Leis que responsabilizam solidariamente as empresas são investidas desmedidas do Estado. Nos últimos anos, as empresas de intermediação de operações comerciais e de prestação de serviços por plataformas eletrônicas têm crescido substancialmente.
Alguns Estados da Federação têm editado leis responsabilizando solidariamente tais empresas, também conhecidas como “marketplaces”, pelo pagamento do ICMS devido pelos vendedores de bens e serviços por meio das suas plataformas.
É o caso de Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso, Ceará e Paraíba. A iniciativa deve ganhar novos adeptos.
Via de regra e com algumas pequenas alterações entre elas, as legislações destes Estados responsabilizam as empresas de marketplace pelo ICMS devido nas operações ou prestações: (i) em relação às quais tenham deixado de prestar informações solicitadas pelo Fisco; (ii) quando o fornecedor contribuinte esteja em situação cadastral irregular e tenha sido informado ao intermediário previamente pelo Fisco; e (iii) bem como quando descumprirem demais obrigações previstas na legislação que concorrerem para o não-recolhimento do tributo.
Pior ainda é a responsabilização das empresas de meios de pagamento que viabilizam a liquidação financeira das operações realizadas por meio da plataforma de marketplace.
Chama muito a atenção a pretensão de responsabilizar um terceiro por operações que não estão sob o seu controle e da qual não participam. A saída da mercadoria, a prestação dos serviços, a emissão do documento fiscal e o próprio pagamento ocorrem em momento posterior à aproximação das partes e ao fechamento do negócio. A rigor, o trabalho de aproximação pelo intermediário encerra antes. E isso, por si só, não representa qualquer elo das plataformas com o fato gerador apto a autorizar a pretendida responsabilização.
Se as obrigações acessórias específicas ao marketplace não forem cumpridas, é viável impor sanções específicas pelos atos próprios e não responsabilizá-la por um tributo devido por terceiros. A pretensão tem conotação de sanção, o que é inviável no nosso ordenamento, sendo impossível a individualização da conduta, o nexo causal e a própria proporcionalidade da pena.
A responsabilização solidária para matéria depende de previsão em lei complementar, tal como previsto no artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988.
A lei complementar nº 87/96, que trata do ICMS, disciplina que a lei ordinária pode atribuir a terceiro a responsabilidade, quando os atos concorrerem para o não recolhimento do tributo. E as plataformas de marketplace, como dito, não tem qualquer participação na operação após a apresentação das partes, não sendo minimamente razoável alegar, sob qualquer prisma, que concorrem para o não recolhimento do tributo.
O Código Tributário Nacional, que possui “status” de lei complementar, determina que poderão ser solidariamente responsáveis pelo cumprimento da obrigação as pessoas que tiverem interesse comum com a situação fática relacionada ao fato gerador e, também, aquelas expressamente designadas por lei.
Em ambas as situações, o terceiro deve estar vinculado ao fato gerador. E este vínculo é jurídico e não econômico. Isto significa, no alcance reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, quer os terceiros sejam sujeitos da relação jurídica que deu azo à ocorrência do fato imponível, tal como, por exemplo, um coproprietário que responde solidariamente pelo IPTU do imóvel mantido em condomínio comum.
Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a possibilidade de o legislador ordinário instituir responsabilidade tributária àqueles que não têm contato com o fato gerador do tributo, salvo se deixarem de cumprir deveres próprios de colaboração para com a Administração Tributária e se contribuírem para o inadimplemento do contribuinte.
É mais uma investida desmedida do Estado para saciar a sua sanha arrecadatória, mesmo que ao arrepio da lei.
Por Eduardo Salusse.
Fonte: Valor Econômico, 24/06/2021.