É inconstitucional a incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador, prevista em leis do estado de São Paulo. Esta foi a decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, em uma ação cujo julgamento no Plenário Virtual da corte foi encerrado nesta segunda-feira (2/8). O entendimento foi acompanhado por outros 10 ministros e somente o ex-ministro Marco Aurélio registrou voto contrário.
O caso em julgamento é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ajuizada pela Confederação Nacional de Serviços (CNS) contra a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre operações com programas de computador.
A entidade pedia que fosse declarada a inconstitucionalidade do artigo 3º, inciso II, da Lei 8.198/1992, e dos Decretos 61.522/2015 e 61.791/2016, todos do estado de São Paulo. Para a confederação, ao exigir o ICMS sobre as operações com softwares as leis incorrem em bitributação, criando nova hipótese de incidência do imposto.
Em seu voto, o ministro Barroso lembra que a 1ª Turma do STF, no julgamento do RE 176.626, em 1998, assentou a impossibilidade de incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador. Isso porque essa operação tem como objeto o direito de uso de bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria.
Na mesma ocasião, porém, a Turma reconheceu a constitucionalidade da incidência do ICMS sobre a circulação de cópias ou exemplares de programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, os chamados softwares “de prateleira”.
O entendimento não estava consolidado apenas no Supremo Tribunal Federal. O Superior Tribunal de Justiça, em interpretação de normas infraconstitucionais, também vinha adotando postura semelhante. Examinando o disposto nas Leis Complementares 87/1996 e 116 /2003, o STJ firmou o entendimento de que os programas de computador, quando criados e vendidos de forma impessoal, avulsa e aleatória, são tributados por meio de ICMS, ao passo que o desenvolvimento de programas personalizados, com exclusividade, para determinados clientes configura prestação de serviço, sujeitando-se à tributação pelo ISS.
A jurisprudência do STF, no entanto, recentemente foi modificada, afastando a distinção em função do caráter customizado ou não do programa de computador. O Plenário da Corte, ao apreciar conjuntamente as ADIs 1.945 e 5.659 em fevereiro deste ano, entendeu que as operações relativas ao licenciamento ou cessão do direito de uso de software, seja ele padronizado ou elaborado por encomenda, devem sofrer a incidência do ISS, e não do ICMS.
“Como restou assentado nos paradigmas, essas operações são mistas ou complexas, já que envolvem um dar e um fazer humano na concepção, desenvolvimento e manutenção dos programas, além do help desk, disponibilização de manuais, atualizações tecnológicas e outras funcionalidades previstas no contrato”, escreve o ministro.
Em seu voto, Barroso modulou a decisão do Supremo. Seus efeitos valem a partir de 3 de março de 2021, data em que foi publicada a ata de julgamento das duas outras ADIs, consagrando a modificação do entendimento do STF sobre o tema.
Estão ressalvadas da modulação, porém, as seguintes situações: a) as ações judiciais já ajuizadas e ainda em curso em 02.03.2021; b) as hipóteses de bitributação relativas a fatos geradores ocorridos até 02.03.2021, nas quais será devida a restituição do ICMS recolhido, respeitado o prazo prescricional, independentemente da propositura de ação judicial até aquela data; c) as hipóteses relativas a fatos geradores ocorridos até 02.03.2021 em que não houve o recolhimento do ISS ou do ICMS, nas quais será devido o pagamento do imposto municipal, respeitados os prazos decadencial e prescricional.
Pedido inicial
Na inicial, a CNS explicava que as operações com programas de computador jamais poderiam ser tributadas pelo ICMS, por já estarem arroladas no âmbito de incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), conforme define a Lei Complementar 116/2003.
“Nesse sentido, é evidente o conflito entre os atos normativos do Estado de São Paulo, normas emanadas pelo Poder Executivo Estadual de caráter estritamente regulamentador, e a Lei Complementar 116/2003, norma de cunho nacional, a partir do Congresso Nacional, que dá os contornos constitucionais à exigência do ISS, tributo de competência municipal.”
A autora da ação sustenta que, de acordo com a lei complementar, “tanto a elaboração de programas de computador, quanto seu licenciamento ou cessão de direito de uso são serviços e, como tais, pertencem ao campo de incidência do ISS, cuja competência para arrecadação é única e exclusiva dos municípios e do Distrito Federal”. Dessa forma, é evidente, para a CNS, a invasão de competência promovida pelo Estado de São Paulo.
A confederação reafirma que o software, intangível e incorpóreo, não possui natureza jurídica de mercadoria, mas sim de direito autoral e propriedade intelectual, do qual seu criador é o titular. “Não pode o software ser considerado mercadoria, uma vez que ele jamais passa a pertencer ao seu adquirente. O adquirente passa a ter, tão somente, o direito de uso, por meio de uma licença/cessão concedida por seu criador, que é o seu real proprietário”, explica.
Dessa forma, uma vez que a incidência de ICMS pressupõe a realização de uma operação mercantil, que possui como característica a transferência de propriedade de determinada mercadoria, impossível, para a CNS, sua incidência sobre operações de software.
Clique aqui para ler o voto de Barroso
ADI 5.576
Por Severino Goes
Severino Goes é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2021.