ICMS – Remessa graciosa de materiais desprovidos de valor econômico (“lixo”) – Resíduos líquidos, sólidos e pastosos remetidos para descarte – Documentos fiscais. I. O descarte de material inservível, destituído de valor econômico e cedido gratuitamente ao destinatário, não pode ser caracterizado como saída de mercadoria, estando a sua movimentação fora do campo de incidência do ICMS. II. É vedada a emissão de documento fiscal que não corresponda a uma efetiva saída ou entrada de mercadoria, exceto nas hipóteses expressamente previstas na legislação tributária (artigo 204 do RICMS/2000). III. Para acompanhar o transporte desse material no Estado de São Paulo, poderá ser utilizado documento interno que mencione a origem e o destino do material, dados do transportador, do remetente, do destinatário, bem como a descrição pormenorizada do material transportado. DOU 25/05/2021.
Relato
1. A Consulente, sociedade empresária optante do Regime Periódico de Apuração (RPA) que tem como atividade principal a “fabricação de outras peças e acessórios para veículos automotores não especificadas anteriormente” (CNAE 29.49-2/99), entre outras atividades comerciais secundárias, informa que no processo produtivo utiliza óleos lubrificantes e produtos químicos em geral que se consomem completamente ou parcialmente gerando resíduos líquidos, sólidos e pastosos que são perigosos e necessitam de destinação especial para não prejudicar o meio ambiente. Além disso, que também existe a contaminação de alguns materiais (papel, plástico e serragem) devido ao contato com esses óleos e produtos químicos da indústria, os quais seguem a mesma destinação.
2. Diante do exposto, questiona se ao destinarem esses resíduos e itens contaminados, ambos destituídos de valor econômico, para reciclagem ou descarte de forma correta, há incidência do ICMS e se é necessária a emissão de Nota Fiscal.
Interpretação
3. Inicialmente, registre-se que a presente resposta partirá dos seguintes pressupostos: (i) as operações em comento, envolvendo a remessa dos materiais para descarte, ocorrem dentro do Estado de São Paulo; e (ii) os materiais descartados pela Consulente são cedidos de forma gratuita, não apresentando valor econômico, podendo ser considerado como “lixo” para quem os descarta. Caso essas premissas não se verifiquem, a Consulente poderá apresentar nova consulta tributária, esclarecendo, de forma completa e exata, a matéria de fato.
4. Do relato apresentado, depreende-se que a situação se caracteriza como saída de material inservível (descarte de resíduos perigosos e materiais contaminados) para destinatário que procederá ao seu correto descarte, material esse que é destituído de valor econômico para quem o descarta (Consulente), sendo cedido gratuitamente.
5. Com efeito, conforme entendimento reiterado deste órgão consultivo, a saída de “lixo” é, em princípio, ocorrência que não se reveste das características de saída de mercadoria, uma vez que, destituída de valor econômico, não satisfaz o conceito de mercadoria. Assim, “lixo” é o material descartado, cedido de forma gratuita, sem valor econômico para quem o descarta e sem ônus econômico ou financeiro para quem recebe, não satisfazendo, portanto, o conceito de mercadoria, de modo que tal saída não é hipótese de incidência do ICMS.
6. De fato, o material que deu origem ao “resíduo” já encerrou um ciclo de circulação de mercadorias e o descarte físico desse material inservível pela Consulente, por não se destinar ao comércio e por não possuir valor comercial para Consulente, não se caracteriza como mercadoria e não configura fato gerador do ICMS. Portanto, seu deslocamento físico não constitui causa do cumprimento das obrigações principal (de pagar o imposto) e acessória (emissão de notas fiscais) para seu descarte.
6.1. Pelos mesmos motivos, não deve ser emitida Nota Fiscal de entrada desse material no destinatário, pois, nos termos do artigo 204 do RICMS/2000, é vedada a emissão de documento fiscal que não corresponda a uma efetiva saída ou entrada de mercadoria ou a uma efetiva prestação de serviço (exceto nas hipóteses expressamente previstas na legislação do IPI ou ICMS).
7. Para acompanhar o transporte desse material em território paulista, poderá ser utilizado documento interno do estabelecimento remetente (Consulente) que mencione o local de origem e de destino, os dados do transportador, do remetente e do destinatário, bem como a informação de que se trata de material de descarte, com sua descrição.
8. Por outro lado, importante lembrar que, caso a empresa destinatária, ao realizar a reciclagem (caso possível) ou recuperação desse material recebido graciosamente, estará atribuindo-lhe valor econômico, tornando-o mercadoria novamente. Logo, a venda de tais produtos pela empresa destinatária será tributada normalmente pelo ICMS, devendo ser emitida a correspondente Nota Fiscal, conforme artigo 125, I, do RICMS/2000 c/c artigo 40 da Portaria CAT-162/2008.
8.1. Por oportuno, cabe também informar que a legislação paulista diferencia os casos de descarte de lixo, das operações com sucatas, sendo que estas apresentam valor econômico, ainda que por valor reduzido, e, assim, são consideradas mercadorias, tributadas por ICMS, ainda que podendo haver regras específicas, a exemplo do artigo 392 do RICMS/2000.
9. Ressaltamos que a orientação acima somente prevalece no território paulista, em virtude da limitação de competência outorgada pela Constituição Federal e da autonomia das Unidades Federadas.
10. Com esses esclarecimentos, consideram-se dirimidas as dúvidas apresentadas na consulta.