PARCELAMENTO. PAGAMENTO À VISTA. ART. 1º, § 3º, I, DA LEI 11.941/2009. REDUÇÃO DE 100% DAS MULTAS DE MORA E DE OFÍCIO. REDUÇÃO DE 45% SOBRE OS JUROS DE MORA. LEGALIDADE. REMISSÕES DISTINTAS. EXEGESE FIRMADA EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO. PRESERVAÇÃO DA ESTABILIDADE DOS PRECEDENTES. SIMILITUDE FÁTICA ENTRE OS CASOS CONFRONTADOS 1. Cinge-se a controvérsia à interpretação da norma do art. 1º, § 3º, da Lei 11.941/2009, que possibilita reduzir as multas de mora e de ofício quando concedidos os parcelamentos de créditos tributários com fundamento na referida lei. 2. O acórdão embargado estabeleceu que “a questão controvertida dos autos consiste em aferir se a redução de 100% (cem por cento) da multa, em caso de pagamento à vista do parcelamento de que trata da Lei nº 11.941/09, implica a exclusão dos juros moratórios sobre ela incidentes”. Concluiu por aplicar o entendimento de que “(…) O art. 1º, § 3º, I, da Lei n. 11.941/09, expressamente dispõe que o contribuinte optante pelo pagamento à vista do débito fiscal será beneficiado com redução de 100% (cem por cento) do valor das multas moratória e de ofício. Segue-se, desse modo, que os juros de mora, cuja aplicação se entenda eventualmente devida sobre o valor das multas, incidirá, por força da própria previsão legal, sobre as bases de cálculo inexistentes, porquanto integralmente afastadas a priori pela lei, em consonância com o art. 155-A, § 1º, do CTN.” 3. Já no acórdão apontado como paradigma, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assentou: “(…) discute-se nos autos se a redução de 100% (cem por cento) da multa em caso de pagamento à vista do parcelamento de que trata da Lei nº 11.941/09 implica a exclusão dos juros moratórios sobre ela incidentes”. E decidiu: “(…) é que o inciso I do § 3º do art. 1º da Lei nº 11.941/09, a despeito de ter reduzido em 100% (cem por cento) as multas de mora e de ofício, apenas reduziu em 45% (quarenta e cinco por cento) o montante relativo aos juros de mora”. HISTÓRICO DOS PRECEDENTES DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMA DO STJ. 4. Diversos precedentes informam que o entendimento exarado pelo colegiado da Primeira Turma adota como premissa a circunstância de “que os juros de mora, cuja aplicação se entenda eventualmente devida sobre o valor das multas, incidirá, por força da própria previsão legal, sobre bases de cálculo inexistentes, porquanto integralmente afastadas a priori pela lei, em consonância, vale dizer, com o art. 155-A, § 1º, do CTN. Isso porque, justamente para estimular a quitação da dívida de uma só vez, o legislador optou por elidir, de imediato, o ônus da multa que recairia sobre o contribuinte – já inadimplente, frise-se -, antes da composição final do débito. Procedimento inverso, consistente na apuração do montante total da dívida, mediante o somatório do valor principal com o das multas, para, só então, implementar a redução do percentual, redundaria, ao final, em juros de mora indevidamente embutidos, subvertendo-se o propósito desonerador da lei, em especial se considerada a opção pelo pagamento à vista. Em outras palavras, tal entender conduziria à exigência de juros moratórios sobre multas totalmente perdoadas, o que se revela desarrazoado.” Nesse sentido: REsp 1.509.972/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 25.10.2018, DJe de 30.11.2018. 5. Na Segunda Turma, prevalece a compreensão de que o art. 1º, § 3º, I, da Lei 11.941/2009, a despeito de ter reduzido em 100% (cem por cento) as multas de mora e de ofício, subtraiu em apenas 45% (quarenta e cinco por cento) o montante relativo aos juros de mora. Sendo assim, nos casos de remissão, “não há qualquer indicativo na Lei 11.941/2009 que permita concluir que a redução de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício estabelecida no art. 1º, §3º, I, da referida lei implique uma redução superior à de 45% (quarenta e cinco por cento) dos juros de mora estabelecida nos mesmo inciso, para atingir uma remissão completa da rubrica de juros (remissão de 100% de juros de mora), como quer o contribuinte” (AgInt nos EDcl no REsp 1.780.082/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 3.12.2019, DJe de 11.12.2019). 6. No STJ, o precedente mais antigo a respeito do tema é da Segunda Turma e data de junho/2015, em processo brilhantemente relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques (REsp 1.492.246/RS, DJe 10/6/2015). Sem divergências, os demais integrantes da Segunda Turma do STJ, contemporâneos ao momento do leading case, assim como os atuais, aplicaram o referido entendimento. Cito os seguintes precedentes: REsp 1.530.847/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe de 2/9/2015; AgInt no REsp 1.600.738/SC, Rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe de 11/12/2019; PET no REsp 1.604.075/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe de 6/3/2018; REsp 1.523.154/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe de 15/12/2017, e AgInt no REsp 1.617.323/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe de 18/4/2017. 7. Na Primeira Turma do STJ, a matéria foi examinada três anos depois, em outubro de 2018, quando já existentes os precedentes da Segunda Turma desta Corte, conforme expressamente consignou a Ministra Regina Helena Costa, relatora no REsp 1.509.972/RS: “Registro que, nesta Corte, a questão foi examinada apenas pela 2ª Turma, com acolhimento da tese defendida pela Fazenda Nacional (v.g. REsp 1.492.246/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 10.06.2015; REsp 1.530.847/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 02.09.2015).” 8. Diferentemente da unanimidade que se verificou desde sempre no julgamento dessa matéria na Segunda Turma do STJ, a Primeira Turma registrou divergência interna no colegiado, tendo em vista que ficaram vencidos o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho e o Ministro Sérgio Kukina. A respeito, merece transcrição a seguinte parcela do voto-vista divergente apresentado, como sempre, brilhantemente – e, aqui, com felicidade ímpar – pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (que, sem se referir ao posicionamento da Segunda Turma, expõe argumentação rigorosamente com ela coincidente, como se nota abaixo – destaquei em negrito): “(…) 4. No caso, observo que a obrigação já existia. E a regra é que essa obrigação tem de ser paga; a exceção é ela não ser paga ou ser reduzida. (…) 7. Verifica-se que o caso em questão trata-se de uma norma de benefício, uma norma que institui incentivo, portanto, uma norma excepcional, cujo alcance não deve ser objeto de ampliação por analogia nem por outra prática de expansão de sua abrangência. 8. A questão, aqui, é de justiça. É o credor abrindo mão de parcelas do seu crédito. Não é alguém instituindo no patrimônio de outrem uma obrigação nova, um dever de indenizar, por exemplo. É uma dívida que já estava constituída, definida, e o credor, no caso, o FISCO, está, por sua iniciativa, estabelecendo determinadas premissas para a fruição daquele benefício. Penso que também cabe ao credor, que estabelece essas premissas, detalhá-las e apresentar sua operacionalização, e não ao devedor, porque, neste caso, não se poderia falar talvez num direito subjetivo ao parcelamento, pois o parcelamento é dado pela autoridade tributante nas condições que ela própria estabelece. (…) 14. Penso, então, que o benefício, no caso, não pode ser ampliado pela via exegética, porque o credor que o concedeu perde completamente o controle de sua efetividade, de sua eficácia e de sua justiça. Se alguém que não é o credor é capaz de implementar ou de acrescentar, na sua regra isentiva, algo que não foi posto pelo credor, concedendo-lhe o benefício, a tendência ou o inevitável é que esse instituto de favorecimento às más condições em que o Poder credor estabeleceu termine se esfacelando, saindo de seu controle e não atingindo os resultados financeiros pretendidos, que é o objetivo. (…) 17. Peço vênia a Vossa Excelência e ao Senhor Ministro GURGEL DE FARIA, com todo o respeito, para divergir e dar provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional.” 9. Dada a oportunidade aberta para rediscussão do tema, nos Embargos de Divergência, saúdo o belíssimo e judicioso posicionamento exposto pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que até já manifestou sua divergência no presente caso, por ter-se reposicionado a respeito do tema ou por respeitar o princípio da colegialidade no órgão fracionário que atualmente integra. Fica, no entanto, o registro de seu posicionamento original, ao qual, quiçá, Sua Excelência volte a adotar, antes de finalizado o julgamento deste recurso. INCIDÊNCIA DOS JUROS DE MORA NOS TERMOS DO ART. 1º, § 3º, I, DA LEI 11.941/2009. EXEGESE JÁ ESTABELECIDA PELA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO DO STJ, EM JULGAMENTO DE RECURSO REPETITIVO. 10. O art. 1º, § 3º, I, da Lei 11.941/2009 expressamente dispõe: “Observado o disposto no art. 3º desta Lei e os requisitos e as condições estabelecidos em ato conjunto do Procurador-Geral da Fazenda Nacional e do Secretário da Receita Federal do Brasil, a ser editado no prazo de 60 (sessenta) dias a partir da data de publicação desta Lei, os débitos que não foram objeto de parcelamentos anteriores a que se refere este artigo poderão ser pagos ou parcelados da seguinte forma: I – pagos a vista, com redução de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício, de 40% (quarenta por cento) das isoladas, de 45% (quarenta e cinco por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal.” 11. Percebe-se que qualquer outra interpretação a ser dada ao dispositivo torna inócuas suas duas últimas partes que estabelecem remissão de 45% (quarenta e cinco por cento) dos juros de mora e de 100% (cem por cento) sobre o valor do encargo legal. Isso porque, caso recalculados os juros de mora e o encargo legal sobre débito não mais existente, não haveria mais nenhum valor sobre o qual pudessem incidir os percentuais de 45% e 100% de remissão, respectivamente. 12. Por ocasião do julgamento do REsp 1.251.513/PR (art. 543-C do CPC/1973), da relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, a Primeira Seção do STJ endossou o entendimento acima delineado quando, nas razões de decidir do voto condutor, definiu que a redução de 45% dos juros de mora incide sobre a própria rubrica (juros de mora) em que se decompõe o crédito original, e não sobre a soma das rubricas “principal + multa de mora”. 13. Merece transcrição, nesse ponto, o seguinte excerto da referida decisão, que bem explica a forma de cálculo definida no art. 1º, § 3º, da Lei 11.941/2009: “(…) A remissão de juros moratórios, portanto, refere-se aos juros que compõem o crédito tributário e não aos juros que remuneram o depósito judicial. A este respeito, convém rememorar as parcelas ou rubricas que compõem o crédito tributário: Principal: é valor do tributo devido ou da multa isolada devida; Multa: é o valor da multa devida quanto atrelada ao principal, podendo ser de ofício, no caso de infração à legislação tributária, ou de mora, no caso de atraso no pagamento do principal; Juros de mora: são os juros incidentes em razão de atraso no pagamento do principal (art. 161, §1º, do CTN, atualmente a SELIC, por força do art. 61, §3º, da Lei n. 9.430/96). Encargos: demais encargos incidentes sobre a dívida. No caso dos débitos inscritos em Dívida Ativa da União incide o encargo legal previsto no art. 1º, do Decreto-Lei n. 1.025/69. (…) Se o contribuinte realiza o depósito integral após o encaminhamento do débito para inscrição em Dívida Ativa da União, tem-se o congelamento da seguinte composição do crédito tributário (CT): CT = R$ 100,00 (principal) + R$ 20,00 (multa de mora 20%) + R$ 1,20 (juros de mora 1%) + R$ 24,24 (encargo legal 20%) = TOTAL DE R$ 144,36 O depósito, para ser integral, deve ser feito no valor de R$ 144,36. Se o depósito foi assim efetuado, exige o art. 10, da Lei n. 11.941/2009, que, antes da transformação em pagamento definitivo (conversão em renda), seja aplicada a remissão/anistia sobre o crédito tributário, que passa a ter a seguinte composição (art. 1º, §3º, I, da Lei n. 11.941/2009): CT = R$ 100,00 (principal) + R$ 0,00 (anistia de 100% da multa de mora) + R$ 0,66 (remissão de 45% dos juros de mora) + R$ 0,00 (remissão de 100% do encargo legal) = TOTAL DE R$ 100,66”. 14. Conclui-se que a redução dos juros de mora em 45% deve ser aplicada, após a consolidação da dívida, sobre o próprio montante devido originalmente a esse título (juros de mora), faltando amparo legal para que a exclusão de 100% da multa de mora e de ofício implique exclusão proporcional dos juros de mora, sem que a lei assim o tenha definido de modo expresso. Como se vê, exegese em sentido contrário, além de ampliar o sentido da norma restritiva, esbarra na tese fixada em recurso repetitivo do STJ, instaurando, em consequência, indesejável insegurança jurídica no meio social. 15. Em reforço derradeiro, é importante mencionar, em relação à multa de mora, que o entendimento da Primeira Turma deixa de considerar que o legislador estabeleceu expressamente que os juros de mora não incidem sobre a multa moratória, mas apenas sobre o valor original do débito. Transcrevo os arts. 2º, parágrafo único, e 3º do Decreto-Lei 1.736/1979 (destaques acrescentados): “Art 2º – Os débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional serão acrescidos, na via administrativa ou judicial, de juros de mora, contados do dia seguinte ao do vencimento e à razão de 1% (um por cento) ao mês calendário, ou fração, e calculados sobre o valor originário. Parágrafo único. Os juros de mora não são passíveis de correção monetária e não incidem sobre o valor da multa de mora de que trata o artigo 1º. Art 3º – Entende-se por valor originário o que corresponda ao débito, excluídas as parcelas relativas à correção monetária, juros de mora, multa de mora e ao encargo previsto no artigo 1º do Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, com a redação dada pelos Decretos-leis nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, e nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978”. INAPLICABILIDADE DO ART. 110 DO CTN 16. Anota-se que a invocação do princípio segundo o qual “o acessório segue o principal” não autoriza a invocação do art. 110 do CTN para a solução da lide. 17. Em primeiro lugar, porque não se instaurou dissídio em relação à exegese do referido dispositivo legal. A leitura do acórdão embargado evidencia que a Primeira Turma do STJ, nele, não se manifestou a respeito do tema, o que conduz à conclusão de que é inadmissível cogitar da existência de dissídio a respeito. 18. Não bastasse isso, como se está a invocar a existência de princípio geral de direito, a questionável possibilidade de inovar ou aprofundar a solução da lide, mediante introdução de fundamentos em torno dos quais não se instaurou dissídio jurisprudencial, autorizaria o emprego do art. 109 do CTN, e não do art. 110 do CTN, uma vez que aquele é específico, ao prescrever que os “princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.” 19. Ainda nesse sentido, cumpre esclarecer que a concessão do benefício estabelecido no parcelamento encontra-se no âmbito da discricionariedade administrativa, cujo critério de conveniência não está sujeito ao controle jurisdicional. Dito de outro modo, cabe ao administrador eleger se vai ou não conceder descontos e, em sendo o caso, se os descontos abrangerão exclusivamente as multas, os juros, ou ambos. Se não era obrigado a conceder abatimento em qualquer parcela componente do crédito tributário, poderá fazê-lo a apenas uma, ou algumas. 20. A respeitável exegese, admissível em tese, segundo a qual o decote nos juros de mora deve abranger a parcela da multa de ofício que também recebeu atenuação, amplia a norma e ainda o faz de modo retroativo, sem que haja previsão nesse sentido, pois os descontos previstos na legislação incidem sobre os montantes apurados na data de adesão ao parcelamento. Dessa forma, ainda que a multa de ofício seja excluída em 100%, a subtração de 45% sobre os juros moratórios deve observar a parcela devida a esse título na data de adesão, descabendo a interpretação que determina a redução proporcional dos juros moratórios, incidentes sobre a multa de ofício, sob pena de fazer retroagir a dedução para momento anterior à adesão ao parcelamento, de modo oposto ao fixado em lei. Diferente seria a situação se norma estabelecesse, no caso, que a exclusão da multa de ofício produz efeitos desde a data de constituição da referida parcela integrante do crédito tributário. VOTO-VISTA DA MINISTRA REGINA HELENA COSTA. 21. Li atentamente o bem lançado voto-vista da Ministra Regina Helena Costa. Sua Excelência defende que a superação do dissídio deve se dar com a prevalência do entendimento da Primeira Turma. 22. Invoca, para tanto, os seguintes fundamentos: a) como o art. 1º, § 3º, I, da Lei 11.941/2009 dispõe, expressamente, que o contribuinte optante pelo pagamento à vista do débito fiscal será beneficiado com redução de 100% (cem por cento) do valor das multas moratória e de ofício, a consequência disso é que “os juros de mora, cuja aplicação se entenda eventualmente devida sobre o valor das multas, incidirão, por força da própria previsão legal, sobre bases de cálculo inexistentes, porquanto integralmente afastadas, a priori, pela lei, em consonância, vale dizer, com os arts. 155-A, § 1º, e 161, ambos do CTN”; b) a interpretação efetuada pela União, por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 06/2009, se deu ao arrepio da lei, pois frustra o objetivo da Lei 11.941/2009, que é incentivar o pagamento dos débitos tributários à vista ou parceladamente em período mais exíguo (30 meses, em vez dos 180 meses – art. 3º, § 3º, I e II), desatendendo o interesse público objetivado; c) vale relembrar que esta Seção, em casos análogos, declarou, em recurso repetitivo, a ilegalidade de atos normativos infralegais exorbitantes da disciplina legal; e d) o precedente contido no REsp 1.251.513/PR, julgado no rito dos recursos repetitivos, “enfrentou questões diversas, uma vez que o debate se instaurou acerca da possibilidade (i) de o adimplemento do débito mediante a transformação em pagamento definitivo de depósitos judiciais vinculados a ações já transitadas em julgado; e (ii) ‘de devolução da diferença de juros selic incidentes sobre o valor depositado’, logo, “trata-se de questão outra, capaz de configurar evidente hipótese de distinguishing, é dizer, não restou demonstrada tensão entre o entendimento estabelecido no âmbito da 1ª Turma e tal precedente vinculante”. 23. Peço vênia para ratificar meu entendimento, adicionando as considerações abaixo. 24. A compreensão que veio a prevalecer no âmbito da Administração Tributária não se qualifica como “ao arrepio do diploma legal”, tendo em vista que a legislação expressamente prevê que a consolidação dos débitos a serem pagos com os benefícios da Lei 11.941/2009 toma por base a data do requerimento do interessado (art. 1º, § 6º), o que significa dizer que, tendo a lei entrado em vigor na data de sua publicação (art. 80), é jurídico concluir que a exclusão de 100% da multa surtiu efeito tão logo efetivada a opção do contribuinte, não antes nem depois. 25. Pela mesma razão, não merece acolhida o entendimento de que os juros de mora incidentes sobre a parcela excluída (multa de mora ou de ofício) foram proporcionalmente extintos, pois isso representaria, a um só tempo, interpretação ampliativa, contra legem (art. 111, I, do CTN), de norma de exclusão (remissão) de crédito tributário, bem como aplicação retroativa da norma a respeito do cálculo dos juros, desrespeitando igualmente a vigência e eficácia da legislação, expressamente fixada para a data de sua publicação (art. 80 da Lei 11.941/2009). Para que fique mais claro, nada melhor que um exemplo: o crédito tributário venceu, hipoteticamente, em 15.10.2008. Não tendo havido pagamento tempestivo ou mesmo posterior, nem sido entregue declaração do contribuinte confessando o débito (DCTF, etc.), a empresa se sujeitou à fiscalização da Receita Federal. Em procedimento fiscalizatório, autua-se a empresa, com o lançamento do principal (crédito tributário vencido e não pago), acrescido da multa de ofício de 75% e dos juros de mora (incidentes sobre a soma do principal e da multa de ofício, e apurados pelo período que transcorreu, naquele momento, entre o dia seguinte ao vencimento da obrigação e a data do lançamento realizado). Surge, após, o parcelamento instituído pela Lei 11.941/2009, e a empresa devedora opta pela modalidade de quitação à vista. Nesse caso, protocolado o requerimento de adesão, exemplificativamente, em 30.9.2009, tem-se que: a) subsiste o valor do principal, b) a multa de ofício (75% do principal) passou a ser inexigível (extinta na data do requerimento, 30.9.2009); c) os juros de mora, por serem calculados pelo período que transcorreu entre o dia seguinte ao vencimento da obrigação e a data de formalização da intenção de quitação à vista (ou seja, em 30.9.2009), continuam a ser, até então, exigíveis, pois a lei concessiva do parcelamento entrou em vigor na data de publicação (28.5.2009), não estabelecendo efeitos retroativos (art. 80). Note-se, a multa de ofício somente veio a ser excluída em 30.9.2009, de modo que o abatimento de 45% sobre a parcela dos juros de mora precisa, necessariamente, levar em consideração o valor dos juros de mora devidos naquela data (isto é, o período de 16.10.2008 até 30.9.2009). 26. O raciocínio da Primeira Turma, com a devida vênia, admite a exclusão da multa de ofício no dia 30.9.2009, mas em relação aos juros de mora acaba por aplicar, contra legem, a norma de modo retroativo, “apagando” sem autorização legal (já que a lei expressamente estabeleceu a data de sua entrada em vigor) a mora existente no período de 16.10.2008 até 30.9.2009! 27. Dessa forma, com a devida vênia do entendimento divergente, quer me parecer que a premissa adotada pela Ministra Regina Helena Costa – quando utiliza a expressão “saldo disposição em contrário”, nos arts. 155-A e 161 do CTN – é precisamente o instrumento que revela o acerto da posição fazendária e do entendimento adotado pela Segunda Turma do STJ. Em outras palavras, é justamente por inexistir previsão expressa mandando aplicar retroativamente o abatimento nos juros de mora que o percentual de desconto de 45% incide sobre o valor dos juros de mora existentes na data de consolidação (a circunstância de a multa de ofício ter sido excluída é irrelevante, tendo em vista que esse decréscimo foi concedido justamente na data da consolidação, respeitando a incidência imediata – mas não retroativa – da lei). 28. Com relação aos precedentes apontados no seu judicioso voto-vista, considero-os, estes sim, inaplicáveis ao caso concreto, pois eles se referem ao instituto da “compensação de ofício” (REsp 1.213.082/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 10.8.2011) ou ao conceito de “insumo” (REsp 1.221.170/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 24.4.2018), e não ao tema em debate – parcelamento ou pagamento à vista, com concessão de benefícios. Não bastasse isso, tais precedentes não examinam a questão da perfeita adequação ao princípio da legalidade, quando constatado que o ato infralegal se limita a adotar técnica de interpretação restritiva na exegese da legislação que disciplina exclusão do crédito tributário. Trata-se, portanto, de ato infralegal que dá plena aplicabilidade à norma do art. 111, I, do CTN, não havendo falar em interpretação “ao arrepio da lei”. 29. Por último, registro que, quando indiquei o precedente repetitivo consubstanciado no REsp 1.251.513/PR, em momento algum mencionei que a questão era, em todos os aspectos, idêntica à debatida nestes autos. Fosse esse o raciocínio, os Embargos de Divergência deveriam ter sido rejeitados de plano, com base na Súmula 168/STJ. Ao contrário, afirmei expressamente apenas que o referido julgado abordou interpretação a respeito do critério a ser adotado para identificar se o desconto de 45%, nos juros de mora, deve ou não abranger, proporcionalmente, a exclusão da multa de ofício e que, se por acaso prevalecer, agora, em Embargos de Divergência, o entendimento adotado no acórdão embargado, haverá inquestionável violação ao princípio da segurança jurídica. 30. Nesse sentido, com a devida vênia da Ministra Regina Helena Costa, o fato de haver outras discussões, naquele recurso repetitivo, não afasta a circunstância de que a norma interpretada, no repetitivo citado e nestes Embargos de Divergência, é exatamente a mesma, qual seja, o art. 1º, § 3º, I, da Lei 11.941/2009. 31. Assim, os pontos mais importantes que merecem destaque para a solução do presente caso, mediante superação da divergência instaurada entre as Turmas integrantes da Seção de Direito Público, são: a) impossibilidade de interpretar de modo ampliativo e retroativo, sem expressa previsão legal, a norma que disciplina remissão de parte do crédito tributário (art. 111, I, do CTN); e b) inviabilidade de fazer prevalecer, sem demonstração de mudança no panorama fático e jurídico, orientação jurisprudencial dissonante da estabelecida em recurso julgado no rito dos repetitivos. 32. A meu ver, sem prejuízo do elevado respeito que tenho para com os cultos integrantes da Primeira Turma do STJ, a orientação da Segunda Turma, acompanhada outrora pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho e pelo Ministro Sérgio Kukina, é que responde de modo tecnicamente mais adequado às questões acima pontuadas. 33. Com base no acima exposto, agradeço a oportunidade gerada pela apresentação do judicioso voto divergente da Ministra Regina Helena Costa, apta a enriquecer os debates e a compreensão do tema, para registrar que ratifico meu posicionamento. CONCLUSÃO 34. Embargos de Divergência providos para manter a redução dos juros de mora em 45% sobre a respectiva rubrica original (juros de mora) do crédito tributário, verificada no momento da consolidação da dívida. EREsp 1404931/RS, DJ 04/08/2021.