).”
5. A importância desta diferenciação, de acordo com a Disit/SRRF01, está no fato de que com relação à “carga a granel” existe previsão expressa para o tratamento de mercadoria em excesso no art. 66 da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e nos §§ 3º e 4º do art. 72 do Regulamento Aduaneiro, de 2009 (Decreto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009). Assim que a pergunta da consulente estaria adstrita a “carga geral”.
6. Tendo em vista a questão da “carga geral”, a Disit/SRRF01 faz referência ao entendimento exarado por esta Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) por meio do Parecer Cosit nº 54, de 1998. Neste documento, a Cosit estabeleceu a possibilidade de regularização da mercadoria em excesso sujeita a licenciamento automático, mesmo que não conste da fatura comercial. O requisito é o pagamento pelo importador de todos os impostos e multas devidos. Por outro lado, estabeleceu a aplicação da pena de perdimento para a mercadoria sujeita a licenciamento automático que for encontrada a bordo do veículo – transportada por qualquer via – desacompanhada do respectivo manifesto de carga ou outra declaração de efeito equivalente.
7. Ao fim, com fulcro no Curso Coana: “Despacho de Importação – Procedimentos Básicos – maio/2012”, conclui que a solução proposta pela consulente vai ao encontro da percepção da Coordenação-Geral de Administração Aduaneira (Coana).
8. Este é o breve relatório.
Fundamentos
9. A Disit/SRRF01 faz bem em propor a diferenciação entre “carga granel” e “carga geral”, pois, com relação à “carga granel”, existe disposição expressa atinente às diferenças percentuais no art. 66 da Lei nº 10.833, de 2003, in verbis:
Art. 66. As diferenças percentuais de mercadoria a granel, apuradas em conferência física nos despachos aduaneiros, não serão consideradas para efeitos de exigência dos impostos incidentes, até o limite de 1% (um por cento), conforme dispuser o Poder Executivo.
10. Interessante notar que, ao dispor que não serão consideradas para efeitos dos impostos incidentes as diferenças de até 1% (um por cento), o legislador fixa que, quando houver excesso superior a esse limite, os impostos (e as respectivas multas) deverão ser cobrados. Dessa forma, para a “carga granel” inexiste dúvida, no caso de excesso, pois o que cabe é a incidência dos impostos, com as devidas penalidades, e não a pena de perdimento.
11. No que concerne à “carga geral”, não se encontra na legislação vigente dispositivo explícito sobre o procedimento a ser adotado no caso de excesso de mercadoria na importação. Contudo, é possível inferir de alguns artigos do Decreto-lei nº 37, de 1966, o que o ordenamento jurídico demanda nessas situações. O art. 105, por exemplo, que define as hipóteses em que se aplica a pena de perdimento da mercadoria, não consegue abrigar todas as situações em que se pode encontrar excesso de mercadoria submetida ao despacho de importação.
12. Ainda sobre o Decreto-Lei nº 37, de 1966, o inciso III do art. 105 prescreve a pena de perdimento para a mercadoria oculta, a bordo de veículo ou na zona primária, só que a mercadoria em excesso não está oculta, então não se aplica este inciso. Em seu inciso IV, prescreve a pena para a mercadoria existente a bordo de veículo, sem registro em manifesto ou em documento equivalente, só que a mercadoria em excesso não necessariamente estará sem o devido registro. Em seu inciso VI, prescreve para a mercadoria estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado, só que nem sempre a mercadoria em excesso estará acompanhada de documento falsificado ou adulterado. Em seu inciso XI, prescreve o perdimento para a mercadoria estrangeira, já desembaraçada e cujos tributos aduaneiros tenham sido pagos apenas em parte, mediante artifício doloso, só que a mercadoria em excesso está sob despacho aduaneiro e, portanto, não se encontra desembaraçada. Em seu inciso XII, prescreve para a mercadoria estrangeira chegada ao país com falsa declaração de conteúdo, só que a mercadoria em excesso nem sempre está acompanhada de falsa declaração de conteúdo. Os demais incisos sequer são comparáveis à situação da mercadoria submetida em excesso ao despacho de importação.
13. Com o objetivo de dar mais robustez à conclusão proposta, analisa-se, a seguir, o que dispõe o Regulamento Aduaneiro sobre o tema. O art. 72 do RA, de 2009, dispõe, in verbis:
Art. 72. O fato gerador do imposto de importação é a entrada de mercadoria estrangeira no território aduaneiro (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 1º, caput, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 1º).
§ 1º Para efeito de ocorrência do fato gerador, considera-se entrada no território aduaneiro a mercadoria que conste como importada e cujo extravio tenha sido verificado pela autoridade aduaneira (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 1º, § 2º com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 1988, art. 1º). (Redação dada pelo Decreto nº 8.010, de 2013)
§ 2º O disposto no § 1º não se aplica às malas e às remessas postais internacionais.
§ 3º As diferenças percentuais de mercadoria a granel, apuradas na verificação da mercadoria, no curso do despacho aduaneiro, não serão consideradas para efeitos de exigência do imposto, até o limite de um por cento (Lei nº 10.833, de 2003, art. 66). (grifo nosso)
14. O § 3º do art. 72 do RA, de 2009, tal como a Lei nº 10.833, de 2003, só faz referência a granel. Aqui resta claro que, se o limite for ultrapassado, o importador terá de pagar o imposto.
15. Por outro lado, a Disit/SRRF10 resume muito bem a questão do enquadramento legal da aplicação da pena de perdimento de que trata o art. 105, inciso IV, do Decreto-lei nº 37, de 1966, destacando que a mercadoria considerada carga geral e encontrada em excesso ao declarado, no curso do despacho aduaneiro, não estaria sujeita àquele enquadramento, nos seguintes termos:
15.1. Quanto à hipótese que prevê o perdimento de mercadoria existente a bordo do veículo, sem registro em manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações (DL nº 37, de 1966, art. 105, inciso IV), e que embasa grande parte dos perdimentos aplicados à mercadoria em excesso, é preciso entender o seu alcance.
15.2. Manifesto é um documento típico do veículo transportador que faz referência à carga transportada, e corresponde a uma relação dos conhecimentos das mercadorias embarcadas no exterior em um determinado local e destinadas a um ponto de descarga no território aduaneiro, sendo o transportador responsável pela sua emissão. Para cada ponto de descarga no território aduaneiro, deverão ser emitidos tantos manifestos quantos forem os locais, no exterior, em que o veículo tiver recebido carga.
15.3. A existência a bordo de veículo transportador de volume/mercadoria que não possua registro em manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações, possui um alto potencial lesivo aos bens tutelados pelo Estado, uma vez que essa situação poderia resultar na introdução clandestina da mercadoria estrangeira em território nacional.
15.4. Ao prever a aplicação da pena de perdimento da mercadoria para esses casos, a legislação visa prevenir uma possível conduta delituosa do transportador, destinatário da pena.
15.5. Daí porque essa penalidade só é aplicável enquanto a mercadoria ainda estiver sob a responsabilidade do transportador, ou seja, quando a mercadoria for encontrada a bordo do veículo. É o que disciplina o texto legal ao colocar no tipo infracional a expressão “existente a bordo do veículo”.
15.6. Isso não implica dizer que, caso o volume/mercadoria já tenha sido descarregado, a pena de perdimento não será aplicada, mas sim dizer que não será aplicada com o fundamento do art. 105, inciso IV, do DL nº 37, de 1966.
15.7. Há outras hipóteses de perdimento, aplicáveis contra a pessoa com a qual a mercadoria é encontrada, que poderiam ser consideradas, como, por exemplo, aquelas previstas no inciso X (“estrangeira, exposta à venda, depositada ou em circulação comercial no País, se não for feita prova de sua importação regular”) e no inciso I (“em operação de carga, já carregada em qualquer veículo ou dele descarregada ou em descarga, sem ordem, despacho ou licença, por escrito da autoridade aduaneira ou não cumprimento de outra formalidade especial estabelecida em texto normativo”) do art. 105 do mesmo DL nº 37, de 1966.
16. Da mesma forma, caso a mercadoria tenha sido submetida a despacho de importação, e, portanto, oferecida a controle aduaneiro, não há mais que se falar na aplicação da penalidade prevista no art. 105, inciso IV, do DL 37, de 1966.
17. É importante mencionar as observações do Manual Aduaneiro que destaca situações em que podem ocorrer os excessos de mercadorias:
a) Excesso da mesma mercadoria declarada, ou
b) Excesso de mercadoria diferente da declarada.
17. 1. Cada uma das situações, dependerá de uma análise do caso concreto e a aplicação do procedimento correto e devido enquadramento.
Conclusão
18. Diante do exposto, conclui-se que:
a) Na hipótese de constatação de excesso de mercadoria em relação ao declarado no curso do despacho aduaneiro de importação não é cabível a aplicação da pena de perdimento com base no inciso IV do art. 105 do Decreto-lei nº 37, de 1966;
b) A pena de perdimento prevista no inciso IV do art. 105 do Decreto-lei nº 37, de 1966, aplica-se ao transportador quando for encontrada mercadoria a bordo do veículo transportador não registrada em manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações, não sendo aplicável, no entanto, nos casos em que a mercadoria já tenha sido submetida a despacho aduaneiro de importação; e
c) Na hipótese de constatação de mercadoria excedente submetida a despacho aduaneiro de importação, deve-se cobrar os tributos incidentes sobre o excesso de mercadoria, acrescidos dos acréscimos e demais penalidades cabíveis, observado para a mercadoria a granel o limite fixado no art. 66 da Lei nº 10.833, de 2003.
À consideração superior.
MARIA ANGÉLICA TOLEDO CASTRO
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
De acordo. À consideração da Coordenadora-Geral da Cosit Substituta.
ANDRÉ RICARDO PIMMINGSTORFER BERANGER
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Chefe da Dicex
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Chefe da Dicex
Aprovo. Encaminhe-se à Disit/SRRF10, para ciência da presente Solução de Consulta Interna. Divulgue-se e publique-se nos termos do art. 13 da Ordem de Serviço Cosit nº 1, de 24 de setembro de 2019.
CLÁUDIA LÚCIA PIMENTEL MARTINS DA SILVA
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenadora-Geral da Cosit-Substituta
Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil
Coordenadora-Geral da Cosit-Substituta