O Supremo Tribunal Federal (STF) bateu o martelo contra a possibilidade de os Estados cobrarem tributo sobre doações e heranças de bens no exterior. Mas os contribuintes, ainda assim, não estão totalmente seguros. Os ministros decidiram pela chamada modulação de efeitos e, dizem advogados, abriram brecha para cobranças referentes a transações que já foram realizadas – e não estão sendo discutidas na Justiça.
Eles decidiram que do dia 20 de abril em diante os Estados não podem mais cobrar ITCMD de residentes que receberem doações ou heranças de bens localizados fora do país ou enviados por pessoas domiciliadas no exterior.
Para casos anteriores, no entanto, a situação muda. As cobranças feitas pelos Estados são consideradas válidas. Essa data foi definida por ter sido o dia da publicação do acórdão da decisão de mérito.
Os ministros se posicionaram contra a cobrança em fevereiro. Voltaram ao tema, na semana passada, por meio de embargos de declaração — e prestaram os esclarecimentos, então, sobre a modulação de efeitos. Seguiram o voto do relator, ministro Dias Toffoli.
O julgamento foi concluído sexta-feira no Plenário Virtual.
A validação das cobranças de casos anteriores ao dia 20 de abril gera três situações, dizem os advogados Gabriela Lemos e Alessandro Fonseca, do escritório Mattos Filho. Se o Estado cobrou ITCMD até o dia 20 e o contribuinte não pagou, vai ter que pagar. Se cobrou e o contribuinte pagou, nada será devolvido. E o Estado ainda poderá exigir o imposto referente às doações e heranças realizadas até o dia 20 de abril.
Esse terceiro ponto é considerado como o mais polêmico. Os Estados têm o direito de cobrar o que deixou de ser recolhido aos cofres públicos por um período de até cinco anos da data do fato gerador do tributo.
Significa que se o contribuinte recebeu uma doação ou herança em 2017, por exemplo, e não pagou o imposto nem foi cobrado pelo Estado até o dia 20 de abril, ele ainda poderá sofrer essa cobrança – mesmo existindo decisão do STF sobre a inconstitucionalidade da tributação.
“Porque, de acordo com a decisão, o que vale é a data do fato gerador. O contribuinte, portanto, não está protegido e pode ser autuado pela Secretaria de Fazenda”, frisa a advogada Gabriela Lemos.
Essa regra não se aplica, no entanto, para os contribuintes que ajuizaram ações judiciais sobre esse tema até o dia 20 de abril. Os ministros fizeram essa ressalva na decisão.
Aqueles que têm ações discutindo a validade da cobrança ou a ocorrência de bitributação – por terem sido cobrados no país de origem dos bens – não precisam pagar o imposto sobre a doação ou a herança realizada no passado.
Há um “complicador”, segundo os advogados, porém, em relação à restituição. Caso de quem optou por pagar o imposto aqui no Brasil e depois entrou com a ação judicial para receber o valor de volta. A decisão do STF obriga o Estado a restituir somente na hipótese de bitributação.
Contribuintes que receberam bens em países com quem o Brasil tem tratado não terão problemas. Fica fácil demonstrar a bitributação.
A dificuldade estará nos casos envolvendo países sem tratado – os Estados Unidos é um deles.
“Tomando como exemplo o que ocorre na compensação de Imposto de Renda, seria necessária a prova de reciprocidade. Não é um procedimento fácil. Tem que juntar os documentos, mostrando que o fato gerador é o mesmo, homologar no Ministério das Relações Exteriores e depois apresentar para a Secretaria de Fazenda”, diz Alessandro Fonseca.
Os ministros julgaram esse tema por meio de um recurso apresentado pelo Estado de São Paulo – que cobra alíquota de 4% de ITCMD (RE 851108). Mas a decisão tem repercussão geral e, por esse motivo, aplica-se a todo o país. Dos 26 Estados brasileiros mais o Distrito Federal, 24 têm normas prevendo a cobrança do imposto sobre bens localizados no exterior.
A proibição, portanto, pode afetar o caixa de todos eles. Em São Paulo, segundo a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), o impacto será de pelo menos R$ 2,6 bilhões. Esse cálculo leva em conta as ações judiciais distribuídas até a data do julgamento de mérito, no mês de fevereiro.
Os procuradores de São Paulo afirmam, no processo, que a proibição da cobrança agrava a situação de injustiça fiscal. “Beneficia uma pequena casta de contribuintes que possui condições de manter bens e valores no exterior e contratar as melhores bancas para afastar o pagamento do tributo.”
Segundo o Estado, 30 ações que estão em curso no tribunal do Estado – e serão beneficiadas pela exceção estabelecida pelo STF -envolvem uma única família, que deixou de recolher R$ 2 bilhões em impostos. Os herdeiros, toda vez que receberam doações do patriarca, que reside no exterior, apresentaram mandados de segurança preventivos contra a cobrança do ITCMD.
O caso analisado pelo Supremo, no entanto, envolve a herança que a advogada Vanessa Andreatta recebeu do pai, residente da Itália.
“Eu paguei o imposto lá e fui cobrada aqui também”, ela disse ao Valor.
Os ministros proibiram a cobrança por entender que isso só seria possível por meio de lei complementar federal. Os Estados não podem, portanto, por meio de normas próprias, instituir o ITCMD para esses casos.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo, 08/09/2021