A 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro interrompeu a recuperação da Hotéis Othon, considerando que a empresa não apresentou a certidão de regularidade fiscal. A decisão teve como base a nova Lei de Falências (Lei 14.112/2020).
Embora existisse desde 2005, a exigência do documento para a homologação de recuperações judiciais era flexibilizada pelo Judiciário. Para o TJ-RJ, isso muda com a nova norma. Levando em conta que, se antes não era ofertado às recuperandas um parcelamento de dívida adequado, agora as empresas têm opções: podem parcelar as dívidas em até 120 vezes ou usar prejuízo fiscal para cobrir 30% da dívida, parcelando o restante em até 84 meses.
Especialistas ouvidos pela ConJur criticaram a decisão, afirmando que a exigência da certidão de regularidade é preocupante e pode afetar uma série de empresas que já ingressaram com pedido de recuperação.
Para José Roberto Cortez, sócio fundador do Cortez Advogados, a decisão traz insegurança jurídica a todas as empresas que passam por uma situação parecida com a da Hotéis Othon.
“Soa absolutamente equivocada a decisão proferida pelo TJ do Rio, uma vez que a empresa Othon tem acordo de credores homologado desde 2019, contrato que é lei entre as partes e, assim, não pode ser interrompido sem ficar comprovado ato lesivo ao interesse público — fato não ocorrido porque à época da homologação o Judiciário flexibilizou a apresentação da certidão”, diz.
Ele diz que o fato de a nova Lei de Falências obstaculizar a flexibilização não autoriza a suspensão de acordo já homologado, contra o qual a Fazenda não se opôs.
“Quanto à referida certidão, cabe destacar que não é um documento necessário para a prática de atos havidos em razão do acordo homologado, exatamente por não implicarem em alienação ou oneração de ativos do recuperando. Para essa hipótese, sempre é necessária a certidão fazendária ou a interveniência da Fazenda no ato jurídico, fatos que não tem pertinência com o acordo homologado”, prossegue.
“Não há, portanto, ilegalidade no ato homologatório do acordo de credores que justifique a interrupção. Menos ainda, a extremada decretação de falência. Por essa razão, é necessário que a empresa, pelas vias judiciais, não se submeta à interpretação ou pretensões descabidas”, conclui o advogado.
Domingos Fernando Refinetti, sócio na área de recuperação judicial do WZ Advogados, diz que a decisão deve servir de alerta às empresas em recuperação, que terão que dedicar uma atenção especial ao seu passivo fiscal.
“O argumento sempre utilizado pelas empresas no sentido de que a exigência da regularidade fiscal inviabilizaria a sua recuperação judicial torna-se mais frágil à luz das novas disposições legais, na medida em que essa exigência torna-se fulcral, em princípio, somente depois de 180 dias de ajuizada a demanda, o que parece outorgar tempo suficiente para que seja devidamente enfrentada”, pontua.
Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados Associados e vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Tributário (ABDT), diz que a nova Lei de Falências, “que deveria ter sido reformada para beneficiar o contribuinte, acabou se tornando mais dura”.
“O parcelamento lá previsto é tímido se comparado ao nosso histórico de parcelamento. O pior é que, no final, teremos mais empresas exterminadas e créditos tributários inadimplidos. Tudo que se procura evitar.””
Para Gustavo de Godoy Lefone, coordenador do departamento de Direito Tributário do BNZ Advogados, a exigência da certidão de regularidade fiscal vai inviabilizar qualquer recuperação judicial e, consequentemente, não atenderá aos objetivos do instituto jurídico, que são a manutenção das atividades econômicas e dos empregos.
“Um dos principais objetivos da insolvência é o não pagamento de tributos. Como exigir que alguém em situação de insolvência, necessitando da recuperação judicial para seguir com suas atividades empresariais, esteja adimplente com seus débitos tributários?”, questiona.
“Cabe aqui lembrar que o Brasil é um dos países com uma das maiores cargas tributárias do mundo, bem como conta com um sistema tributário de extrema complexidade, com milhares de obrigações acessórias a serem cumpridas pelos empresários”, concluiu o especialista.
Processo 0046087-14.2020.8.19.0000
Revista Consultor Jurídico, 8 de maio de 2021.