Uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, sediado em São Paulo, retirou o terço de férias da base de cálculo das contribuições ao Senai de uma indústria. A decisão chama a atenção porque aplica precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao caso, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido em sentido contrário. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) recorreu.
Com a repercussão geral, em agosto, o STF definiu que a cobrança de contribuição previdenciária sobre o terço de férias é constitucional. Ainda será julgado recurso sobre a aplicação da tese para o passado – o que pode levar a um impacto de cerca de R$ 100 bilhões às empresas. Mas, em fevereiro de 2014, o STJ havia decidido, em recurso repetitivo, que a incidência da contribuição patronal sobre o terço constitucional de férias é ilegal.
No caso da Wapmetal Indústria e Comércio de Molas e Estampado, o terço de férias havia sido considerado verba indenizatória pelo TRF. Por isso, foi retirado da base de cálculo da contribuição ao Senai. O recurso da Fazenda foi negado. Mas, depois disso, o tema foi julgado com repercussão geral pelo STF. A Fazenda apresentou, então, novo recurso ao tribunal regional.
A decisão é da 3ª Turma do TRF. Segundo a relatora, juíza federal convocada Denise Avelar, o julgamento do STF, em repercussão geral, é de observância obrigatória, mas o do STJ, em repetitivo, também é. Para ela, a decisão do TRF não afronta a repercussão geral do STF porque não há declaração de inconstitucionalidade da tributação. E, como o STJ decidiu que esta cobrança contraria lei infraconstitucional, ela não poderia ser mantida.
Enquanto a decisão do STJ não for alterada, o TRF não deve mudar de posição, de acordo com a juíza. A decisão foi unânime (processo nº 0000311-42.2015.4.03.6144).
A PGFN pediu que seus recursos ao STJ e STF na ação sejam analisados para que as Cortes se adaptem ao entendimento do Supremo na repercussão geral. De acordo com a procuradoria, a mesma turma julgou outra ação de forma favorável a seu pedido (processo n° 5004463-44.2019.4.03.6100), assim como outras turmas do tribunal que julgaram a matéria após a repercussão geral.
“Não se tem dúvidas que a decisão será revista em se considerando que o próprio STJ já reconhece que sua jurisprudência será modificada”, afirma a PGFN em nota. Em decisão recente, a ministra Assusete Magalhães afirma que, uma vez pacificada a questão pelo STF, o STJ terá que realinhar a sua jurisprudência (1935203). “A Fazenda Nacional está convicta de que a tese do STF será aplicada a todos os casos concretos que pendem de discussão sobre a matéria”, afirma.
De acordo com Leonardo Augusto Andrade, sócio do Velloza Advogados, a decisão do STJ não é automaticamente revogada quando o STF julga a mesma matéria. Ele ainda diz que o fato de a cobrança ser constitucional não anula a falta de previsão legal evidenciada pela decisão do STJ. “Perante a Constituição não há problema em criar contribuição sobre terço de férias, mas preciso de intervenção da lei”, afirma.
Se o STF tivesse decidido que a tributação era inconstitucional, a legalidade não teria tanta importância, segundo o advogado. Porém, ao decidir pela constitucionalidade, ela também precisa ser legal. “A Constituição prevê o imposto para grandes fortunas, mas isso não basta para ele ser criado”, afirma.
O advogado Halley Henares Neto, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat), afirma que a decisão do TRF está de acordo com o sistema de precedentes do tribunal, já que estão pendentes embargos de declaração na decisão do STF. Foi a Abat que fez o cálculo da estimativa de perda de R$ 100 bilhões pelas empresas, a depender do julgamento da modulação da decisão do STF sobre o terço de férias.
“Enquanto a decisão do STJ não for revogada, deve ser seguida. Ela vincula os juízes e ainda depende da análise da modulação pelo STF”, afirma Henares.
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Valor – 17/06/2021