Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sinalizaram ontem que querem fazer uma distinção no entendimento consolidado do Judiciário que proíbe o Ministério Público de pleitear direitos de contribuintes, em matéria tributária, por meio de ação civil pública. O julgamento foi suspenso por pedido de vista da ministra Regina Helena Costa, depois de debates na 1ª Seção.
No caso que começou a ser analisado, a Fazenda Nacional questiona a legitimidade do Ministério Público (MP) para proteger o direito de portadores de necessidades especiais à isenção tributária na aquisição de veículos (EREsp 1428611). O MP se insurge contra a Instrução Normativa nº 988/2009, da Receita Federal.
Pela norma, o órgão condiciona a isenção do IPI e do IOF na compra de veículos à comprovação de condições financeiras ou patrimônio compatível com o valor do bem que o requerente pretende adquirir.
Mas, no caso, a pessoa que pede a isenção tributária, além de ter deficiência física, não tem condições financeiras. Ela ainda mora com pais idosos e uma irmã com deficiência mental.
Em 2013, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceram, em repercussão geral, que o Ministério Público não pode ajuizar ação civil pública para defender contribuintes. A jurisprudência do STJ também é nesse sentido.
O relator do caso analisado agora pelo STJ, ministro Francisco Falcão, seguiu o entendimento consolidado e reforçou que o Ministério Público não tem esse poder. “Não podemos fazer jeitinho aqui”, disse. Mas os ministros Herman Benjamin e Regina Helena Costa propuseram elaborar uma distinção.
Segundo eles, o que está em jogo não é uma discussão tributária propriamente dita, mas o direito fundamental de pessoas com deficiência. “Há alguém mais vulnerável que uma pessoa fisicamente deficiente, pobre, que possui uma irmã com deficiência mental e pais idosos? É o párea do párea, mas não no ordenamento social de direito”, disse Benjamin. “A Receita não tem carta de alforria para praticar ilegalidades contra sujeitos hipervulneráveis.”
A ministra Regina Helena Costa acrescentou que, no caso, não há uma “discussão pura” sobre tributos. “O objetivo último é a proteção de direito fundamental. O viés é distinto”, afirmou. Ela pediu vista no processo e suspendeu o julgamento.
O ministro Campbell Marques ponderou ter a preocupação em fazer uma distinção por meio de embargos de divergência. Esse recurso é utilizado para uniformizar a jurisprudência do STJ e tem uma carga forte de precedente.
Para o ministro Gurgel de Faria, dizer que o MP não possui legitimidade na defesa de contribuintes não implica deixar pessoas desassistidas. “Pode-se constituir advogado ou mesmo pela via da defensoria pública”, disse.
A Fazenda Nacional considera perigoso abrir uma distinção no tema. Isso porque os efeitos de uma decisão em ação civil pública é para todos, e não apenas para um único beneficiário. “No fim, a ação civil pública seria transformada em ação direta de inconstitucionalidade ao afastar uma norma que prevê os requisitos exigidos para a isenção tributária”, afirma a procuradora Patrícia Grassi Osorio.
FONTE: Valor Econômico – Por Bárbara Pombo, 27/05/2021.