A Constituição da República estabelece em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
É o que se denomina de equidade intergeracional, um conceito que surge nos anos 1980, cuja origem está relacionada com os desejos pelas mudanças globais que caracterizaram a segunda metade do século 20.
Nos países desenvolvidos verifica-se crescente conscientização acerca do meio ambiente com o avanço da reciclagem do lixo, da luta contra o lixo tóxico e contra as indústrias poluentes e/ou eletrointensivas, enquanto que nas regiões de capitalismo periférico ocorre o oposto.
A nossa sociedade, a chamada sociedade da “pós-modernidade”, caracterizada pelos grandes avanços da tecnologia, pela grande produção de riquezas e pelo suposto “domínio” do homem sobre a natureza, é uma sociedade que ao mesmo tempo encontra-se marcada pela proliferação de riscos e de ameaças, e na qual paradoxalmente a própria existência do ser humano fica comprometida.
E essa tensão entre o capitalismo imoderado e a proteção ambiental para as atuais e futuras gerações chega ao Direito Tributário com atual debate no Congresso Nacional.
Dentro desse contexto o Estado passa a desempenhar um importante papel na adoção de políticas públicas que protejam e garantam de forma efetiva o direito ao meio ambiente, e que ao mesmo tempo permitam o desenvolvimento econômico, de forma que se propicie um desenvolvimento sustentável.
Regra geral, tem se entendido que a finalidade principal dos tributos é a arrecadação, ou seja, o tributo é um instrumento destinado à obtenção de ingressos (receitas públicas) para que o Estado possa cumprir os fins que lhe são próprios.
Todavia, atualmente os tributos, além serem um mecanismo para financiar o Estado, constituem um dos mais notáveis instrumentos econômicos com que conta o Estado na direção da atividade econômica tanto pública como privada, uma vez que podem ser utilizados com uma finalidade extrafiscal.
De acordo com Aliomar Baleeiro, costuma-se denominar extrafiscal “o tributo que não tem como sua função principal prover ao estado meios adequados para seu custeio, mas visa, prioritariamente, ordenar a função social ou intervir em dados conjunturais ou estruturais da economia”.
Nessa linha, tem-se reconhecido, cada vez mais, a competência ao legislador tributário para estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses da coletividade, por meio da tributação regressiva ou progressiva, ou da concessão de incentivos e benefícios fiscais.
Nesse sentido, veio a lume a Lei 14.119/21, prescrevendo que os valores recebidos em pagamento por serviços ambientais ficarão isentos de tributação.
A nova Lei 14.119, promulgada e publicada no último dia 11 no Diário Oficial da União, cria a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA).
Dois vetos foram derrubados pelo Congresso no dia 1º de junho. O primeiro, devolveu à lei a isenção tributária prevista inicialmente.
Dessa forma, os valores recebidos como pagamento por serviços ambientais não integram a base de cálculo do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), da contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
O Parlamento também manteve a isenção aplicada somente aos contratos realizados pelo poder público ou, se firmados entre particulares, desde que registrados no Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (CNPSA).
A Lei 14.119 define conceitos, objetivos, diretrizes, ações e critérios de implantação da PNPSA, que tem como objetivo fomentar medidas de manutenção, recuperação e melhoria da cobertura vegetal em áreas de preservação.
Entre as diretrizes da PNPSA está a utilização do pagamento por serviços ambientais como instrumento de promoção do desenvolvimento social, ambiental, econômico e cultural das populações em área rural e urbana e dos produtores rurais, em especial das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e dos agricultores familiares.
Pela teoria crítica da sociedade em Axel Honneth, “a sociedade deve estar preocupada em interpretar seu papel dentro das exigências sociais para o estabelecimento do bem da coletividade”, isto é, a categoria do reconhecimento visa a dar condições à sociedade de ser independente, reconhecer-se no processo de independência e agir em prol da liberdade de todos.
Andou bem o Congresso em derrubar o veto presidencial. Prevaleceu o bem da coletividade.
Por Breno de Paula
Breno de Paula é advogado tributarista, doutor e mestre em Direito (UERJ), professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia e especialista em Política e Direito Tributário Fundação Getúlio Vargas – Brasília
Revista Consultor Jurídico, 2 de agosto de 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-ago-02/paula-tributacao-ambiental-extrafiscalidade-tributaria