Com operações cada vez mais complexas, empresas recorrem a planejamentos tributários.
Sem uma regulamentação tributária específica, o “cashback” – devolução ao consumidor de uma parte do valor gasto na compra de produtos – tem levado empresas a fazer planejamentos tributários. O motivo é que as operações ficaram mais complexas e só há, por enquanto, dois entendimentos da Receita Federal sobre o assunto, que envolvem questões mais simples.
Um deles considera que não há acréscimo patrimonial para o consumidor, livrando-o de tributação. O outro autoriza uma varejista a deduzir os valores da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Mas a depender dos termos do contrato e de como e por quem é feita a devolução das quantias, pode existir o risco de autuação fiscal para a empresa.
Grandes redes têm apostado nessa prática para ganhar consumidores. O Magazine Luiza lançou em abril o Cartão Magalu, que oferece 4% das compras pagos diretamente na conta digital. Em apenas três semanas após o lançamento, mais de 100 mil cartões já haviam sido emitidos e se somam aos atuais 5,5 milhões de Cartão Luiza.
Em março de 2021, a XP Investimentos lançou o Investback, que devolve entre 1% e 10% do valor da compra realizada com o cartão de crédito XP, direcionado a um fundo de investimento passível de resgate pelo titular. No segundo trimestre deste ano, foram gerados R$ 2,1 bilhões em volume total de pagamentos no cartão de crédito, alta de 316% ante o primeiro trimestre.
Para o consumidor, a prática também traz vantagens e pelo entendimento da Receita não haveria tributação. O valor obtido pode ser tratado como um desconto e não se caracteriza como acréscimo patrimonial. Assim, não precisa ser declarado pela pessoa física, por se tratar da simples devolução de montante já oferecido à tributação. O entendimento está na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) nº 653, de 2017.
Já a única orientação da Receita para as empresas está na Solução de Consulta Cosit nº 205, de 2019. A questão foi levantada por uma varejista que oferece cashback por meio de cartão de crédito pré-pago administrado por terceiro. Ao analisar o caso, o Fisco classificou a prática como bonificação. Assim, pode ser tratada como despesa operacional dedutível do fornecedor na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.
Apesar das soluções de consulta, ainda existe uma insegurança jurídica sobre o assunto. De acordo com a advogada Carolina Romanini Miguel, do Machado Associados, a Receita atribuiu ao cashback naturezas jurídicas distintas – desconto para o consumidor e bonificação para o lojista. Além disso, ressalta Carolina, a prática de cashback foi evoluindo para modelos mais complexos, não englobados pelas manifestações.
“As relações jurídicas relacionadas aos programas de cashback podem não se limitar a compra e venda de mercadorias. Podem abranger outros interesses a depender das partes envolvidas e do conteúdo dos contratos firmados entre elas”, diz. Exemplos dessas situações são transações financeiras e investimentos.
Nos casos mais tradicionais de cashback, apesar de não haver legislação própria, a situação ficou mais clara ao longo dos últimos anos, na opinião do advogado Flávio Sussumu Pizão Yoshida, do Rayes & Fagundes Advogados Associados. “Essas operações mais simples se assemelham a operações de bonificação de mercadoria ou concessão de rebate. O assunto meio que se acomodou”, afirma.
Para Yoshida, a quem paga o cashback já está claro que há incidência do ICMS, PIS e Cofins, uma vez que o cashback fica como créditos para as próximas compras ou para serem retirados depois. “O documento fiscal é emitido sobre o valor integral da mercadoria”, diz.
Esses valores gastos com cashback, porém, entende Yoshida, podem ser considerados como despesas operacionais para a captação de clientes e novos negócios, como gastos com propaganda e marketing, e podem ser deduzidos, no caso das empresas tributadas pelo lucro real – com faturamento acima de R$ 78 milhões.
No caso dos consumidores que recebem o cashback, o cenário que envolve a pessoa física já foi tratado pela Receita (Solução de Consulta Cosit nº 653, de 2017). Mas no caso da pessoa jurídica, afirma o advogado, o cashback é considerado como receita e então a tributação vai depender do regime fiscal.
Yoshida lembra ainda de situações mais complexas, que envolvem empresas intermediárias – como uma plataforma de vendas on-line -sem uma orientação específica. E o cashback pode ser dado pela plataforma, ainda que a operação ocorra entre o consumidor e o vendedor. “Temos feito, nesses casos, um planejamento, para avaliar a operação e ver como os contratos funcionam, se a comissão paga à plataforma engloba ou não os valores pagos de cashback”, diz.
Procuradas pelo Valor, a XP informou que segue as orientações da Receita. Já a Magazine Luiza afirmou que o modelo adotado pela empresa segue “as previsões contidas no ordenamento jurídico brasileiro”. A Receita Federal não deu retorno até o fechamento da edição.
Valor Econômico – Por Adriana Aguiar, 06/08/2021.