RECURSO ESPECIAL DA EMPRESA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO NÃO CONFIGURADA. PRÁTICAS DE ATOS DE DISSIMULAÇÃO E FRAUDE TENDENTES A REDUZIR OU DIMINUIR OS TRIBUTOS DEVIDOS. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA CDA. OBJETO DO RECURSO ESPECIAL 1. Discutem-se neste recurso as teses relacionadas à alegada omissão no acórdão recorrido; a inexistência da prática de atos que configurem evasão fiscal; a irregularidade na inscrição em dívida ativa; e a vedação à substituição da CDA após decisão da primeira instância. HISTÓRICO DA DEMANDA 2. Trata-se de Execução Fiscal, ajuizada em junho de 2010 (fl. 60, e-STJ), com valor histórico de R$ 65.963.423,65 (sessenta e cinco milhões, novecentos e sessenta e três mil, quatrocentos e vinte e três reais e sessenta e cinco centavos) – quantia essa que, acrescida apenas de correção monetária segundo os critérios da Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para o mês de fevereiro/2021, importaria em R$ 118.563.826,11 (cento e dezoito milhões, quinhentos e sessenta e três mil, oitocentos e vinte e seis reais e onze centavos). 3. Em Embargos do Devedor, a empresa recorrente discutiu, em síntese: a) a constituição de crédito tributário relacionado a diferenças de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e Contribuição Social sobre o Lucro, decorrentes de práticas que o procedimento de fiscalização qualificou, com base no art. 116 do CTN, como dissimulatórias e fraudulentas (evasão fiscal); e b) a impossibilidade de inscrição em dívida ativa, assim como de sua substituição após a decisão da primeira instância. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO 4. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. EVASÃO FISCAL. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ 5. A discussão a respeito da descaracterização da prática de evasão fiscal não pode ser examinada nesta via recursal, pois o afastamento da valoração feita no acórdão hostilizado demanda análise das circunstâncias fático-probatórias presentes nos autos, o que atrai a incidência das Súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA CDA, EM CUMPRIMENTO À DECISÃO JUDICIAL 6. Admite-se a inscrição em dívida ativa, mediante segregação da parcela do crédito tributário que se tornou incontroversa no âmbito administrativo – in casu, reconheceu-se que a base de cálculo de R$ 26.394.889,85 estava correta, pendente apenas de julgamento o recurso administrativo da Fazenda Nacional, que defendia que a base de cálculo correta seria R$ 30.885.040,01; ou seja, a parcela controvertida, não passível de inscrição em dívida ativa, correspondia a essa diferença (R$ 4.490.150,16). 7. Mostra-se, no entanto, equivocada a compreensão em favor da impossibilidade de substituição da CDA, com o argumento de que o excesso de Execução era preexistente à inscrição em dívida ativa (a Receita Federal, embora tenha reconhecido que a base de cálculo dos tributos era R$ 26.394.889,85, remeteu para inscrição o montante de R$ 30.885.040,01). 8. A respeito da exegese do art. 2º, § 8º, da Lei 6.830/1980, é essencial ter em consideração que a possibilidade de substituir a CDA até a sentença no juízo do primeiro grau possui relação direta com o exercício do contraditório e da ampla defesa – motivo pelo qual é assegurada à parte contrária a devolução de prazo para os Embargos. Naturalmente, como o processo é a sucessão de atos destinados à formulação da norma do caso concreto (fixada na sentença), é por esse motivo que o legislador estabeleceu como limite (para emenda ou substituição da CDA) a prolação de sentença nos Embargos do Devedor. PECULIARIDADE DA QUESTÃO DEBATIDA NOS AUTOS 9. A questão debatida nos autos, porém, se reveste de peculiaridade que afasta até mesmo a aplicação do art. 2º, § 8º, da Lei 6.830/1980. De fato, conforme acima explicado, a intenção do legislador, nessa norma, é assegurar ao devedor a possibilidade de se opor à retificação ou à substituição da CDA, por ato unilateral da Fazenda Pública – o que é feito mediante a devolução do prazo para os Embargos. Tal situação (a devolução do prazo para Embargos do Devedor), nas específicas circunstâncias acima descritas, revela-se desnecessária, pois a exclusão do excesso (decorrente da simples adequação à base de cálculo reduzida, ou incontroversa, previamente reconhecida pela própria Receita Federal) constituiu o objeto do pedido deduzido nos Embargos à Execução Fiscal, o que evidencia que o decote do excesso (R$ 4.490.150,16) dispensa até mesmo a realização de operação aritmética, pois constitui, em verdade, a própria adequação da CDA ao conteúdo do provimento jurisdicional (e, ao mesmo tempo, correção do simples erro administrativo), sendo, à evidência, completamente inadequado devolver prazo para fins de novos Embargos do Devedor. 10. Essa situação corresponde exatamente ao que ficou estabelecido no julgamento do REsp 1.115.501/SP, julgado no rito do art. 543-C do CPC/1973. Nesse sentido, transcreve-se o seguinte excerto do respectivo voto condutor: “Consectariamente, o prosseguimento da execução fiscal (pelo valor remanescente daquele constante do lançamento tributário ou do ato de formalização do contribuinte fundado em legislação posteriormente declarada inconstitucional em sede de controle difuso) revela-se forçoso em face da suficiência da liquidação do título executivo, consubstanciado na sentença proferida nos embargos à execução, que reconheceu o excesso cobrado pelo Fisco, sobressaindo a higidez do ato de constituição do crédito tributário, o que, a fortiori, dispensa a emenda ou substituição da certidão de dívida ativa (CDA). É que a sentença proferida no âmbito dos embargos à execução, que reconhece o excesso, é título executivo passível, por si só, de ser liquidado para fins de prosseguimento da execução fiscal (artigos 475-B, 475-H, 475-N e 475-I, do CPC)”. PRECEDENTES DO STJ 11. É inaplicável o precedente representado pelo acórdão proferido no REsp 1.045.472/BA. Neste, a questão central debatida consistiu em definir se era possível substituir a CDA, antes da prolação de sentença do juízo do primeiro grau nos Embargos do Devedor, para se proceder à modificação do sujeito passivo tributário responsável. Confira-se o seguinte excerto do respectivo voto condutor: “Subjaz a análise da insurgência especial que se cinge a questão referente à possibilidade de substituição da CDA antes da sentença de mérito, na forma do disposto no § 8º, do artigo 2º, da Lei 6.830/80, na hipótese de mudança de titularidade do imóvel sobre o qual incide o IPTU (alteração do sujeito passivo da obrigação tributária). In casu, o acórdão prolatado pelo Tribunal a quo encontra-se em perfeita consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de apenas se admitir emenda ou substituição da Certidão da Dívida Ativa caso se constate a existência de erro material ou formal, não sendo possível, entretanto, a alteração do sujeito passivo da obrigação tributária”. 12. A questão veiculada nos presentes autos em nada se relaciona com a mudança do sujeito passivo. A verdadeira situação apurada nos autos é a existência de simples excesso de Execução, pois ficou constatado que a Receita Federal reconheceu – por decisão administrativa cujo capítulo parcial adquiriu caráter definitivo na instância fiscal – que a base de cálculo dos tributos era inferior à originalmente estabelecida pelo Auditor Fiscal, mas, por erro, encaminhou à PGFN justamente aquele valor inicial. 13. Como se vê, não se trata de modificação do sujeito passivo ou da revisão do lançamento, mas de simples adequação ao montante que a própria Receita Federal já reconhecia em favor do contribuinte (a questão, reitere-se, não diz respeito a eventual dissídio entre o contribuinte e o Fisco sobre a identificação do sujeito passivo ou da quantificação da base de cálculo, mas ao simples equívoco procedimental da Receita Federal, que encaminhou para inscrição valor que estava em descompasso com o que ela própria já havia reconhecido). Daí o motivo pelo qual não merece aplicação a tese repetitiva estabelecida no REsp 1.045.472/BA. 14. Há, contudo, outro precedente com características mais similares que comportam aplicação no caso concreto. Com efeito, observe-se o que foi decidido no AgRg nos EDcl no REsp 1.449.773/RJ (destaque acrescentado): “Por outro lado, sustenta o embargante a nulidade da CDA, aduzindo que a mesma não pode ser emendada após a prolação da sentença. Todavia, no caso dos autos o decote do excesso encontrado favoreceu o contribuinte e resultou de provocação da defesa em Execução Fiscal. A vingar a tese da agravante, sempre que a Administração Tributária reconhecer, em juízo, a existência de erro de cálculo na apuração do crédito e admitir que o valor devido é inferior ao constante na CDA, a Execução Fiscal deverá ser necessariamente extinta. Tal conclusão, no entanto, não encontra amparo na ordem jurídica. A jurisprudência do STJ no julgamento do REsp 1.115.501/SP, representativo da controvérsia na forma do art. 543-C, assentou entendimento segundo o qual é possível a realização de decotes de valores indevidos das Certidões de Dívida Ativa quando esta operação envolver meros cálculos aritméticos. (…) Dessa forma, no caso, verifica-se que não há violação ao art. 2º, § 8º, da Lei 6.830/80, tendo em vista que a supressão da penalidade/multa e juros moratórios não demanda maiores esforços matemáticos, podendo ser realizada de maneira simples, não havendo que se falar em nulidade do título executivo”. SÍNTESE: ILEGALIDADE EM EXIGIR INVALIDAÇÃO INTEGRAL DA CDA QUANDO APENAS PARTE ÍNFIMA DELA, IDENTIFICÁVEL MEDIANTE SIMPLES RETIFICAÇÃO DE DADO CADASTRAL, É NULA 15. Em síntese, deve-se considerar: a) a sentença proferida nos Embargos à Execução Fiscal reconheceu a existência de excesso de Execução; b) o excesso tem por origem mero erro procedimental conjunto da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; c) o referido vício pode ser corrigido mediante simples preenchimento de dados cadastrais (dispensando-se até mesmo operação aritmética); d) a própria decisão judicial possui caráter executivo (a exclusão do excesso poderia ser obtida na subsequente fase de cumprimento de sentença); e, sobretudo, e) não há, nas condições retromencionadas, razoabilidade em projetar o reconhecimento do excesso para anular integralmente a CDA, ou seja, até mesmo da parte que não possui qualquer tipo de vício (cerca de 85% do conteúdo da CDA estão corretos), compelindo a Fazenda Nacional a emitir nova CDA (reproduzindo a parcela validamente já registrada na atual CDA) e ingressar com nova Execução Fiscal. Tal medida importa flagrante desrespeito ao princípio da instrumentalidade das formas. CONCLUSÃO 16. A constatação, em processo judicial, de que a Certidão de Dívida Ativa possui valor inscrito a maior – em desacordo, portanto, com o montante apurado na época do lançamento -, passível de regularização mediante simples decote do excesso, não impede a retificação nos próprios autos da Execução Fiscal, mesmo após a decisão judicial de mérito. Tal providência constitui simples cumprimento da determinação judicial, que torna desnecessária a anulação da CDA e do respectivo processo. 17. Recurso Especial da empresa parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. RECURSO ESPECIAL DA FAZENDA NACIONAL: PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REGIME DO CPC/1973. CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NO ART. 20, § 3º, DO CPC/1973 NÃO DISCRIMINADOS OU NÃO VALORADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REVISÃO DA VERBA. SÚMULA 7/STJ. 1. O ente público defende a tese de violação do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/1973, com o argumento de que a fixação dos honorários de sucumbência de 10% (dez por cento) do valor excluído da CDA implica R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), quantia que reputa excessiva. 2. Em regra não se admite Recurso Especial para discutir o montante dos honorários advocatícios, dada a necessidade de incursão no acervo fático-probatório, obstada nos termos do enunciado da Súmula 7/STJ. Excetuam-se as hipóteses em que o acórdão hostilizado, simultaneamente: a) descreve e valora as circunstâncias do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC/1973, e b) estabelece montante que se revela ínfimo ou abusivo. 3. “Não tendo o julgador feito uso de nenhuma dessas balizas previstas no art. 20, §3º, alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’, nem tecido quaisquer considerações quanto a elas, é dever do causídico provocar a integralização da lide mediante a oposição de embargos declaratórios. Inexistindo a integralização, esta Corte poderá examinar, quando suscitada, apenas a ocorrência de violação ao art. 535, do CPC/1973, mas não poderá examinar a alegação de violação ao art. 20, do CPC/1973 e proferir qualquer exame quanto aos honorários fixados, pois o exame da exorbitância ou da irrisoriedade do valor pressupõe a observância dos critérios fáticos previamente delineados. O caso será de incidência da Súmula n. 7/STJ” (REsp 1.579.555/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 19/8/2016). 4. Hipótese em que o Tribunal de origem não realizou juízo a respeito das circunstâncias do art. 20, § 3º, do CPC/1973. Limitou-se a mencionar que a praxe local é de estabelecer, em caso de sucumbência recíproca, honorários de 10% da quantia considerada inexigível, sem sequer descrevê-la nem se pronunciar sobre eventual abusividade. Não se opuseram Aclaratórios pelo ente público, o que atrai a incidência da Súmula 7/STJ. 5. Recurso Especial da Fazenda Nacional não conhecido. REsp 1626287/PR, DJ 14/05/2021.