O Ministério Público Federal não tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o objetivo de obrigar a Fazenda Pública a deduzir da base de cálculo do Imposto de Renda os gastos efetuados por pessoa física com aquisição de livros, cursos de informática e de idiomas estrangeiros e cursos preparatórios para concursos e vestibular.
Essa foi a conclusão alcançada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, em recurso ajuizado pelo MPF. Prevaleceu o voto do relator, ministro Gurgel de Faria, seguido pelos ministros Sergio Kukina e Benedito Gonçalves. Ficou vencida a ministra Regina Helena Costa.
Ao caso, o colegiado aplicou a Tese 645 da repercussão geral, definida pelo Supremo Tribunal Federal: o Ministério Público não possui legitimidade ativa ad causam para, em ação civil pública, deduzir em juízo pretensão de natureza tributária em defesa dos contribuintes, que vise questionar a constitucionalidade/legalidade de tributo.
O entendimento deriva da vedação expressa do artigo 1º, parágrafo único da Lei 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública). A divergência no caso concreto consistiu em definir se a demanda do MPF tinha mesmo caráter tributário ou se objetivava proteger um direito fundamental: o acesso à educação.
Na ação civil pública, o MPF apontou que a Lei 9.250/1995 criou uma diferenciação injusta na definição da base de cálculo para o Imposto de Renda no que diz respeito à dedução de gastos com educação: permitiu que fosse amplamente feito para as pessoas jurídicas, mas não para as pessoas físicas, embora o direito à educação seja fundamental e garantidor da dignidade humana.
O objetivo era pleitear a dedução, na base de cálculo do IRPF 2004/2005, da totalidade das despesas efetuadas com instrução.
Causa tributária?
A ministra Regina Helena Costa abriu divergência por entender que a pretensão recursal trata de proteção de direito fundamental, o que autoriza o cabimento de ação civil pública proposta pelo Ministério Público.
“Na presente ação civil pública, a pretensão deduzida envolve discussão de natureza tributária que desborda a esfera particular dos contribuintes, relacionando-se ao exercício de direito fundamental, qual seja, o direito à educação, direito social de todos e dever do Estado, e atividade a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, nos termos dos artigos 6º e 205 da Constituição da República”, afirmou.
O relator e os demais ministros discordaram. Para o ministro Gurgel de Faria, o tema relativo à educação, como direito fundamental, não é o pedido principal, mas a causa de pedir. Já a jurisprudência e a legislação impedem atuação do MP por ação civil pública quando o pedido tiver natureza tributária.
“A matéria tributária representa o próprio pedido em si, tanto que se pretende seja desconsiderado o limite que está fixado na lei, para que assim seja permitida essa dedução do Imposto de Renda de forma integral. Assim, o pedido questiona, em última análise, a legalidade desse tributo”, explicou o relator.
Na opinião da maioria, a legitimidade do MPF para propor ação civil pública relacionada a matéria tributária existiria na hipótese de o pedido buscar o resguardo dos cofres públicos ou na defesa de interesses metaindividuais.
“Deve ser observada a especial distinção entre causa de pedir e pedido, de modo que tão somente quando o pedido versar tema de natureza tributária — e não a causa de pedir — se reconhece a ilegitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública”, disse o ministro Gurgel de Faria.
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REsp 1.465.282
Por Danilo Vital
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 17 de maio de 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-mai-17/mpf-nao-usar-acp-deducao-gastos-educacao-irpf